O acordo anunciado pelos presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da China, Xi Jinping, para a retomada da compra de soja norte-americana pelos orientais já trouxe pressão no mercado da oleaginosa no Brasil. O cenário de incerteza, volatilidade e recuo nos preços deve permanecer no curto prazo, segundo analistas ouvidos pelo AgFeed.

Na prática, no entanto, o anúncio de que a China comprará 12 milhões de toneladas de soja neste ano e de 25 milhões de toneladas da oleaginosa nos três anos seguintes aponta para a normalização do fluxo de comércio da commodity entre os dois países.

No curto prazo, os efeitos negativos para produtores e originadores brasileiros já foram sentidos. O prêmio pago pela soja brasileira despencou cerca de 60 centavos de dólar por bushel, ou mais de 30%, nas duas últimas semanas, apenas por causa da expectativa e torno da reunião entre os presidentes dos Estados Unidos e China.

Com a China comprando toda a soja possível do Brasil (e pagando mais por isso) e sem negócios com os norte-americanos, as exportações do grão para os orientais atingiram, até setembro, 72,7 milhões de toneladas, mais do que todo o ano passado, que fechou com 72,5 milhões de toneladas.

“A demanda no Brasil desapareceu, o prêmio despencou e estava tudo parado desde segunda-feira. Mas parece que produtor ficou com medo de o preço recuar mais, decidiu vender e o mercado daqui acabou se aquecendo nesta tarde”, afirmou Adriano Lo Turco, analista de mercado da Agroconsult, enquanto ainda tentava absorver o que ouvira de traders e clientes sobre o acordo desde o início da manhã desta quinta-feira, 30 de outubro.

Uma clareza sobre o fluxo comercial só deve ocorrer na próxima semana, quando acordo entre Trump e Xi Jinping deve ir para o papel e ser assinado. Após o anúncio verbal, por enquanto feito apenas pelo lado dos EUA, os futuros da soja na Bolsa de Chicago sofreram forte volatilidade e alternaram entre alta e baixa durante o pregão. “Tem muita gente especulando e ganhando dinheiro enquanto no mercado físico o cenário é de indecisão”, explicou.

No físico, o volume anunciado pelos dois governos, de até 25 milhões de toneladas anuais, marca apenas a retomada da demanda normal de soja norte-americana pelos chineses. Nos últimos quatro anos-safra o volume ficou em 29,9 milhões de toneladas em 2021/2022, saltou para 31,2 milhões de toneladas em 2022/2023 e recuou para 24,9 milhões de toneladas em 2023/2024.

No recém encerrado ano safra 2024/2025, já com a guerra comercial entre os dois países, o volume chegou a 22,6 milhões de toneladas, menos de um terço do exportado pelo Brasil à China.

Para o analista da Agroconsult, a pressão no preço sobre a soja brasileira deve ocorrer do lado da demanda, com a opção, mesmo que seja política, dos chineses pelo mercado dos Estados Unidos, e do lado da oferta, com a entrada da safra brasileira já a partir de janeiro.

“A atual safra foi plantada rapidamente no Paraná e em Mato Grosso e deve ter muita soja já em janeiro”, diz Lo Turco. Com isso, os preços da safra velha de soja, vendida agora, devem recuar, bem como os da próxima safra, a partir de fevereiro.

No entanto, Lo Turco ainda tem dúvidas sobre a capacidade de armazenagem da oleaginosa na China e se haveria espaço para o país guardar as 12 milhões de toneladas anunciadas de compras dos Estados Unidos até janeiro.

A Agroconsult trabalhava com uma demanda máxima de 9 milhões de toneladas dos chineses. Mas, segundo o analista, quem fará o acordo acontecer é o governo chinês e não os esmagadores.

“O Brasil estava nadando em um mar muito calmo”, resume o Raphael Bulascoschi, analista de Inteligência de Mercado StoneX, sobre a guerra comercial entre Estados Unidos e China que travou o comércio entre os dois países e turbinou as vendas e o prêmio sobre a soja brasileira aos orientais.

Para Bulascoschi, mesmo com o acordo entre os dois países, o Brasil seguirá como o maior fornecedor de soja da China, dentro de volumes históricos. Mas terá de contar com o aumento da demanda interna daquele país para ganhar mercado. “Se a demanda seguir forte a gente pode até ver o volume não recuando tanto”, disse.

Demanda extra pela soja brasileira deve vir no mercado interno, com o aumento da mistura do biodiesel ao diesel de petróleo, de 15% para 16%, prevista para março de 2026, o que deve consumir mais 2 milhões de toneladas de soja. No entanto, a oferta da próxima safra brasileira deve ser de 6 milhões a 8 milhões de toneladas superior à produção da safra passada.

Já a analista sênior de grãos e oleaginosas do Rabobank, Marcela Marini, avalia que o impacto imediato para o Brasil deve mesmo ser no curto prazo, com a retomada do comércio de soja entre Estados Unidos e China a partir de novembro e um apetite menor pela commodity do Brasil até o começo da safra 2025/2026.

No entanto, ela mantém o otimismo com o aumento da competitividade brasileira nesse mercado. A analista lembra que, em 2019, a produção foi de 120 milhões de toneladas no Brasil e nos Estados Unidos. Em 2025/2026, os Estados Unidos produzirão 117 milhões de toneladas e o Brasil 177 milhões de toneladas. “Só a percepção dos números mostra que o potencial brasileiro é exponencialmente maior”, concluiu.

Além do crescimento da oferta e da área plantada por aqui, outro fator de aumento da competitividade brasileira pode vir da própria retomada do comércio entre Estados Unidos e China. Com esse movimento, segundo Marcela, os estoques dos Estados Unidos devem cair, os preços na Bolsa de Chicago reagiriam e abririam espaço para o produto brasileiro.

Segundo a analista do Rabobank, as incertezas do governo Trump, principalmente em relação à guerra comercial, podem afastar ainda mais os agricultores locais da cultura da soja, dependente de exportações, e fazê-los migrarem para outras culturas com maior demanda interna.

Abiove e ASA

Do lado da indústria brasileira, o discurso é que o acordo entre Estados Unidos e China não trará impactos significativos para o Brasil. Em nota, André Nassar, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), avaliou que os volumes previstos no novo acordo indicam um movimento de retorno aos patamares registrados após a guerra comercial de 2018.

“O compromisso de 25 milhões de toneladas por ano reflete a média das compras chinesas desde então, enquanto as 12 milhões previstas para este ano representam cerca da metade do volume histórico. Na prática, portanto, trata-se de uma recomposição do fluxo tradicional de comércio, semelhante ao observado até o ano passado, sem grandes impactos para o Brasil", relatou.

Já os produtores dos Estados Unidos agradeceram o governo local por “priorizar os agricultores norte-americanos no anúncio de hoje”, informou a Associação Americana de Soja (ASA, na sigla em inglês) em comunicado. No documento, a entidade avalia que após meses de compras paralisadas e incertezas, o acordo foi “muito positivo” para os sojicultores, que dependem de mercados abertos.

“O anúncio de hoje é uma ótima notícia para a agricultura americana e os produtores de soja estão extremamente gratos ao presidente Trump por tornar a soja uma prioridade nas negociações com a China”, relatou Caleb Ragland, presidente da ASA e produtor de soja em Kentucky.

“Este é um passo significativo para restabelecer uma relação comercial estável e de longo prazo que traga resultados para as famílias rurais e para as futuras gerações.”

Mesmo sem detalhes do acordo, a ASA tratou os volumes anunciados hoje para a compra de soja pela China como um piso e espera que o crescimento nas compras de soja ultrapasse esses níveis.

“A China historicamente tem comprado entre 25 milhões e 30 milhões de toneladas de soja nos últimos anos e os compromissos de hoje criam uma base sólida para retornar a esses volumes tradicionais nos próximos anos de comercialização”, concluiu a ASA, que reúne 26 associações estaduais de 30 estados produtores de soja e quase 500 mil agricultores.

Resumo

  • China comprará 12 milhões de toneladas de soja dos EUA em 2025 e 25 milhões nos três anos seguintes, retomando fluxo comercial
  • Anúncio derrubou prêmios e trouxe volatilidade aos preços da soja brasileira, com impacto imediato no mercado físico
  • Analistas veem pressão de curto prazo, mas efeito neutro com vota à normalidade do mercado no próximo ano