Em 2024, a pecuária de corte produziu o recorde histórico de 11,8 milhões de toneladas de carcaça em 160,5 milhões de hectares de pastagens. A produtividade - de 73,6 kg de carcaça, ou 4,91 arrobas (@), por hectare - foi também a maior já registrada.

Ainda assim, o custo do processo de degradação das pastagens foi equivalente a R$33,2 para cada arroba produzida durante o ano. O montante total somou R$26 bilhões aos pecuaristas no ano passado.

Pouco mais da metade desse total (52,5%) refere-se às pastagens que precisarão ser recuperadas ou refeitas. Como os recursos necessários não são usados anualmente, o processo de degradação vai gerando um passivo que se acumula.

Com base em preços do mercado de insumos, no total de pastagens e nos levantamentos conduzidos em 11 edições do Rally da Pecuária, a Athenagro estima que o passivo total com a degradação das pastagens plantadas - e exclusivas -, existentes hoje no Brasil seja de R$398,5 bilhões. Nesse cálculo, não estão incluídas as pastagens em uso integrado com lavouras ou florestas e as pastagens nativas, formadas por plantas naturais dos biomas caatinga, pampas e pantanal.

Também é preciso considerar a área degradada em anos anteriores, e que hoje estão nas diversas fases do processo de regeneração florestal, não sendo mais classificadas como pastagens.

Descontando a área já repassada à agricultura ou sistemas integrados, de 1990 a 2024 foram degradados cerca de 64,1 milhões de hectares, a um custo total de R$582,6 bilhões.

Computando todas as pastagens já degradadas e as que estão em processo, o custo total da degradação aos pecuaristas foi de R$981 bilhões entre 1990 e 2024, em valores atuais.

Ninguém perde mais com essa degradação do que a própria pecuária.

Para chegar a esse cálculo, a Athenagro utiliza todo o histórico de informações sobre pastagens (IBGE, Lapig), ocupação do território (Embrapa Territorial, Terraclass/INPE), desmatamento (Prodes/Inpe), condições das pastagens a campo (Rally da Pecuária), avanço da agricultura (IBGE, Conab) e informações atuais sobre custos de produção.

O passivo é calculado pelo orçamento de insumos, operações e serviços que seriam demandados para levar o cenário atual das pastagens para o nível de qualidade mais alto, segundo critério adotado pela Athenagro.

O critério classifica as pastagens em 5 graus de qualidade, sendo que o mais alto (qualidade 5) se refere às pastagens em melhores condições, com boa produção, vigor de rebrota e “stand” (quantidade de plantas por metro quadrado) adequado às características de cada espécie.

O grau 1 é a pior condição, em que a área precisará ser reformada com operações agrícolas de revolvimento do solo, dimensionamento adequado dos insumos e ressemeadura.

O grau 2 tem característica visual similar à do grau 1, porém com plantas suficientes na área para conduzir uma estratégia de recuperação em que não há necessidade de ressemeadura. Para tanto, além da quantidade mínima de plantas por metro quadrado, é preciso que não haja outro impedimento no solo, seja de ordem física ou química. É imprescindível avaliar cada caso.

O custo da recuperação é cerca de 60% do custo de uma reforma (ou renovação), o que evidencia a importância de evitar que o pasto chegue ao último estágio do processo de degradação.

Pelas estimativas da Athenagro, as pastagens no último estágio (grau 1) representam 5% da área total em degradação e 11% do passivo das atuais, considerando apenas as áreas plantadas e conduzidas sem integração.

Esses conceitos não são consenso entre os pesquisadores. No momento, alinhado ao programa de conversão e recuperação das pastagens, há um debate coordenado pela pesquisadora Patrícia Menezes dos Santos, da Embrapa Pecuária Sudeste, envolvendo especialistas da Embrapa, outros centros de pesquisa, universidades e iniciativa privada com o objetivo de definir tais critérios de forma consensual.

O que já é consenso entre os especialistas em pastagens é que degradação se refere ao processo de perda gradual da qualidade. Já o pasto degradado é a condição final do processo, chegando ao ponto em que a área precisará ser refeita.

Quando participa dos debates, o ambientalismo radical refuta essa definição pela dificuldade em entender o quanto é importante para que estratégias de soluções sejam elaboradas e implementadas.

Diagnosticar a condição da pastagem também não é tarefa fácil, mesmo a campo. É possível encontrar pastagens em boas condições que estão registrando queda anual na qualidade, ou seja, estão em degradação. E da mesma forma, é possível encontrar pastagens de baixa qualidade que se encontram estabilizadas em um estágio intermediário ou até mesmo avançado do processo de degradação.

Mesmo sem o devido conhecimento técnico, o tema passou a ser discutido entre profissionais envolvidos na agenda ambiental. Com isso, o assunto degradação das pastagens ganhou a imprensa, os artigos opinativos e um grande espaço entre os inúmeros influencers que se dedicam a falar sobre diversas pautas nas redes sociais.

E, como em quase tudo que se discute sem conhecimento, há confusões enormes em torno do conceito. A primeira delas é a importância de separar a degradação do solo da degradação das pastagens. Os números estudados e apresentados sobre o assunto referem-se à degradação que não ocorre, necessariamente, em uma situação de degradação do solo.

Para o pesquisador Manuel Cláudio Motta Macedo, da Embrapa de Campo Grande, o processo de degradação do solo só se inicia com a compactação ou erosão da área, o que não acompanha necessariamente o processo de degradação do pasto.

De acordo com as definições apresentadas pelo pesquisador Moacyr Bernardino Dias Filho, da Embrapa de Belém, o processo de degradação ocorre pela via agrícola, caracterizada pela rápida substituição das pastagens por plantas invasoras, e pela via biológica, quando se observa perda gradual da massa disponível.

A degradação pela via agrícola ocorre com o rápido aumento do acúmulo de carbono na área ao mesmo tempo que as emissões se reduzem. As plantas invasoras (indesejáveis) crescem acumulando carbono e ocupam espaço das plantas de interesse (pastagens), reduzindo a quantidade de animal presente na área.

Análise por imagem de satélite dos pastos amostrados pelo Rally da Pecuária, abrangendo nove estados relevantes para a produção, identificou que a degradação agrícola correspondeu a 37% do total do processo. O estudo foi conduzido por pesquisadores do INPE, que usaram os pontos amostrados entre os anos de 2011 e 2012.

No entanto, no bioma Amazônia, a quantidade se inverte, sendo que 60% do processo de degradação ocorre pela via agrícola. E mesmo as áreas que se degradam pela via biológica, em um segundo momento acabam entrando em processo de regeneração da vegetação nativa, devido à reinfestação das plantas.

Quando essa regeneração não se inicia, a área acaba sendo destinada para reintrodução de pastagens ou outras culturas, como ocorreu em tantas regiões do país. Sem a regeneração da vegetação em seus diversos estágios, tanto a ausência de burocracia para autorizações, como o valor relativamente mais baixo para investimento, acabam sendo atrativos para que a área seja novamente utilizada - a menos que haja impedimento pela topografia ou pelo tipo de solo.

Sendo assim, enquanto o impacto econômico e social do processo de degradação das pastagens é inquestionável, o mesmo não pode ser dito em relação ao impacto ambiental. É preciso interpretar e estudar melhor, de forma técnica, sem as paixões insensatas que sempre acompanham as opiniões dos leigos que se aventuram a discutir o tema. A própria expressão “degradação das pastagens” precisa passar por uma revisão em relação à sua aplicabilidade.

Voltando aos cinco graus de qualidade adotado pela Athenagro, as áreas classificadas como grau 5 não entram nas estatísticas de degradação. Pelo nosso critério, o processo se inicia a partir da qualidade 4.

Considerando apenas os 128,7 milhões de hectares de pastagens plantadas e exclusivas (sem integração), estima-se que 23,7 milhões de hectares (18%) possam ser classificados como grau 5. Representam 14,7% do total das pastagens do país (considerando 160,5 milhões de hectares), quando se somam as nativas e integradas.

É importante reforçar que as parcelas de pastagens em boas condições e bem tratadas, somadas às que estão integradas, compensam a parcela em degradação. Por essa razão a área total de pastagens vem recuando anualmente, enquanto a produção de carne aumenta.

Essas áreas, mesmo em boas condições, precisarão ser tratadas para que não iniciem o processo de perda de qualidade ao longo do tempo, visto que o uso otimizado pela pecuária tende a extrair e exportar nutrientes, o que impactará a qualidade das plantas.

Pela linha de trabalho adotada em nossa empresa, nos projetos de gestão de propriedades pecuárias, recomendamos que o produtor elabore um plano periódico de reposição de nutrientes e controle de plantas invasoras com o objetivo de manter as pastagens sempre em boas condições. Com o tempo, ele inverterá o processo e, ao invés do pasto perder qualidade, a estratégia adequada possibilitará que a produtividade aumente ao longo do tempo até que seja possível selecionar algumas áreas para projetos de intensificação, ou seja, condução com altos níveis de produtividade.

Como o plano é periódico, a expectativa é que, entre um tratamento e outro, as pastagens percam qualidade até que seja conduzida nova intervenção.

Essa estratégia é interessante do ponto de vista econômico e ambiental. Se o produtor optar por aplicar doses mais elevadas de nutrientes a cada 4 ou 5 anos, por exemplo, haverá economia nas operações agrícolas. Do ponto de vista ambiental, trata-se também de relevante economia na demanda por combustíveis e energia nas operações da fazenda como um todo.

Sendo assim, é preciso ainda definir a partir de que ponto se iniciaria, de fato, o processo de degradação.

Geraldo Martha Jr., outro pesquisador da Embrapa, apresentou recentemente os dados preliminares de um estudo em que buscar determinar os pontos ótimos econômicos em que as pastagens podem ser conduzidas com perda previsível de qualidade até que a nova intervenção seja feita. E o próprio Macedo, já citado aqui, classifica as primeiras etapas da perda de qualidade como fase da manutenção que ocorre antes que o processo de degradação seja iniciado.

Essas definições são extremamente relevantes do ponto de vista decisório. Cada nível de qualidade das pastagens demandará diferentes montantes financeiros em sua intervenção. Se os conceitos não forem trabalhados de forma correta tecnicamente, é possível que parte dos recursos usados para recuperação sejam desperdiçados, o que seria um contrassenso diante da proposta envolvida em uma agenda sustentável.

Há, inclusive, o risco de que o superdimensionamento na demanda por recursos acabe por inviabilizar o início de projetos.

Não se trata de fugir do “nome dos bois”, conforme acusação recente de ambientalistas radicais. Trata-se de buscar a melhor estratégia técnica para resolver um problema que – aí sim – é consenso entre leigos e técnicos.

Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária