Um novo capítulo na queda de braço da Moratória da Soja, que está colocando de um lado as maiores tradings de soja, como Cargill, Bunge, ADM e LDC, e de outro uma série de produtores rurais que se sentem injustiçados pela medida, começou nesta quarta-feira, dia 11 de dezembro.

A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) informou que deu entrada em um pedido de denúncia formal ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que o órgão investigue a conduta das empresas signatárias do acordo anti-desmatamento.

A associação acusa as empresas de prática de cartel e deixa claro que o pedido ao órgão que avalia práticas concorrenciais é só uma etapa de uma luta maior: a da busca por indenizações para produtores que teriam sido prejudicados pela Moratória.

Para a Aprosoja-MT, o acordo viola "o princípio da livre concorrência" e impõe "barreiras supralegais aos produtores, prejudicando diretamente suas atividades econômicas e o desenvolvimento sustentável das comunidades locais."

Somente no Mato Grosso, a associação calcula que sejam afetados 85 municípios e 2,7 milhões de hectares, totalizando uma perda de mais de R$ 20 bilhões.

Em entrevista ao AgFeed, o advogado Sidney Pereira de Souza Júnior, sócio do escritório Reis, Souza, Takeishi & Arsuffi, que representa a Aprosoja-MT, disse que as signatárias do acordo atuam em sistema de “cartel de compra”.

"Essas empresas atuam de maneira coordenada e sincronizada no mercado que, por intermédio de uma regra privada estabelecida por elas, em total desconformidade com a nossa legislação ambiental. Dessa forma, as empresas impõem essa regra e deixam de comprar o produto de alguns produtores", afirmou.

O advogado faz referência a um pleito da Aprosoja-MT, que defende que a Moratória desrespeita o Código Florestal brasileiro.

Aprovada em 2012, a legislação permite que uma propriedade rural localizada no bioma Amazônia, por exemplo, utilize 20% da área para produção e preserve os 80% restantes.

Mas a Moratória não faz a distinção entre desmatamento legal ou ilegal e proíbe a venda de soja de qualquer área que tenha sofrido supressão de vegetação nativa.

"É por isso que a gente nomina isso como um cartel de compra, que nada mais é do que a organização de algumas empresas para discriminar e segregar e não comprar de alguns produtores no mercado", acrescentou Souza Júnior.

O Cade poderá aceitar ou recusar o pedido feito pela associação dos produtores, sem um prazo definido para dar retorno, segundo o advogado da Aprosoja-MT.

Em outubro, o órgão já havia instaurado um inquérito, sigiloso e sem previsão de término, após uma representação da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, feita pela deputada Coronel Fernanda (PL-MT).

Caso o processo siga adiante, com investigação e condenação, o Cade poderá impor medidas de cessação de conduta, segundo Souza Júnior.

"Poderia existir uma imposição para que essa cláusula da Moratória da Soja não passe mais a integrar o contrato, além de pena pecuniária com multas financeiras", afirma.

O advogado, porém, não projeta possíveis valores de indenizações a serem pelas signatárias do acordo.

"Quem tem que avaliar, primeiro entender se há alguma violação à concorrência, e eventualmente depois fixar um valor, é o próprio Cade", disse Souza Júnior.

Ele adianta, no entanto, que pessoas físicas também poderiam ser condenadas no processo administrativo do Cade.

"Não necessariamente precisam ser executivos das empresas. São pessoas que se envolvem ativamente, que coordenam o projeto e o grupo da Moratória", afirmou Souza Jr.

Além da entrada com o pedido no Cade, a Aprosoja-MT já fala em adotar medidas judiciais. O advogado da associação evita fazer projeções de quando esse segundo passo acontecerá, mas diz que não poderia vir apenas da Aprosoja-MT, mas também das associações dos produtores de soja de outros estados.

A Aprosoja Brasil estima que 4,5 mil CPFs de produtores rurais dos estados de Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima teriam sido afetados pela Moratória.

"Por se tratar de uma ação coletiva, ela deveria ser manejada no estado dos produtores prejudicados e, no caso do Mato Grosso, seria na Justiça de Mato Grosso", afirma Souza Júnior.

Segundo ele, a própria Aprosoja poderia entrar contra uma ação contra todas as empresas signatárias do acordo e também contra a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que representam as companhias que aderiram à moratória.

"Todas podem figurar no polo passivo dessa ação. Vai depender da estratégia a ser definida", afirma Souza Jr.

"Porque você pode ter uma ou outra empresa que está lá, mas que está lá e não está por dentro, não tem poder de decisão, não tem voz, não atua de maneira ativa nesse processo todo", acrescenta.

Em paralelo, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, sancionou em outubro um projeto de lei para impedir que as empresas signatárias da moratória tenham acesso a incentivos fiscais oferecidos pelo governo estadual.

A proposta contou com o endosso inclusive do ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.

Em outra frente, há um movimento para a criação de um acordo alternativo para substituir a Moratória da Soja.

Uma proposta foi apresentada pela deputada Coronel Fernanda para a criação de um sistema chamado Pacto de Conformidade Ambiental da Soja, com a participação de produtores rurais, indústrias e Ministério Público.

A Anec e Abiove, que representam as signatárias do acordo, avaliam a proposta, segundo informou o AgFeed.

O que dizem as entidades

Em nota enviada ao AgFeed, a Abiove disse que a Moratória é um "instrumento de defesa" da agricultura brasileira e que o acordo é um pacto voluntário, transparente e que "não restringe a concorrência."

Além disso, segundo a Abiove, a Moratória contribuiu "consistentemente para a diminuição do desflorestamento e para que a soja não fosse vetor de desmatamento no bioma Amazônia, ao mesmo tempo em que possibilitou o desenvolvimento econômico."

"A evidência disso é que entre as safras 2006/2007 e 2022/2023, a área ocupada com soja no bioma Amazônia passou de 1,41 milhão de hectares para 7,43 milhões, respectivamente (+420%), com uma parcela residual de apenas 250 mil hectares associada a desflorestamentos ocorridos após 2008."

"A moratória é um dos motores do nosso desenvolvimento agrícola, ao mesmo tempo em que preserva milhões de hectares de floresta", finaliza a associação das indústrias de óleo vegetal.

Já a Anec, em nota assinada por seu diretor geral, Sergio Mendes, afirma que "tem participado de todas as audiências públicas realizadas com o propósito de adequar as regras de não desmatamento de modo que satisfaça o produtor do Estado do Mato Grosso, sem perder sua credibilidade no mercado internacional."

Mais litígios

A Aprosoja-MT move outra ação coletiva contra uma gigante do agronegócio. A associação questiona judicialmente a cobrança de royalties dos produtores que utilizam a tecnologia Intacta, desenvolvida pela Monsanto, que pertence à Bayer desde 2018.

A alegação é a de que as contas continuaram a ser enviadas aos agricultores mesmo depois de a patente ter entrado em domínio público. O valor atualizado da causa chega a R$ 10 bilhões, segundo a entidade.

O processo foi aprovado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso e escalou até o Supremo Tribunal Federal (STF). Em março passado, após dois anos de idas e vindas, a Segunda Turma da Casa, composta por cinco ministros, negou recurso de agravo regimental pedido pela Monsanto, por 4 votos a 1.

A decisão do Supremo foi referendada no começo de setembro pela juíza Celia Regina Vidotti, da Vara Especializada em Ações Coletivas de Mato Grosso, que aplicou o entendimento da segunda turma e decidiu que duas patentes da Bayer expiraram e a cobrança não poderia continuar.