O agronegócio brasileiro é, sem dúvida, um dos grandes motores da nossa economia. Em 2024, o setor bateu recordes: foram US$ 164,4 bilhões em exportações, o que representa 49% de tudo o que o país vende para o exterior.

É uma engrenagem poderosa, que movimenta cerca de 26% do PIB e garante o sustento de mais de 28 milhões de brasileiros. No entanto, por trás de números tão expressivos, esconde-se um desafio silencioso, mas urgente: a sucessão familiar no campo.

A realidade é que boa parte das propriedades rurais brasileiras têm base familiar. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2017, 77% dos estabelecimentos agrícolas do país são familiares. Ainda de acordo com o levantamento, cerca de 25% dos produtores têm mais de 65 anos.

Ou seja, estamos diante de uma geração que construiu, ao longo de décadas, um patrimônio produtivo — mas que, muitas vezes, ainda não sabe quem ou como irá conduzi-lo adiante.

Essa incerteza é mais comum do que se imagina. Dados do IBGE mostram que apenas 24% das empresas familiares no Brasil têm um plano de sucessão estruturado.

O resultado é preocupante: 75% dessas empresas fecham as portas após a transição de comando para os herdeiros.

No campo, onde os laços afetivos com a terra e a tradição são profundos, as consequências podem ser ainda mais dolorosas — tanto no aspecto emocional quanto financeiro.

Mas por que o processo sucessório ainda é tratado com tanto tabu nas propriedades rurais?

Em grande parte, porque a sucessão é vista como sinônimo de fim, quando deveria ser encarada como continuidade estratégica. Para muitos produtores, falar em sucessão é como admitir que estão se retirando da cena, e isso pode ser emocionalmente desafiador.

Além disso, há o receio de que os filhos ou herdeiros não tenham interesse ou preparo técnico para dar conta do negócio — especialmente quando seguir no campo concorre com outras oportunidades urbanas, mais atraentes para as novas gerações.

Contudo, a sucessão bem-sucedida exige muito mais do que nomear um substituto. Trata-se de preparar a próxima geração com tempo, diálogo e intencionalidade.

Isso inclui desde a formação técnica e gerencial dos herdeiros, passando pela criação de espaços para envolvimento gradual nas decisões, até o desenho de uma governança que respeite a história da empresa e ao mesmo tempo permita inovação.

Vale lembrar que um bom plano de sucessão não começa na véspera da aposentadoria e sim anos antes, com etapas bem definidas, apoio especializado (jurídico, contábil e psicológico, quando necessário), definição clara de papéis e responsabilidades, além de um olhar atento para os aspectos emocionais que envolvem o processo.

Nesse sentido, iniciativas como conselhos de família, acordos de sócios e testamentos bem elaborados ajudam a institucionalizar a empresa familiar, trazendo profissionalismo à gestão sem perder a identidade do negócio.

Também é fundamental tratar questões como divisão de patrimônio, conflitos entre irmãos e diferenças de visão com maturidade e abertura ao diálogo.

O ponto central é que sucessão não é apenas uma troca de comando. É uma transferência de valores, visão e propósito. No agronegócio, onde tradição e inovação precisam caminhar juntas, isso significa preparar sucessores capazes de lidar com as exigências do mercado global sem perder a conexão com a terra, com a comunidade e com os pilares que sustentaram a empresa até aqui.

É hora de olhar para a sucessão com mais naturalidade, como parte do ciclo da empresa familiar. Afinal, negócios que atravessam gerações não são feitos apenas de terra e números, mas de histórias, afetos e escolhas conscientes.

Gilson Faust é diretor e consultor sênior da GoNext.