Por Maurício Rodrigues e Dr. Dhanush Dinesh
A COP28, cúpula anual sobre o clima, será realizada nos Emirados Árabes Unidos em menos de dois meses. A conferência marcará a conclusão do primeiro Global Stocktake (GST), desde o Acordo de Paris.
O GST é um processo crucial para avaliar o progresso global em relação ao cumprimento da meta de 1,5°C. A avaliação também vai identificar as possíveis lacunas e oportunidades ainda existentes para ampliar as ações.
Além disso, o GST medirá o progresso dos esforços de adaptação aos impactos das mudanças climáticas, especialmente os esforços para aumentar a capacidade de adaptação, fortalecer a resiliência e reduzir as vulnerabilidades.
Se o último relatório do IPCC servir de referência, ouviremos que simplesmente não fizemos o suficiente.
Na verdade, ainda que todos os compromissos atuais de combate às mudanças climáticas sejam implementados, continuaremos a testemunhar o aumento das temperaturas globais em mais de dois graus Celsius até a metade deste século.
Portanto, há uma lacuna no comprometimento - precisamos nos comprometer mais (tempo, dinheiro e conhecimento) no combate às mudanças climáticas.
Há ainda uma lacuna na implementação, é o que impede os compromissos assumidos de serem cumpridos. Isso se deve a uma série de motivos, que incluem falta de capacidade de implementação, acesso aos recursos e mudanças nas prioridades políticas.
Também estamos enfrentando uma lacuna na inovação, principalmente em relação às mudanças climáticas e seus efeitos sobre os alimentos e a agricultura.
Os cientistas estimaram que, mesmo que todas as inovações conhecidas fossem aplicadas em grande escala, só alcançaríamos 40% das reduções de emissões necessárias no setor. Isso significa que precisamos de mais inovação.
Por fim, há a lacuna na liderança. Por um lado, precisamos que os líderes mundiais se envolvam com a inovação e coloquem em prática suas ações. Mas a responsabilidade não é apenas dos chefes de estado; cabe também a cada um de nós, já que somos todos partes interessadas no sistema alimentar.
Precisamos garantir que as empresas ou organizações para as quais trabalhamos continuem a agir de acordo com seus discursos relacionados ao clima e aos sistemas alimentares.
Acreditamos que, ao endereçar todas essas lacunas, a COP28 pode acelerar as iniciativas relacionadas às mudanças climáticas e tornar o setor de alimentos e da agricultura mais sustentável. Para tornar isso uma realidade, convidamos os stakeholders a atuar em três frentes:
1. Trabalhar conjuntamente para testar e escalar as inovações
As inovações agrícolas vão desde melhores sementes (ex.: sementes de cultivos alimentares mais produtivos e resistentes) e melhor proteção de cultivos (ex.: biológicos) até maneiras novas e mais sustentáveis de produzir fertilizantes (ex.: amônia verde) ou soluções agrícolas digitais (usando tecnologias digitais para a agricultura). Inovações como essas movem as práticas regenerativas na agricultura e podem ajudar os produtores a se tornarem provedores de soluções na luta contra as mudanças climáticas. Temos um conjunto de soluções que podem ajudar a enfrentar a crise climática, mas que dependem de testes, escala e aprendizado.
2. Reconheça as falhas e aprenda com elas
É importante aprender com as tentativas fracassadas de inovação, pois elas oferecem lições para melhorar os esforços futuros. Por exemplo, Thomas Edison falhou mil vezes antes de inventar a lâmpada. Precisamos arriscar, errar e aprender para vencer o desafio das mudanças climáticas. É isso que estamos fazendo por meio da campanha #Failure4INNOVEAT, e o convidamos para juntar-se a nós.
3. Tenha uma visão sistêmica
Uma pesquisa foi realizada recentemente pela Bayer com 800 produtores rurais provenientes da Austrália, Brasil, China, Alemanha, Índia, Quênia, Ucrânia e EUA. E, 71% desses agricultores disseram que as mudanças climáticas já tiveram um grande impacto em suas fazendas.
Os produtores estão convivendo com as mudanças climáticas, que estão impactando e vão continuar a impactar. Mas, como na regulamentação, eles estão se adaptando em vez de tentar influenciá-la.
A inovação no setor agrícola não pode ocorrer em silos, além de ser necessária a adoção de uma abordagem sistêmica que permita o avanço da agricultura regenerativa. A exemplo dos grandes potenciais oferecidos pelas tecnologias agrícolas digitais. Elas são a chave para ajudar a personalizar a solução certa para as condições específicas de cada fazenda.
Assim, será possível que os agricultores tomem decisões baseadas em informações mais precisas, cultivando mais safras com menos recursos e uma pegada climática melhor.
Mas, para alcançar isso em escala, precisamos melhorar o acesso, a conectividade, a coerência na gestão de dados, o treinamento, a educação, entre outros.
Aliás, a agricultura regenerativa como prática agrícola pode ajudar a mitigar as mudanças climáticas e construir resiliência aos seus impactos. Uma abordagem sistêmica e os caminhos para sistemas alimentares em nível nacional são importantes para permitir a inovação nessa área enquanto proporciona benefícios à natureza, como melhorar a saúde do solo, a biodiversidade restaurada, a redução do uso de água e o sequestro de carbono.
Nesse contexto, a recente COP27 apela aos governos para que garantam que os sistemas alimentares e a agricultura sejam fundamentais para os esforços de ação climática, e são um desenvolvimento bem-vindo.
Uma abordagem inclusiva e voltada para a ação será essencial para reunir os países do Norte e do Sul
A agricultura é um dos principais fatores que contribuem para as mudanças climáticas, responsável por cerca de 24% das emissões globais de gases de efeito estufa . Entretanto, ela também tem potencial para ser a principal solução para as mudanças climáticas.
Na COP28, os tomadores de decisão têm a oportunidade de agir conforme os seus discursos sobre o tema e endereçar as lacunas de comprometimento, implementação, inovação e liderança.
Trabalhando juntos, reconhecendo as falhas e adotando uma visão sistêmica. Isso precisa ir além de uma nova iniciativa, palavras ou recursos. Para uma mudança de cultura e para realmente implementar ações concretas.
Mas isso não depende apenas dos governos. Todos temos um papel a desempenhar. Uma abordagem inclusiva e voltada para a ação será essencial para reunir os países do Norte e do Sul, unir todos os stakeholders e os setores - público, privado, acadêmico, sociedade civil, mulheres, jovens e povos indígenas.
Dr. Dhanush Dinesh é fundador e diretor-executivo da Clim-Eat
Maurício Rodrigues é presidente da Bayer Crop Science na América Latina