A inteligência artificial pode até parecer uma tecnologia recente. E, de certa forma, é.
Durante décadas, esteve restrita a laboratórios, artigos científicos e aos visionários da computação. Mas de 2022 para cá, ela cruzou a fronteira da inovação e entrou de vez no cotidiano de bilhões de pessoas.
O que antes era visto como algo futurista, experimental ou exclusivo de grandes empresas agora funciona como infraestrutura básica, como foi a eletricidade no século XX e a internet nos anos 2000.
O mais impressionante não é o que a IA faz, mas a velocidade com que ela se tornou inevitável.
O telefone levou 75 anos para alcançar 100 milhões de usuários. A internet, sete. O celular, cinco. O ChatGPT, apenas dois meses.
Nunca uma tecnologia foi adotada de forma tão rápida, tão ampla e com tão pouca reflexão sobre seus efeitos. A IA já opera em escala, influencia mercados, decisões, políticas públicas e a vida das pessoas, muitas vezes sem que elas percebam.
Mas aqui mora o ponto crítico. Estamos tratando a IA como um fim em si mesma, quando ela deveria ser apenas um meio.
Muitos estão construindo soluções em torno da IA como se sua presença, por si só, garantisse valor. Mas isso inverte a lógica. A tecnologia precisa partir de um problema real e palpável.
A IA não é substituta do raciocínio humano. Ela potencializa, acelera, sugere. Mas só gera impacto quando aplicada com propósito, conectada ao contexto certo e alimentada por dados relevantes.
E é aí que tropeçamos.
Porque, por mais poderosa que seja, sem conectividade, dados organizados e processamento distribuído a IA se transforma em uma máquina de suposições. Modelos baseados em dados enviesados ou desatualizados, como ainda vemos no agro, geram respostas genéricas ou, pior, decisões perigosamente erradas.
No agro, isso significa ir além da promessa de eficiência e garantir que cada aplicação tecnológica esteja enraizada na realidade do campo.
Tenho visto de perto soluções com excelente engenharia de software, mas que ignoram a conectividade da fazenda, a rotina do operador ou a janela curta de uma pulverização. O resultado? Baixa adoção, retorno limitado e perda de credibilidade da própria inovação.
Hoje, a IA já influencia o que você lê, o preço que paga, a rota que escolhe, o crédito que acessa. Isso não é mais o futuro, é o presente operando em modo invisível. E o maior risco não é sermos dominados por superinteligências, mas por decisões automatizadas, invisíveis, que não conseguimos perceber, questionar ou entender.
Diante disso, a pergunta mais importante não é “como usar IA?” e sim “como pensar com IA?”
Porque quem não souber pensar com tecnologia, não compete. Quem não tiver dados estruturados, não decide. E quem não entender como as máquinas pensam, não será capaz de formular boas perguntas — que hoje são mais valiosas que qualquer resposta.
Aos nossos filhos e futuros profissionais, o maior presente não é o domínio de uma ferramenta, mas a capacidade de discernir o que vale ser resolvido com ela. Pensamento crítico, ética, autonomia intelectual e capacidade de articulação serão os verdadeiros diferenciais num mundo onde a IA já virou commodity.
Talvez o sinal mais claro de que exageramos na dose esteja no próprio mercado. Segundo a Gartner, mais de 40% dos projetos com agentes de IA serão cancelados até o fim de 2027.
O motivo é simples. Falta propósito. Falta problema real. Falta usuário.
São soluções feitas para a vitrine, não para resolver no campo.
Por isso, mais do que dominar a inteligência artificial, precisamos resgatar o bom senso. Porque tecnologia sem resultado palpável vira espuma.
A IA está sim gerando eficiência, produtividade e novos caminhos. Mas quando é usada apenas como vitrine, sem conexão com a realidade e sem validação no campo, perde força, perde tração e perde propósito.
E talvez a maior verdade seja esta: nada está pronto. Tudo está em constante transformação. Vivemos em fluxo contínuo de “tornar-se”. Saímos da era do Homo sapiens, o que sabia, e entramos na era do Homo technologicus, o que aprende com a tecnologia para resolver problemas reais.
Nesse novo mundo, não vence quem sabe mais, vence quem aprende mais rápido. Quem desapega. Quem pergunta melhor. Como diria Reid Hoffman, não estamos mais no tempo dos know-it-alls, mas dos learn-it-alls — aqueles que fazem da curiosidade uma vantagem competitiva e do aprendizado constante, uma estratégia de sobrevivência.
Fernando Rodrigues é fundador da Rural.com.vc.