Brasil e Estados Unidos são os dois grandes players do mercado mundial da soja. E a China, como maior compradora global da oleaginosa, geralmente se divide entre um mercado e outro, acompanhando aquele que estiver oferecendo o preço mais competitivo.

Às vésperas da eleição presidencial norte-americana, no entanto, um outro fator está influenciando a decisão chinesa. O mercado especula que uma possível vitória de Donald Trump possa trazer de volta a prática de tarifas mais altas para os chineses, algo já visto no primeiro governo do republicano.

Nas últimas semanas houve um aumento expressivo na compra de soja americana por parte da China, para embarque ainda este ano.

Ao mesmo tempo, chineses também mostraram mais apetite para importar a soja brasileira, garantindo negócios para entrega no primeiro semestre de 2025, período de oferta abundante no Brasil e – a depender do que decidir o eleitor americano – de influências políticas no preço da soja na Bolsa de Chicago.

O resultado foi uma alta expressiva nos chamados “prêmios”, diferenciais portuários praticados tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.

Traders ouvidos pelo AgFeed confirmam uma demanda chinesa mais forte nas últimas semanas e um clima de preocupação no mercado com o risco da chamada “trade war”, período no primeiro governo Trump em que os EUA endureceram nas negociações com a China em busca de um maior equilíbrio na balança comercial.

Nas últimas duas semanas, em função desse cenário, o mercado viu uma elevação até 40 centavos de dólar por bushel no prêmio da soja para os embarques a partir de fevereiro de 2025.

No fechamento da quinta-feira, 24 de outubro, o indicador da agência de commodities Argus Media para o paper market Paranaguá indicava ofertas de venda com 70 centavos de dólar por bushel acima do preço de Chicago, para entrega em junho/julho. Há 15 dias, para o mesmo vencimento, a maior oferta de venda era de um prêmio de 35 centavos.

Enquanto isso, em meio a compras imediatas mais intensas de soja americana por parte da China desde setembro, o prêmio nos Estados Unidos também teria alcançado patamar considerado o mais alto dos últimos 14 meses.

O AgFeed conversou com Pedro Dejneka, um dos principais especialistas do setor, sócio fundador da MD Commodities.

Ele confirma que, do início de setembro até a semana passada, os Estados Unidos exportaram 1,7 milhão de toneladas a mais do que venderam no mesmo período do ano anterior. Mas não acredita que este cenário persista por muito tempo.

“A China está antecipando algumas compras, mas nós temos uma situação em que a demanda que está chegando não é sustentável”, afirmou.

Na visão de Dejneka, os volumes ainda podem subir nas próximas duas semanas, mas em meados de novembro “essa vantagem vai voltar a cair e pode voltar para o campo negativo”.

Um dos motivos para essa expectativa é o fato de que houve uma forte exportação americana de soja entre novembro e dezembro do ano passado – ficou em torno de 1,5 milhão de toneladas por semana – porque o clima seco no Brasil havia deixado o mercado em pânico, já vendo o risco de uma forte quebra por aqui.

O cenário agora, segundo ele, é bem mais favorável do ponto de vista climático para a safra brasileira.

Sobre o real “efeito Trump” no mercado, o analista da MD Commodities acredita que se trata de um movimento exagerado.

Ele lembra que, ao longo deste ano, a China já passou a comprar bem menos soja dos EUA.

Foram 68 milhões de toneladas do Brasil até o fim de setembro e 10 milhões de toneladas dos americanos até agosto.  “E não havia governo Trump”, ressaltou.

No ano passado, os EUA exportaram para a China 28 milhões de toneladas de soja. Este ano ele acredita que não deve passar de 23 milhões.

Enquanto isso, o Brasil tende a seguir mantendo volumes altos ou até com chance de bater novo recorde.

Os chineses compraram no ano passado 75,8 milhões de toneladas de soja do Brasil, número que “tem chance de ser alcançado novamente”, apesar de a produção brasileira ter sido menor na safra 2023/24.

Os analistas destacam que, no final das contas, ganha a soja que estiver mais competitiva. Para embarque agora em novembro a soja brasileira sai por US$ 460 por tonelada “posto China”. Já o produto americano fica por US$ 455.

Quando se observa os preços futuros, a partir de fevereiro, a soja brasileira chega a ficar 15 dólares mais barata que a dos EUA, com US$ 440 aqui e US$ 455 por lá.

O analista Vlamir Brandalizze avalia o movimento das últimas semanas como uma preocupação dos chineses em “fazer estoques”. À medida que pesquisas eleitorais mostraram um avanço da intenção de voto no candidato republicano, o analista diz que aumentou o temor por parte da China em enfrentar “uma política comercial mais dura”.

“É por isso que vimos Chicago subir também, estava na faixa de US$ 9 por bushel na semana passada e voltou para os US$ 10, está se sustentando”, disse Brandalizze. Na visão do analista, esse cenário tende a beneficiar o Brasil.

Mercado baixista

Pedro Dejneka afirmou ao AgFeed que o mercado da soja “ é decididamente baixista, a não ser que haja uma quebra de safra muito grande na América do Sul”.

Só uma perda de “30 milhões de toneladas”, segundo ele, poderia mudar de forma significativa esse cenário baixista para o preço da soja.

“O trabalho do mercado agora é tirar área de plantio nos EUA”, disse.

O grande fator que influencia nesse cenário de preços com pouca chance de subir não é a política e sim a oferta abundante de soja do mundo.

Os estoques mundiais são estimados em 134 milhões de toneladas. O mais alto que já havia sido visto até hoje era de 114 milhões de toneladas.

Para a MD Commodities, caso Trump seja eleito, pode até haver uma queda dos preços da soja na Bolsa de Chicago, nos primeiros meses, em função de uma “percepção inicial de guerra comercial”. Porém, a tendência é de que ao longo do tempo a situação se normalize. “Vai ser saudável para os EUA reduzir área no ano que vem”.

Dejneka acredita que Trump tende a conduzir uma boa negociação com os chineses e tende a fazer o possível para o agro americano “não fraquejar”.

“O relacionamento entre China e EUA hoje é muito pior do que era durante os anos Trump”, afirmou Dejneka, que mora em Chicago.

Os prêmios da soja brasileira, com Trump, também manteriam uma pressão de alta logo no começo. “Mas se a safra realmente chegar a 170 milhões de toneladas no Brasil não tem como mandar o atual patamar de prêmios”, alertou o analista.

Considerando um cenário em que a democrata Kamala Harris venha a vencer, a expectativa da MD é de alta inicialmente para os preços em Chicago e queda dos prêmios do Brasil, o que também deverá se ajustar mais adiante em função desse cenário de grande oferta global de soja.

Enquanto isso, para o produtor brasileiro, o que tem feito a diferença é a taxa de câmbio. Mesmo nos dias em que Chicago perdeu o patamar de US$ 10 por bushel, o preço seguiu atrativo para diversas regiões porque o dólar chegou a R$ 5,70.

Dejneka acredita que o valor mais factível para o câmbio seria próximo de R$ 5,20, por isso segue recomendando que os produtores invistam no planejamento de sua comercialização e adotem o hedge, para travar custos e margens positivas, aproveitando as oportunidades.

Enquanto o câmbio se mantém em patamares elevados, o analista Vlamir Brandalizze alerta que o momento é de boas oportunidades de comercialização. “Só essa semana foram pelo menos 1,3 milhão de toneladas de soja vendidas pelo produtor brasileiro, o mercado interno está oferecendo o melhor momento do ano e também há bons preços na exportação, podendo chegar a R$ 150 por saca para embarque em janeiro”.