O mercado global de açúcar tem se mostrado bastante oportuno e convidativo à produção nacional. A começar pelos preços, considerados “historicamente elevados” pelo Radar Agro, uma análise setorial do Itaú BBA.
Neste início de mês, o adoçante estava cotado a 22 centavos de dólar por libra (USDc 22/lb), valor 30% superior à média dos últimos 12 anos, em 17 centavos de dólar por libra (USDc 17/lb).
A tendência é de que a cotação do açúcar no mercado internacional se mantenha nos patamares atuais, favorecendo o açúcar brasileiro, na opinião da pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea – Esalq/USP), Heloisa Lee Burnquist.
“E ainda favorecido pelo câmbio”, disse a especialista, referindo-se à valorização do dólar, que ultrapassou a barreira dos R$ 6 agora em dezembro.
Outro ponto favorável é a oferta restrita do produto no cenário internacional. De acordo com o Itaú BBA, na safra 2023/24, somente Brasil e Índia tiveram volume de produção próximo de suas médias históricas.
Tailândia, por exemplo, que costuma aparecer na segunda posição (atrás do Brasil) entre os maiores exportadores de açúcar, produziu 40% menos do que o patamar de suas médias históricas. Outros países também registraram produção mais próxima de valores mínimos, como México, Austrália e Guatemala, além da União Europeia.
Apesar dessa condição, vale citar que, a exemplo da Tailândia, outros países entre os grandes exportadores podem recuperar sua produção, o que contribuiria para o aumento da oferta global de açúcar. “E outros países não expoentes têm aumentado sua produção, como China, Paquistão, Bolívia, alguns da América Central”, afirmou Heloisa, do Cepea.
Ou seja, a oportunidade para a cadeia produtiva de açúcar no Brasil é boa, mas é melhor não perder tempo. Até porque muitos desses fornecedores internacionais têm registrado custo de produção abaixo do patamar atual de preços.
Nesse cenário, o Brasil alterna seu ritmo entre uma acelerada pelas “boas chances” e uma reduzida pelo “no entanto”. Tome-se como exemplo o próprio custo de produção, menor por aqui do que em outros exportadores, o que deveria estimular a produção.
No entanto, os índices elevados limitam esse potencial. Aí entra na equação a variável da disponibilidade de áreas agrícolas, que também é um estímulo ao avanço da cana, embora tenha de disputar esse espaço com o cultivo de grãos.
Esse vai-e-vem pode ir longe. Ainda envolve a limitação da capacidade instalada das fábricas de açúcar, que pode ser compensada pelo volume de sacarose já existente nos canaviais. Seja qual for a sequência, ao menos por enquanto, o quadro continua favorável ao açúcar brasileiro.
Questões geopolíticas também estão entre os fatores que influenciam essa condição. “Muitos conflitos que temos visto podem resultar em redução de consumo”, afirmou o superintendente da Associação dos Fornecedores de Guariba (Socicana), Rafael Bordonal Kalaki.
Por ano, a Socicana soma cerca de 6 milhões de toneladas de cana, produzidas por 1,1 mil associados, distribuídos em um raio de 50 quilômetros do município de Guariba, no interior paulista, a cerca de 60 quilômetros de Ribeirão Preto.
Sobre os conflitos geopolíticos, Kalaki ainda comenta que, dependendo dos rumos dos embates diplomáticos e comerciais entre Estados Unidos e China, pode-se abrir mais espaço para o açúcar brasileiro no mercado chinês.
Já em relação ao Oriente Médio, o estímulo pode ter outra direção. “Os conflitos naquela região tendem a gerar problemas para o fornecimento de petróleo, o que favorece a produção de etanol”, afirmou o executivo da Socicana.
O ponto de interrogação do mercado global é a Índia, na opinião de Kalaki. “Não faz muito tempo que começaram a adicionar etanol à gasolina por lá, e o mix da cana foi mais para o etanol. Mas dependendo dos preços, acaba pendendo para o açúcar”, disse.
A avaliação do executivo é complementada pela pesquisadora do Cepea. “A Índia está proibindo a exportação de açúcar e direcionando o mix mais para o etanol. Eles sempre acabam influenciando o mercado brasileiro”, afirmou Heloisa.
Por aqui, pesa a diferença de preço entre açúcar e etanol, em açúcar equivalente, o chamado “prêmio”, que chegou a sete centavos de dólar por libra, enquanto a média nos últimos 12 anos foi de um centavo de dólar por libra.
De acordo com a análise do Itaú BBA, esse bom momento do açúcar foi gerado, principalmente, pela forte demanda global. “Acreditamos que a demanda mundial continuará a crescer, nessa década, algo próximo de 1,3 milhão de toneladas ao ano”, informou o relatório do banco.
Enquanto isso, o mercado nacional de etanol foi abastecido, parcialmente, pelo biocombustível à base de milho. A expansão da indústria de etanol fabricado com o cereal, e consequentemente da produção, gera uma influência de baixa nos preços do combustível.
A avaliação do Itaú BBA é que as usinas brasileiras já estão respondendo a essas movimentações. Investimentos mapeados pelo banco indicam a fabricação de 1,5 milhão de toneladas de açúcar na safra 2024/2025, e um adicional de 1 milhão de toneladas para a temporada seguinte. Se esse avanço não estiver no ritmo certo, o Brasil abre espaço para a concorrência ocupar o espaço.
A pesquisadora do Cepea chama a atenção para a importância de as perspectivas de mercado também levarem em consideração o que acontece no campo, nos canaviais. Principalmente, com a produtividade.
“Já faz muito tempo que o desempenho da cana no Brasil fica em torno de 70 a 80 toneladas por hectare. Quando chega a 100, é motivo de muita comemoração”, disse Heloisa. “A produtividade da cana, relativamente a outras culturas, tem deixado a desejar.”
Essa análise sobre a performance dos canaviais refere-se, claro, a situações normais de cultivo, pois recentemente o setor tem enfrentado muitos problemas. “Sofremos muito com uma seca severa. Em algumas regiões, foram até 150 dias sem chuva, o que atrasa a safra e reduz a produtividade”, afirmou Kalaki.
O superintendente da Socicana, lembra ainda das temperaturas “atipicamente” muito elevadas, que prejudicaram o desenvolvimento dos canaviais e, por conta dessa condição desfavorável, abriram espaço para o surgimento de doenças, como a murcha da cana, que pode derrubar até 45% a produtividade da lavoura.
“Para completar, tivemos os incêndios entre o final de agosto e o início de setembro, o que derrubou ainda mais a produtividade”, disse Kalaki.
Segundo o executivo, ainda não se tem clareza sobre a recuperação total dos canaviais afetados pelo fogo. Isso porque é necessário esperar a rebrota e o período importante das chuvas para a cana que ocorre em fevereiro. “É aí que saberemos se a rebrota foi suficiente ou se haverá necessidade de uma reforma do canavial.”
Por todos esse fatores, o superintendente da Socicana sustenta a opinião de que a safra de cana será menor. As estatísticas da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) mostram que é por aí.
Levantamento da instituição sobre a moagem da cana na região Centro-Sul, no acumulado da safra 2024/25 até a metade de novembro, mostra um total de 582,61 milhões de toneladas. Comparado ao mesmo período da safra anterior, quando a moagem somou 595,97 milhões de toneladas, houve redução de 2,24%.
Estimativa recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgada em novembro, aponta queda de 4,8% na produção total da cana brasileira. A perspectiva é de 678,6 milhões de toneladas colhidas no período 2024/25, contra as 713,2 milhões da temporada passada.
Nessa mesma comparação, a produtividade deve ter redução de 8,8%, passando de 85,5 toneladas por hectare para 78 toneladas por hectare.