Pensar as estratégias das organizações a partir do olhar atento a todos os seus públicos - de colaboradores a clientes, de fornecedores à comunidade - e aos impactos gerados pelo negócio é um imperativo para o futuro.

Na pecuária não é diferente e precisamos estar atentos a esse movimento. O olhar para o bem-estar animal é, sem dúvida, um dos aspectos essenciais a ser considerado na implantação de políticas ESG em qualquer negócio pecuário - da fazenda ao frigorífico, passando pela indústria de insumos e equipamentos.

Por meio da aplicação das boas práticas de manejo, não só o produtor está alinhado com a demanda do consumidor - cada vez mais interessado e exigente em relação a que tipo de cadeia produtiva seu dinheiro alimenta -, como também promove melhorias diretas nas condições de trabalho e segurança de sua equipe, questões ligadas ao aspecto social, o S do ESG.

E, ainda, contribui para uma das principais pautas dessa agenda que é a descarbonização. Afinal, o bem-estar animal é um dos pilares da pecuária sustentável, que passa pelo cuidado com o ambiente, nutrição e também o olhar para a produtividade por área.

Mas a conexão que trago neste artigo entre bem-estar animal e ESG tem muito mais a ver com liderança e visão. Isso porque a reflexão sobre como essa nova agenda chega para o agro me fez lembrar do caminho de entrada do conceito de bem-estar animal na pecuária, que a Beckhauser ajudou a pavimentar no Brasil.

Mais de 30 anos atrás, quando pouca gente falava sobre o assunto, meu pai, José Carlos Beckheuser, em um desses bons encontros que a vida nos prepara, conheceu Renato dos Santos, um veterinário “meio peão meio professor”, que deixou sua marca na nossa história e na história do bem-estar animal no Brasil.

Ainda sem ter tido nenhum contato com essa nomenclatura "bem-estar animal", Renato trazia na bagagem a experiência de quem desde menino foi criado na fazenda, aprendendo com a lida dos peões a observar e entender o comportamento do gado.

Foi essa capacidade de observação que chamou a atenção quando trouxe uma provocação, dizendo que os equipamentos que a empresa fabricava à época geravam riscos de acidentes que podiam machucar os animais.

Meu pai, empresário inquieto - que empresta à Beckhauser o DNA da inovação, traduzido para nós como a "vontade de fazer melhor em tudo sempre" -, comprou a provocação e decidiu redesenhar completamente os equipamentos.

Até então os troncos - ou bretes - eram fabricados seguindo o padrão de mercado que meu avô Arcângelo, anos antes, havia aprendido com um antigo marceneiro chamado João Maciel.

Daí em diante, se inaugura uma era de inovações que - nos orgulhamos muito em dizer - pautaram a evolução do segmento de contenção e manejo bovino e ajudaram a cunhar as referências de manejo racional na pecuária brasileira.

Essa jornada não foi simples nem rápida. Entender que o boi era também um usuário dos equipamentos era algo impensável para a maioria das pessoas, desde os parceiros de vendas aos técnicos - veterinários e zootecnistas.

E, principalmente, os clientes, que achavam que aquilo era “frescura”, que não cabia para uma lida que é "bruta", no palavreado do campo. Permitindo-me o trocadilho, bem-estar animal naquela época era tido pelo mercado como “conversa pra boi dormir”.

Entender que o boi era também um usuário dos equipamentos era algo impensável para a maioria das pessoas, desde os parceiros de vendas aos técnicos

Acreditar nessa visão foi aproximando meu pai e Renato de outras pessoas e instituições que também já tinham o tema no radar, como a Embrapa e universidades.

O contato com o conceito acadêmico e com os próprios termos “bem-estar animal” e “manejo racional” vieram de encontros como com o professor Mateus Paranhos, da Unesp de Jaboticabal (SP), que se tornou um parceiro de jornada e a quem temos hoje como a maior referência no assunto no país, juntamente com o ETCO - grupo de estudos e pesquisas que coordena há mais de 30 anos sobre o tema.

Foi unindo forças e vozes de quem comungava dessa mesma visão, acreditando que esse era o caminho para o futuro - e com uma boa dose de teimosia, claro -, que o bem-estar animal aos poucos foi sendo colocado em discussão.

Depois de muitos eventos, muitas reportagens feitas na imprensa a respeito do tema e, principalmente, muitos treinamentos realizados com as equipes de campo e de lida com os animais, hoje esse conceito definitivamente faz parte da agenda da pecuária e da definição das estratégias das companhias dos mais variados portes no setor.

Conectando os pontos com a visão ESG

Falar de ESG hoje no agro, assim como em tantos outros setores, talvez soe ainda tão estranho ou desimportante como parecia falar de bem-estar animal nos idos da década de 1990.

Por isso, acredito que aprender com essa trajetória pode ser muito positivo para o avanço da visão ESG. Inclusive para que possamos trilhar essa nova jornada numa velocidade bem maior, compatível com o ritmo acelerado do mundo de hoje e com a urgência que a crise climática - de efeitos tão sérios para o agronegócio e para a humanidade - nos pede.

Vejo que um dos fatores de sucesso para o avanço da consciência quanto ao bem-estar animal foi o foco não só nos líderes, mas também nas pessoas que lidam diretamente com os animais: peões, gerentes de fazendas, consultores e técnicos.

Quando as equipes de campo começam a ver na prática que o bem-estar animal é mais do que uma teoria bonita, mas que se reflete diretamente em um melhor manejo, mais produtivo e seguro para os animais e para quem lida com eles, é quando ocorre a “virada de chave”.

Tomando isso como espelho, é preciso que a visão ESG chegue a todos os colaboradores das empresas dos mais variados portes e áreas de atuação, dentro e fora da porteira.

É o tipo de mudança que prescinde da visão de liderança, mas que só será incorporada com autenticidade a partir do envolvimento das pessoas. É preciso liderar pelo exemplo e colocar em prática ações - por mais simples e pequenas que possam parecer.

É assim que acreditamos que a jornada ESG pode e deve avançar a passos largos - um passo de cada vez, a partir de pequenas atitudes que cada um de nós pode tomar todos os dias.

Isso só é possível com todos os públicos envolvidos enxergando o quanto o olhar holístico considerando os aspectos ambiental, social e de governança é fundamental para o sucesso e o futuro dos negócios, das pessoas que neles atuam, e do planeta.

Mariana Soletti Beckheuser é CEO da Beckhauser, indústria de equipamentos para a pecuária, e co-fundadora da Associação Parsifal21. Graduada em Comunicação Social - Relações Públicas, é entusiasta da pecuária e do agro sustentável e da ideia de negócios que unem resultados financeiros à geração de impacto positivo para o mundo.