Nos últimos dias circulou, com destaque, um vídeo com falas de João Pedro Stédile comparando a pecuária e seu desempenho com a Embraer em termos de produção, criação de empregos e geração de riqueza. De forma tendenciosa, ele compara os 160 milhões de hectares da pecuária com a produção do parque industrial de 100 hectares, segundo o próprio, usados para produzir aviões.

A comparação é esdrúxula e “nonsense” até mesmo para o próprio Stédile, conhecido por defender ideias ainda mais retrógradas do que o próprio atraso inerente à ideologia que professa. Infelizmente vídeos como este ainda ocupam espaço nos meios de informação, mesmo em tempos que tanto se fala em combater fake news e discursos de ódio.

Independente do volume das bravatas, a pecuária segue avançando e mostrando uma realidade que muitos insistem em negar. No dia 30 de junho, a Abiec, em parceria com a Apex, divulgou o Beef Report, sumário estatístico sobre a pecuária de corte brasileira. Desde 2015, por solicitação da Abiec, a Athenagro estima o movimento financeiro da cadeia produtiva e organiza as estatísticas que compõe o relatório.

Em 2024, a cadeia produtiva relacionada à pecuária de corte movimentou, no mínimo, R$ 987 bilhões, ou 5,4% a mais do que no ano anterior, em valores reais. Na comparação nominal, sem considerar a inflação, o movimento foi 9,5% superior ao de 2023.

A metodologia do cálculo é diferente da publicada pelo Cepea/Esalq. O Cepea divide o agronegócio em dois grandes ramos produtivos: ramo agrícola (agricultura) e ramo pecuário (pecuária). O ramo agrícola corresponde ao conjunto das cadeias produtivas das lavouras e demais atividades vegetais e florestais.

O ramo pecuário refere-se ao conjunto das cadeias produtivas de produtos de origem animal (pecuária de corte, frango, suíno, leite e ovos). Em 2024, o Cepea estimou o PIB de R$ 819,26 bilhões para o ramo pecuário. Os dados não são conflitantes e nem incoerentes entre si. Diferem na metodologia e na abrangência.

Pela metodologia da Athenagro, o dimensionamento do movimento financeiro é calculado a partir de indicadores de custos e produtividade nas propriedades. Da mesma forma ocorre com o setor industrial, cujos dados são estimados a partir de pesquisas de indicadores e demanda de insumos usados nas diversas fases da produção até que a carne chegue ao consumidor.

O objetivo do uso dos indicadores é aproximar a estimativa, o máximo possível, da realidade sobre o total financeiro movimentado pela produção de carne bovina. Depois de calculado esse total, alguns itens são checados com outras fontes de informações frequentemente divulgadas em relação à pecuária.

O avanço do desempenho em 2024 foi explicado pelo aumento na produção em relação ao ano anterior e à recuperação dos preços a partir do segundo semestre, o que garantiu preços nominais na pecuária praticamente nos mesmos patamares do que os observados em 2023.

Com a produção maior, as fazendas de pecuária aumentaram o faturamento em R$18 bilhões em relação ao ano anterior. O total faturado foi R$ 207,6 bilhões em 2024, um aumento real de 9,5% no ano.

A indústria frigorífica registrou o maior aumento no faturamento bruto, impulsionado pela produção e pelo desempenho das exportações, que superou as expectativas. O total no ano foi de R$252,4 bilhões, um acréscimo real de R$ 25 bilhões ou 11% em relação ao ano anterior.

Entre todos os itens, o setor varejista foi o único que registrou recuo no faturamento, com queda de 0,6% em relação ao ano anterior, consequência da redução nos preços médios de mercado. Ainda assim, é o elo que representa o maior faturamento na cadeia produtiva, totalizando R$294,2 bilhões em 2024.

A metodologia da Athenagro ainda subestima o setor varejista pela dificuldade de dimensionar o ganho em restaurantes. Sendo assim, toda a venda de carne é precificada pelos valores em supermercados e açougues.

Os demais setores estão separados em insumos e serviços para as fazendas, indústrias e redes varejistas. Entre eles, o de maior destaque é o de insumos e serviços para propriedades rurais, cujo faturamento foi estimado em R$154,9 bilhões.

Outro ponto que vale mencionar é a quantidade de empregos mantida pelo setor.

Estima-se que o agronegócio da carne bovina tenha empregado cerca de 6,75 milhões de pessoas, distribuídas na operação direta das indústrias de insumos e empresas de serviços, nas propriedades rurais (proprietários e funcionários), na indústria de abate e nas pequenas unidades de produção voltadas à subsistência.

O número de empregos é um dos indicadores mais complicados de estimar. A Athenagro mescla informações censitárias com pesquisas próprias, além de usar estudos que correlacionam as atividades empresariais em números de empregos criados de forma indireta.

Chama a atenção o contingente de mais de 1 milhão de pessoas dedicadas à atividade de subsistência dentro da pecuária. Trata-se de um dos maiores desafios relacionados ao setor produtivo no que diz respeito a questões sociais e ambientais.

Ainda com base nos números e estudos, é possível estimar que o dinheiro colocado na economia, pelas pessoas empregadas na atividade pecuária, seja suficiente para manter outros 2,1 milhões de empregos pelo chamado “efeito renda”.

Com isso, a bovinocultura de corte está relacionada com a manutenção de 8,9 milhões de empregos diretos, indiretos e por efeito renda. Esse número, embora possa parecer superestimado, equivale a 1 emprego gerado para cada 18 hectares dedicados à pecuária, ou para cada 22 cabeças do rebanho.

Se descontados os empregos estimados pelo efeito renda, a pecuária de corte teria mantido 1 emprego a cada 23,78 hectares em produção, considerando empregos diretos (propriedades rurais) e indiretos (geralmente urbanos). Em números de cabeças, seriam 29 bovinos para cada emprego mantido na cadeia produtiva.

É possível estimar também, de forma bem conservadora, que a cadeia produtiva de pecuária de corte tenha gerado R$ 151,4 bilhões em impostos e contribuições.

Mesmo com as inúmeras ineficiências do setor, a importância econômica e social da pecuária é muito maior do que aparenta. Essa importância é incontestável por mais barulhentas que sejam as diversas vozes que se levantam do preconceito contra a atividade que, infelizmente, ainda persiste.

Para cada real faturado por animal abatido em 2024, outros R$ 4,95 circularam em outras etapas da cadeia produtiva de pecuária de corte. E essa relação será ainda melhor à medida que a produção se intensifique com a adoção gradual de pacotes tecnológicos mais eficientes.

Todo o detalhamento dos números está disponível no Beef Report, que pode ser acessado clicando aqui.

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.