As histórias de superação e de sucesso no agro brasileiro surpreendem a cada dia. Sempre gostei de viajar pelo interior do País, conversar com as famílias de produtores rurais, entender suas dificuldades e aprender com eles.
Nesta trajetória, visitar o estado do Pará foi sempre algo revelador. E neste último mês de março mais uma vez fiquei encantada com o exemplo de profissionalismo, persistência e preocupação com o meio ambiente que comunidades da Amazônia podem dar a todos nós.
Visitei o município de Tomé-Açú, no Nordeste Paraense, para conhecer em detalhes o trabalho da CAMTA (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açú) e o grande potencial dos SAFs – Sistemas Agroflorestais – para a recuperação de áreas degradadas, trabalho que vem sendo desenvolvido pela Embrapa Amazônia Oriental (a quem devo agradecer o convite).
A CAMTA foi criada após a chegada de imigrantes japoneses, em 1929, que vieram para colonizar a região, inicialmente plantando hortaliças, cacau e arroz. Mas as dificuldades da região Amazônica e doenças tropicais, na época, acabaram inviabilizando os cultivos iniciais, muitos enfrentaram a pobreza, venderam suas terras, até que a produção de pimenta-do-reino, após a Segunda Guerra Mundial, se transformou em alternativa viável e rentável, devido à grande demanda internacional pelo produto. O Pará chegou a ser o maior produtor nacional de pimenta-do-reino.
Na década de 1960, porém, o monocultivo da pimenta-do-reino resultou novamente no aparecimento de doenças, a cultura entrou em declínio, e os japoneses perceberam que era necessário diversificar a produção.
E assim, na década de 1970, começaram os cultivos agroflorestais, com o objetivo de superar a decadência da monocultura de pimenta-do-reino e trazer estabilidade econômica para os produtores, através do consórcio de várias espécies de plantas frutíferas e florestais.
Era o começo do que se chama hoje de SAF. Na região que visitei o projeto foi batizado como SAFTA – Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu, que resultou na criação de um importante polo exportador de frutas tropicais e referência no desenvolvimento, inovação e disseminação da tecnologia e chegou a ser levado para a Bolívia e Gana, na África.
Hoje a cooperativa já verticalizou a produção, com agroindústria, comercializa polpas de frutas congeladas, sorbets, pimenta-do-reino, amêndoa do cacau, óleos vegetais, entre outros produtos, oriundos desses sistemas de produção agroflorestais.
O que mais me impressionou no modelo atual de cultivo é o tanto de combinações de culturas perenes e anuais que pode ser feito, reforçando a diversificação, a qualidade do solo, a preservação dos recursos naturais e a ampliação do leque de possibilidades também do ponto de vista econômico, para as famílias que lá atuam.
É o típico projeto 100% alinhado às três letrinhas da tão famosa sigla ESG. Os japoneses vêm se dedicando também a compartilhar conhecimento com outras famílias da região. Criaram um projeto socioambiental em 2001, para ensinar as práticas do SAFTA e incluir a todos no processo de produção. Seguem expandindo o sistema para todos os pequenos produtores que mostram interesse.
Os dados da Embrapa mostram que, somente na região de Tomé-Açú, foram identificadas 422 combinações diferentes de cultivos e espécies no SAF. O mapa com o descritivo de cada cultura combinada com outra é tão amplo e detalhado que fica difícil descrever. Alguns exemplos: pimenta/acerola/cupuaçu/mogno, ou cacau/café/seringueira, ou pimenta/açaí/maracujá, e assim por diante. Como eu disse, somente lá, vale repetir, estão sendo cultivadas 422 combinações diferentes.
De forma simplificada, o sistema consiste em recuperar áreas degradadas com o cultivo de árvores exóticas ou nativas, consorciando com culturas agrícolas em geral, que sejam adaptadas à região.
O visual de verde e cores diversas e o acúmulo de matéria-orgânica no solo, por exemplo, são impressionantes.
Durante a visita recebi o livro que a CAMTA publicou quando comemorou seus 90 anos de história. Ele se chama “vencendo desafios e convivendo com a natureza”, um aprendizado que fiz questão de colocar também como título deste artigo.
O balanço desta visita é uma absoluta confiança de que, sim, é possível preservar a natureza, criar riquezas para o País e dar uma vida melhor para as famílias que vivem na Amazônia. O projeto já tem reconhecimentos internacionais, contou com financiamentos do próprio Japão e tem planos de avançar no mercado de carbono. Que seja apenas um de uma diversidade de projetos que ainda veremos no mesmo caminho.
Teresa Cristina (Teka) Vendramini é fazendeira, socióloga e conselheira da Embrapa. É ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB).