O agronegócio representa pouco mais de um terço da economia argentina e, certamente, é um setor que pode contribuir muito para ajudar o país a sair da atual crise. Para tanto, o campo cobra uma política menos intervencionista e que seja visto como um gerador de riquezas e não mero pagador de impostos.
Para o setor, é imprescindível a adoção de um câmbio único, o fim das retenciones (imposto sobre a exportação) e a liberação de cotas e estoques para exportações.
Tais medidas dariam competitividade ao setor e liberdade para a comercialização, gerando confiança e retorno de investimentos – estímulo a um novo ciclo virtuoso!
O histórico de crises econômicas na Argentina é longo. Problemas não resolvidos do passado desempenham um papel importante na explicação da situação atual.
Em uma roda de conversa, o número de crises vividas denuncia a idade de cada um e é um troféu de resiliência. A turbulência atual é a terceira em apenas 40 anos.
A receita para essas crises costuma ser a mesma: políticas desastrosas que levam a problemas fiscais que desencadeiam crise econômica com todas as consequências negativas – inflação descontrolada, taxas de juros extremamente altas, desvalorização da moeda e pobreza entre outros.
Antes das políticas intervencionistas, a área plantada de soja e milho crescia à taxa de 7% ao ano. Nos últimos 22 anos, com as retenciones, a expansão foi de apenas 2%. Nos últimos 10 anos, praticamente zero, enquanto o mundo avançou a 2% ao ano.
Na última década, a área de soja caiu 1%, enquanto a de milho aumentou 7% ao ano, em função das distorções provocadas pelas alíquotas de retenciones, que favorecem as margens do milho frente à soja.
A participação no trade global também foi bastante afetada e o país vizinho, mesmo em anos sem quebra de safra, vem importando soja em volumes consideráveis.
A Argentina chegou a ser responsável por 23% do trade do complexo de soja mais milho e, agora, sua participação é de 17%. Já o Brasil elevou seu share de 17% para 40%.
Os números mostram um setor esgotado com a política intervencionista do governo. Mas o campo argentino tem um potencial enorme: possuiu capacidade de esmagamento, competitividade logística – portos estão relativamente próximos quando comparados com seus concorrentes –, área disponível para expansão e baixo custo “dentro da porteira” se não forem levadas em conta as retenciones.
O cerne do problema reside na política, que permite a recorrência das crises. Até o momento, nenhum governo demonstrou capacidade de enfrentar os problemas estruturais do país.
Isso reforça a importância de se entenderem as propostas dos atuais candidatos, embora seja fundamental lembrar que nenhum político é salvador da pátria por si só.
Vejamos o que os dois candidatos que disputam a presidência apresentam em seus planos de governo para a economia e agricultura.
Sergio Massa (Unión por la Patria)
Atual ministro de Economia, Agricultura e Desenvolvimento Produtivo, Massa destaca a importância do agro para a economia e seu papel em fornecer alimentos ao mundo diante da demanda crescente. Entretanto, não menciona os principais pontos defendidos pelo campo e, para muitos, será uma continuação do atual governo.
O partido de Massa, que é praticamente hegemônico desde 2002, retomou as retenciones e vê na taxação das exportações do agro uma receita importante para o governo. Em sua gestão à frente do ministério da Economia, manteve as retenciones, congelou preços, suspendeu exportações e criou inúmeros câmbios.
Desde que assumiu, não conseguiu cumprir as metas que propôs: equilíbrio fiscal, superávit comercial e competitividade cambial. É alvo de duras críticas do FMI.
Para angariar votos, em seus últimos discursos acenou com a possibilidade de unificar as múltiplas taxas de câmbio – demanda defendida pelo setor agro. Mas muitos questionam se irá cumprir já que não o fez até o momento.
Javier Milei (La libertad avança)
Suas propostas são de ajuste fiscal, com redução do Estado e corte profundo nos gastos públicos. Entretanto, algumas medidas que propõe são radicais, de difícil implementação e malvistas, como a dolarização da economia e o fim do Banco Central.
Ele destaca o potencial do agro no país e a necessidade de reformas para o setor ganhar competitividade e atender à demanda crescente do mercado.
Para isso, fala em eliminar as retenciones, remoção de cotas e tarifas no comércio internacional e eliminação das tarifas de importação de insumos. Propõe também a liberação de aquisição de terras por estrangeiros.
Virada de mesa
Logo após o fim do primeiro turno, a terceira colocada, Patricia Bullrich, declarou apoio a Milei e enfatizou que o momento não é de neutralidade. Outros partidos de sua coligação romperam com a aliança por preferirem a neutralidade.
O setor agro tenta não tomar lado, mas podemos dizer que as propostas de Milei estão mais alinhadas com as necessidades do campo e do país, ainda que incluam medidas no mínimo duvidosas que botam em cheque todo o seu plano de governo.
Já Massa, em discursos, fala em mudança, mas não convence, uma vez que seu partido e ele mesmo já tiveram essa chance.
Martín Caparrós, jornalista e escritor, explicou o seu país: “Se você sai da Argentina por vinte dias, quando volta, mudou tudo. E quando você sai por vinte anos, quando volta, não mudou nada”
Quem sair vencedor terá um caminho árduo pelos próximos 4 anos. A Argentina precisa de uma virada de mesa, mas a sua economia anda sem saúde para isso. O remédio requer tempo, porém ninguém aguenta mais esperar.
O novo presidente terá dificuldades para implementar suas políticas. As reformas necessárias deverão ser costuradas em meio ao aumento da polarização política e/ou com alianças frágeis, e nenhum dos candidatos parece ter capital político o bastante. Seja quem for o eleito, haverá uma grande rejeição.
No curto prazo, a expectativa de piora da situação econômica e fiscal deverá agravar o descontentamento da sociedade. E se faz imprescindível que chova, que a safra seja boa e que volte a entrada dos dólares na economia após duas temporadas de quebra para não haver uma piora ainda maior.
Em poucas palavras, Martín Caparrós, jornalista e escritor, explicou o seu país: “Se você sai da Argentina por vinte dias, quando volta, mudou tudo. E quando você sai por vinte anos, quando volta, não mudou nada”.
Isso ilustra o quão imprescindível é para uma nação ter um plano de Estado e não de governo. A Argentina dá sinais claros de que não suporta mais a continuidade do que vem sendo proposto há mais de duas décadas.
Rodrigo Cruz é analista de mercado da Agroconsult.