Ponta Grossa (PR) - Dirigir pela rodovia PR-151 é conhecer um Brasil em outra escala de grandeza. É comum ver o trânsito tomado apenas por caminhões bitrem, de nove eixos, feitos para levar mais de 70 toneladas. Essas carretas ligam a região dos Campos Gerais, no Paraná, a estradas como BR-116, que liga o Brasil de Norte a Sul, ou a BR-277, que a conecta ao Porto de Paranaguá – de onde partem navios que atravessam o mundo.
Ao longo da estrada, grandes prédios e uma infinidade de silos demonstram a forte presença da agroindústria na região, há décadas consolidada como um dos principais polos nacionais do agronegócio, onde cooperativas modernas convivem com grandes tradings movidas por uma agropecuária tecnificada como em poucos outros pontos do País.
Mesmo nesse cenário, uma enorme edificação no km 318 surpreende. Em sua fachada há uma pintura com 40 metros de altura (equivalente a um prédio de 15 andares), mostrando diferentes fases da produção da cevada. A obra de arte serve como cartão de visitas para a Maltaria Campos Gerais.
A fábrica é fruto de uma parceria entre as cooperativas Agrária, Frísia, Castrolanda, Capal, Bom Jesus e Coopagrícola. Inaugurada oficialmente em junho, tem capacidade para produzir 280 mil toneladas de malte por ano – cerca de 15% da demanda nacional brasileira. Isso agora, na primeira fase. A segunda fase, prevista para terminar em 2031, pode dobrar a capacidade.
Resultado de um investimento de R$ 1,6 bilhão, e com previsão de gerar 130 empregos diretos e mais de 3 mil indiretos, a Maltaria é um símbolo de uma nova fase do agronegócio nos Campos Gerais. Ela é o maior dos novos empreendimentos da região, mas não é o único.
“Nos últimos 4 anos, a gente trouxe aproximadamente R$ 7 bilhões de investimentos para Ponta Grossa. Esse investimento ainda não é visível no PIB ou mesmo nas ruas, mas vai dar a nova cara da região na próxima década”, diz Paulo Pinto, secretário de Indústria, Comércio e Qualificação Profissional do município.
“Esse esforço vale a pena. No nosso cálculo, cada emprego na indústria acaba gerando três empregos no comércio”, estima.
Ponta Grossa é o maior município de um efervescente polo do agro onde se destacam também Castro e Carambeí, sede, respectivamente, das cooperativas Castrolanda e Frisia e que também têm recebido aportes vultosos em novos empreendimentos.
O secretário explica, com sua jornada pessoal, o que a nova fase de desenvolvimento significa para os Campos Gerais. “A onda atual de investimentos tem uma importância pessoal para mim. Eu nasci e cresci em Ponta Grossa mas, em 1996, fui embora com o objetivo de nunca mais voltar. Eu saí para me formar em Engenharia Mecânica e não encontrei mais lugar para mim” , conta.
“Quando implantaram a fábrica da Kaiser, o diretor resolveu morar em Curitiba, porque também não encontrou aqui estrutura para a família dele, como uma escola internacional para os filhos. Hoje eu estou de volta, muitos amigos que saíram voltaram também. Agora existe demanda por mão de obra mais qualificada e estrutura para acolher executivos”.
Cerveja e muito mais
Nos últimos dois anos a construção da Maltaria chegou a reunir, num mesmo dia, 1.700 pessoas de 50 empresas diferentes. “A gente já havia pintado outros murais em silos, mas nunca uma obra em andamento. Às vezes era necessário parar, para outra equipe instalar algum equipamento”, diz Caio Caron, sócio da Black Bird Art Studio, encarregada do painel da fachada.
Quatro artistas trabalharam em turnos de 10 horas por dia, durante 7 meses, e consumiram 5.400 litros de tinta. “Valeu a pena. As pessoas veem nosso trabalho ao passar pela estrada”, diz Caio. “O volume de encomendas na nossa empresa aumentou 80%”.
A Maltaria chegou a ser considerada a maior do planeta – ou, pelo menos, a maior feita de uma só vez. Sócio da Wosniak Engenharia, consultoria encarregada do projeto do edifício, Fabio Wosniak dispensa esses superlativos. Mas reconhece que ser uma das maiores do mundo trouxe desafios inéditos.
“O prédio tem 30 silos em cada bateria, colados um no outro. Isso exigiu análises avançadas na parte de variação de temperatura e muita discussão sobre a sequência da obra”, afirma. A empresa dedicou 10 consultores ao acompanhamento da empreitada, durante os dois anos.
Agora que a Maltaria está pronta, o movimento baixou. Entre as 6 e as 8 da manhã, a fábrica recebe cerca de 100 trabalhadores, que chegam em vans ou carros de frota. A diversidade de placas no estacionamento da Maltaria dá uma medida das conexões que a empresa proporciona no Brasil.
Ali, veem-se carros de São Bernardo do Campo e Presidente Prudente, em São Paulo, além de cidades vizinhas como Telêmaco Borba, Curitiba e, naturalmente, Ponta Grossa. “O movimento está pequeno agora, enquanto a fábrica funciona em um turno e só de segunda a sexta-feira”, diz um segurança. “Daqui a uns meses, vai esquentar”.
Os 41 caminhões que aguardavam para entregar cevada ou levar embora malte numa sexta-feira do início de agosto ainda não chegavam a ocupar metade do pátio. Mas já ligavam Ponta Grossa ao Brasil inteiro. “São Paulo, Bahia, Minas Gerais... Onde tem fábrica da Ambev, a gente leva malte daqui”, diz o caminhoneiro Marcio da Silva Machado.
A Maltaria tem contrato com Ambev e Heineken, além de cervejarias menores. Controlador da fábrica, o presidente da Agrária, Adam Stemmer, disse ao jornal Correio do Povo que, inicialmente, vai trabalhar com 60% de cevada nacional, mas com o objetivo de chegar a 100%. Maior produtor do grão no país, com 69% do total, o Paraná está ampliando sua capacidade.
Ao longo da mesma rodovia, outros projetos grandiosos ajudam a dar força ao novo impulso que movimenta a região. Em construção no Km 164, em Ponta Grossa, uma fábrica de macarrão instantâneo da Nissin terá sua primeira fase inaugurada em 2026.
“Quando o projeto ficar completo, em 2035, ela deverá ser a maior da empresa no mundo”, diz o secretário Paulo Pinto. A multinacional prevê um investimento de mais de R$ 1 bilhão e geração de 500 empregos diretos.
Mais recentemente, em maio passado, a Unium – um projeto que, assim como a Maltaria, reúne recursos e competências das principais cooperativas locais – anunciou um investimento de mais de R$ 450 milhões para construir uma nova fábrica de leite em pó em Castro.
“É um investimento importante que fomenta a geração de emprego, fortalece a agricultura familiar e consolida o papel do Paraná como supermercado do mundo”, disse o governador do estado, Ratinho Junior, na ocasião do lançamento.
A força das cooperativas
A Unium é uma espécie de cooperativa das cooperativas. Ela surgiu do entendimento dos dirigentes da Castrolanda, da Frisia e da Capal de que, melhor do atuar isoladamente, conseguiriam obter melhores resultados aplicando seus recursos em projetos conjuntos, sobretudo na área industrial.
Na última década, vários investimentos em conjunto foram feitos com esse espírito de “intercooperação”, nas palavras de Rogério Wolf, coordenador comercial de lácteos da Unium.
“Em vez de concorrer uma com a outra numa mesma região, decidimos unir forças, numa atuação colegiada e com decisões colegiadas”, afirma. “Assim, a Unium cresceu cerca de 8% ao ano nos últimos 10 anos”.
Com mais de 5 mil produtores rurais associados, hoje a marca é a segunda maior produtora de leite do Brasil, segundo o ranking da Abraleite.
Com rebanho e técnicas trazidas da Holanda, as cidades de Castro e Carambeí se tornaram as duas maiores produtoras de leite do Brasil, segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), do IBGE, com dados de 2022. O estado do Paraná responde por 12,9% da produção brasileira, atrás apenas de Minas Gerais (27,1%).
Ser um “supermercado do mundo” é uma forma de retribuição do Paraná. Foi pelo Porto de Paranaguá que desembarcaram mais de 100 mil imigrantes, segundo o Arquivo Público do estado.
Holandeses, poloneses, alemães e japoneses chegaram a partir de 1896 – com picos no entorno das guerras mundiais, no fim dos anos 1910 e 1930. A Frisia, por exemplo, foi fundada em 1925 e é a segunda cooperativa agrícola mais antiga do País.
Se hoje a região de Campos Gerais está entre os maiores celeiros do País, foi graças ao trabalho de imigrantes que trouxeram e desenvolveram métodos avançados de agricultura.
“A região tinha esse nome justamente por não ter mata completa. As terras aqui eram muito ácidas, não chegavam nem a formar mato. Não se produzia praticamente nada, era uma média de um boi por hectare”, diz Paulo Bertolini, diretor do Grupo Calpar e presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho).
“Se hoje temos áreas extremamente produtivas, foi em função de tecnologia. Imigrantes vieram para cá e começaram a fazer a correção do solo”. O sucesso da técnica é expresso pela própria Calpar. Localizada em Castro, a empresa é a maior fabricante de calcário agrícola do Brasil.
Numa das ondas imigratória, após Segunda Guerra Mundial, em 1947, a família de Franke Dijkstra desembarcou no Rio de Janeiro e se fixou na cidade de Carambeí. Os Dijkstra têm origem na província de Frísia, no norte da Holanda, e produziam leite desde 1548.
“As famílias numerosas e a pouca perspectiva de compra de terras em um país diminuto como a Holanda, somados ao trauma da guerra e ao oportuno auxílio financeiro do governo holandês, que pagava as passagens para que as pessoas pudessem emigrar motivaram muitos a partir”, diz Franke, em seu livro O Solo Ensinou.
“Trouxemos na viagem quarenta novilhas e um touro reprodutor conhecido por descender da melhora genética desenvolvida na Frísia. Ele [o pai, Bauke] seria responsável pela entrada dessa evolução tecnológica no Brasil”.
Fundador da Fazenda Frank’Anna, o próprio Franke acabaria escrevendo outra página na história da agricultura brasileira. Ao plantar arroz, a partir dos anos 1950, foi um dos pioneiros do plantio direto, técnica em que o agricultor coloca a semente no solo não revolvido.
“O próprio solo nos ensinou que nem todo conhecimento trazido dos climas temperados de aplica em nossa terra e em nosso clima”, diz Franke. Ao adaptar técnicas, o Paraná se tornou o maior produtor de soja e de milho do Brasil. Há duas décadas, perdeu a primeira posição para o Mato Grosso.
Mas o pioneirismo e a melhor malha de transportes concentraram no estado gigantes da agroindústria mundial – como a Cargill, que em 1973 inaugurou sua primeira unidade brasileira de processamento de soja em Ponta Grossa.
O agronegócio representa 33,86% do PIB do Paraná, segundo um estudo do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), de 2020, com dados de 2017. É uma participação 58% maior do que a média do Brasil.
Dados mais recentes mostram que a agropecuária (sem considerar serviços e indústria relacionados) vem puxando o PIB do Paraná para cima. Em 2023, o estado cresceu 5,8% (o dobro da média nacional), enquanto a agropecuária avançou 26,91%, segundo o IBGE. Desde 2006, a participação da pecuária no PIB paranaense cresceu de 7,3% para 11% - um avanço de 50%.
Os Campos Gerais, com a vocação pela inovação e pelo cooperativismo, mais uma vez assumem o papel de protagonista nesse avanço.