Não há dúvidas científicas de que, no Brasil, a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa vem da mudança e uso do solo, ou seja, da agricultura primária.

Também não há dúvidas científicas de que, nos Estados Unidos, na China, no Japão, na Alemanha, na Índia, no Reino Unido, na França, na Rússia, no Canada e na Australia – para citar apenas as 10 maiores economias mundiais medidas pelo PIB –, as maiores fontes de emissões são dos setores de energia, indústria e transporte.

A ciência é clara, evidente, e seus dados estão à disposição de todos os interessados.

A partir do conhecimento científico e sabedores dos terríveis impactos das mudanças climáticas sobre o planeta, não só os países acima citados, mas quase todos os outros (os responsáveis e conscientes), pobres ou ricos montaram estratégias para mitigar suas emissões a partir do acordo de Paris em 2015.

Isso foi comumente chamado de “just transition”, ou o “período de transição justa”.

Mas por que isso? Se a ciência já aponta o problema e a solução, por que não fazer imediatamente? A resposta é: responsabilidade estratégica.

Essa transição justa, num primeiro momento, trará impactos sobre a economia e consequentemente sobre as populações. São investimentos vultosos, a necessidade de mudança de práticas e métodos de produção, processamento e consumo, a educação da população e mais uma série e outras necessidades.

Tal como qualquer outra tecnologia desenvolvida a partir da boa ciência, no decorrer do tempo os custos cairão, o acesso das populações carentes será maior e já está provado que os empregos derivados da nova economia verde serão maiores e melhores, carecendo também do preparo e da requalificação da mão de obra disponível a esses novos setores.

Vivemos num mundo em transição e só podemos esperar que, além de justa, seja rápida, pelo nosso próprio bem.

No Brasil a discussão do momento é se o Agro deve ou não fazer parte do mercado regulado de carbono. Não faltam posições a favor e contra, cada um escolhendo seu lado. Fomos premiados com centenas de artigos na mídia no último mês.

O escritor Willian Deresiewicz diz, em um de seus artigo que “em vez de lados, precisamos falar e pensar em termos de posições”.

E prossegue: “Em qualquer questão dada, quase sempre há mais que duas opções. Mas adotar uma posição é muito diferente que escolher um lado. Isso exige pensamento, investigação, exige a disposição de considerar alternativas. Lados são intelectualmente fáceis e emocionalmente satisfatórios. Posições são intelectualmente desafiadoras e emocionalmente complexas”.

Precisamos responder algumas perguntas em relação a esse tema. Num país onde o Agro representa quase 27% do PIB e 20% dos empregos diretos, com mais de 100 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar, regular o setor sem o devido conhecimento das metodologias e seus impactos aumentaria o custo dos alimentos? Sim? Não?

Se não tivermos um plano de transição justa para uma agricultura de baixo carbono, quais serão os impactos para o país e nossa inserção nos mercados internacionais?

Se sim, em quanto e qual o impacto sobre a inflação e os efeitos sobre mais da metade da população brasileira?

Se não tivermos um plano de transição justa para uma agricultura de baixo carbono, quais serão os impactos para o país e nossa inserção nos mercados internacionais? Qual o custo e como pagaremos essa transição?

Poderia fazer dezenas de outras perguntas que ainda tem respostas incompletas ou mesmo nem sabemos responder.

Assim, tomo minha posição: Acho sim que o Agro deveria fazer parte de um programa bem construído, estruturado com metas e datas para nossa transição completa para uma agricultura de baixo carbono.

A indústria antes e depois da porteira que representa 70% do agronegócio nacional já estará regulada. Para a atividade primaria, em suas quase 5,2 milhões de propriedades de todos os tamanhos e diferentes condições de acesso a ciência, tecnologia e financiamento levaria uma, duas, três décadas ou mais, não sei, mas só a partir de um estudo sério das metodologias disponíveis para a agricultura tropical, pois assim não mais ficaremos reféns das metodologias de clima temperado vindas principalmente dos países do G-7.

Imagino que seria de nosso interesse assumir essa liderança dada as vantagens comparativas e competitivas do Agro nacional. Com a estratégia correta seremos o maior no mundo. Com inteligência, serenidade, vontade política e o uso das melhores tecnologias, poderemos ser também os melhores.

Isso não é algo que se autodeclara, mas um título que vem com naturalidade dos mercados quando se enxerga o valor percebido.

O que podemos fazer para prever o futuro, estando o futuro alterando a maneira como reagimos diante do desconhecido?

Repetindo o escritor anteriormente citado, “da próxima vez que alguém lhe perguntar o seu lado, explique sua posição. Vai demorar um pouco mais, mas vale a pena”.

Marcello Brito é coordenador do Centro Global Agroambiental e Academia do Agro na Fundação Dom Cabral (FDC).