"Quem está pronto para tornar a agricultura grande novamente?” Foi assim, no melhor estilo Donald Trump, que a advogada conservadora Brooke Rollins, fundadora do think tank America First Policy Institute, comemorou nas redes sociais sua indicação para assumir o comando do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), na sigla em inglês.
Foi uma escolha também no estilo Trump. Rollins não estava entre as principais apostas do setor e sequer tem um histórico ligado ao agronegócio americano – embora tenha crescido em uma fazenda e seja formada em Desenvolvimento Agrícola pela Universidade do Texas A&M, além do diploma em Direito.
Tem, entretanto, algo que o presidente eleito dos Estados Unidos valoriza mais: uma relação antiga e de confiança com Trump. Durante a primeira passagem dele pela Casa Branca, Rollins foi diretora do Escritório Americano para Inovação e diretora interina do Conselho de Política Doméstica.
Nos últimos meses, dedicou-se à defesa das propostas econômicas de Trump e à campanha presidencial e acabou guindada a um papel próximo do futuro presidente na equipe de transição.
A indicação de Rollins, que precisa ser confirmada pelo Senado americano, foi uma das últimas a ser feitas e envolveu, segundo a mídia americana, intensas disputas entre conselheiros e familiares de Trump e poderosos grupos agrícolas.
O controle do USDA é estratégico. Equivalente ao nosso Ministério da Agricultura e com um orçamento anual de mais de US$ 430 bilhões e cerca de 100 mil funcionários, o departamento está por trás de todas as decisões que impactam a indústria de alimentos e agricultura do país, que movimenta mais de US$ 1,5 trilhão.
Além disso, as decisões e os dados levantados pelo USDA são cruciais para estabelecer os fundamentos da oferta global de alimentos e deve ser, na gestão Trump, um instrumento importante no estabelecimento de uma política protecionista em favor dos agricultores americanos.
Assim, cada passo de Rollins deverá ser acompanhado de perto também no Brasil, uma vez que suas ações impactarão diretamente em mercados como os de soja e milho, dois dos principais produtos agrícolas do país.
A favorita para o cargo era de outro estado sulista, a ex-senadora da Geórgia Kelly Loeffler, com trajetória mais ligada à agricultura.
A decisão de Trump deixa uma interrogação sobre o posicionamento de Rollins em questões fundamentais, como os recursos para a política agrícola, a possível imposição de tarifas a produtos chineses – que, em 2018, acabou resultando em perdas na exportação de produtos agrícolas dos EUA – e até a ameaça de deportação em massa de imigrantes, contingente importante para a mão de obra em negócios rurais.
“Como nossa próxima Secretária de Agricultura, Brooke liderará o esforço para proteger os fazendeiros americanos, que são verdadeiramente a espinha dorsal do nosso país”, disse Trump ao anunciar sua escolha.
Entre grupos conservadores de fazendeiros, o endosso à nomeação foi discreto, mais em função do apoio de Trump do que pela confiança na gestão da nova dirigente do USDA.
“Estamos encorajados por sua declaração de que ela ‘lutaria pelos fazendeiros da América e pelas comunidades agrícolas de nossa nação’”, disse o presidente da American Farmers Bureau Federations (AFBF), Zippy Duvall, em nota sobre a escolha de Trump.
“A liderança efetiva no USDA é mais importante do que nunca, pois fazendeiros e pecuaristas enfrentam uma economia agrícola em dificuldades.”
Nos setores mais progressistas ligados ao campo, entretanto, houve críticas à falta de experiência de Rollins em política agrícola. “Este parece ser outro exemplo do presidente eleito Trump distribuindo nomeações para o gabinete por lealdade em vez de expertise”, afirmou Karen Perry Stillerman, vice-diretora do Programa de Alimentos e Meio Ambiente da UCS.
“Os fazendeiros, trabalhadores da alimentação, consumidores e servidores públicos do USDA da nossa nação merecem um secretário que conheça e se importe com os desafios que eles enfrentam.”
Um dos embates previstos para sua gestão diz respeito aos subsídios agrícolas que servem como base do sistema alimentar americano.
Nomeado para a Secretaria da Saúde, Robert F. Kennedy Jr. tem planos ambiciosos nessa área e, depois de críticas ao uso de defensivos químicos nas lavouras, é visto com desconfiança por entidades que representam os produtores rurais no País.
Aparentemente, Trump quis ter no USDA alguém que siga à risca a sua cartilha, seja ela qual for.
Analistas brasileiros preferem, por enquanto, não opinar sobre o perfil da escolhida por Trump para o USDA. "É necessário aguardar", disse um especialista do mercado da soja, um dos segmentos que mais conectam Brasil e Estados Unidos.
É consenso que a missão de Rollins passa por políticas mais protecionistas, não apenas em relação ao governo Biden, mas também mais intensas na comparação com o mandato anterior de Trump.
O economista Fábio Silveira, sócio diretor da MacroSector, lembra que o USDA é fundamental para o agronegócio do Brasil e do mundo por ser "um radar para todos, que baliza preços e volumes de produtos agrícolas".
As estimativas de safra do USDA, por exemplo, costumam mexer com os preços globais das principais commodities agrícolas. E não apenas para culturas como soja e milho mas também para plantações perenes, como o café.
Analistas costumam comparar os dados do Departamento Americano com as estatísticas de cada país, "como um espelho", para fazer a tradicional análise fundamentalista, baseada em oferta e demanda. No Brasil com frequencia são confrontados dados da Conab e do IBGE em relação ao USDA, que também possui equipes próprias no território brasileiro para definir seus números.
"Quem assumir o USDA certamente vai usar os dados produzidos pela agência para fortalecer o abastecimento doméstico", afirmou Silveira.
O economista lembra ainda do desafio em relação à implementar a política prometida por Trump de extraditar imigrantes e, ao mesmo tempo, não prejudicar diversos setores agrícolas americanos que dependem dessa mão de obra para seguir operando. "Deve aumentar o custo de produção de alguns produtos".