A expansão acelerada, os preços elevados e as margens confortáveis de rentabilidade foram as marcas registradas dos últimos anos do agronegócio brasileiro. Mas já são parte da história.
Para a safra 2023/24, a palavra de ordem é “cautela”, segundo a visão do time de especialistas do Itaú BBA. Na 4º edição do relatório Visão Agro – publicação voltada para todo o ecossistema do agronegócio brasileiro e divulgada nesta segunda-feira, 31 de julho – o cenário encontrado elos analistas do banco indica o início de um novo ciclo que exigirá mais atenção de produtores e da indústria como um todo.
“Após anos de preços elevados da grande maioria das commodities agrícolas, o cenário para a próxima safra aponta, de maneira geral, para cotações bem mais acomodadas”, afirma Guilherme Bellotti, superintendente de Crédito Agro do Itaú BBA, no texto de abertura do estudo.
Esse cenário de cautela se ancora em fatores externos e internos. Entre eles está a combinação de choques climáticos e a guerra na região do Mar Negro, além de um aumento da produção global, especialmente de soja e milho. Isso tem provocado queda nas cotações dessas commodities, com reflexo direto na rentabilidade dos produtores brasileiros.
Entre os fatores internos está a pressão logística – com frete caro e capacidade de escoamento de produção sendo testada e com limitações. Além disso, as taxas de juros seguem altas no Brasil e, apesar da expectativa de redução nas próximas reuniões do Copom, ainda exige uma maior gestão de risco nas decisões de investimentos.
“Há uma inversão das margens exuberantes que vimos nos últimos anos. No ano passado, os custos foram altos devido ao efeito do boom nos preços dos fertilizantes, mas que o Brasil compensou com safras recordes. Para esse ano, a expectativa é de maior cautela para a safra”, afirma César Castro Alves, consultor de Agro do Itaú BBA.
Alves explica que, mesmo com a desvalorização dos insumos – entre eles os fertilizantes – o “boom” dos últimos anos não deve se repetir porque a expectativa é de um ciclo com maior oferta global de commodities, o que pressionará os preços para baixo.
Esse contexto está aliado a uma tendência de demanda menos intensa – especialmente da China, que deixou de crescer de forma acelerada como fazia no passado. O custo do crédito, ainda alto, complementa a lista de adversidades.
O cenário mais desafiador para a safra 2023/24 permeia praticamente todos os segmentos do agronegócio, com algumas exceções.
Além de aumento da oferta em termos globais e da desaceleração no consumo em economias que são grandes compradoras do Brasil, há sinais de que inflação e juros em alta podem limitar os espaços para aumento de preço de algumas commodities.
Há, no entanto, segmentos que podem se fortalecer, especialmente com a retomada do consumo interno, na visão dos analistas do Itaú BBA.
Setor a setor
Quando se olha setor a setor, o de proteína animal é um dos que apresentam perspectivas de melhora por se beneficiar diretamente da redução nos preços dos grãos.
Esse alívio reduz custos em relação a anos anteriores, melhora margens e colabora para o ganho de espaço tanto de exportações quanto no mercado interno. “Temos uma visão mais otimista para o mercado de carnes no geral”, afirma Alves.
No segmento de carne bovina, por exemplo, o consumo doméstico deverá voltar a crescer neste ano em função do aumento da oferta de gado para abate, podendo ter ajuda adicional caso o preço ao consumidor final caia em maior proporção.
Há ainda expectativa de bons resultados com exportações, a despeito da desaceleração chinesa, que será compensada pela demanda maior de outros mercados, como Chile, Arábia Saudita, Japão e Coreia do Sul. Para os frigoríficos, espera-se também uma melhora de margens.
Na indústria suína, onde margens muito baixas nos últimos dois anos levaram à uma deterioração da saúde financeira dos produtores, as vendas estão se recuperando.
Os produtores têm conseguido ampliar mercados para diminuir a dependência da China – que tem reduzido volume de compras. A expectativa é que o setor tenha novo recorde de exportação neste ano, superando as 1,1 milhão de toneladas do ano passado.
Na avicultura, a redução dos custos com ração trouxe alívio, após três anos bastante desafiadores para as margens do setor que seguem apertadas, apesar da melhora das exportações. A expectativa é de novo recorde de exportação de carne de frango em 2023.
No entanto, esse cenário mais otimista tem sido ameaçado pelo aumento nos casos de gripe aviária e pelo risco de embargos que teriam impacto direto nas exportações. Uma outra consequência é a redução de preços no mercado interno devido ao aumento da oferta.
Mercado de grãos
Para a indústria de grãos, a projeção é de uma safra mais desafiadora. Além de questões ligadas à oferta e queda de preço internacional, a gestão de risco exigirá cuidados redobrados e maior atenção aos eventuais efeitos negativos do El Niño nas safras.
“Para o Brasil, o El Niño dá com uma mão e tira com a outra, pois as chuvas que beneficiam algumas culturas – especialmente na região Sul do país – pode também prejudicar a qualidade da colheita”, afirma o consultor Fernando Gomes, do Itaú BBA.
A produção de arroz é uma das que mais sentem os efeitos do clima. No Sudeste Asiático, onde está grande parte da produção global, o El Niño tende a reduzir volume de chuvas, impactando diretamente produtividade.
Com isso, a expectativa é de manutenção dos preços, apesar da estimativa de que o consumo irá, mais uma vez, superar a oferta do produto, que tem grande influência na formação de preços – ou seja na inflação – global.
No caso da soja, o aperto nos estoques globais ajuda a sustentar os preços no mercado internacional, mas, mesmo assim, as margens para os produtos tendem a ser menores.
A quebra da safra argentina e a redução da produção americana mantiveram o balanço global de oferta e demanda. No entanto, nem a supersafra do Brasil - com recorde de 156 milhões de toneladas de produção -, foi suficiente para elevar os estoques mundiais – e os patamares dos preços.
Os preços internacionais da safra de milho, por sua vez, tiveram queda de 11% no primeiro semestre deste ano e a projeção é ter uma oferta e estoque maiores que a demanda.
A queda do preço foi influenciada pelo acordo do Mar Negro, intermediado pela ONU, que permite a exportação segura de grãos da Ucrânia e grãos e fertilizantes da Rússia, e pela sinalização de uma grande produção dos Estados Unidos.
No Brasil, a desvalorização para os preços do milho também foi intensa – de quase 23% no primeiro semestre, puxada pelo recorde de produção da safra 2022/23, de 128 milhões de toneladas.
E a expectativa é que o mercado interno continue praticando preços abaixo da paridade de exportação, o que pode diminuir a área plantada para esse ano.
No mercado de trigo, os preços também devem ser sustentados pelo aperto do balanço e incertezas da guerra. A soma do volume dos estoques finais dos principais exportadores segue em queda, com estimativa do USDA de que o balanço global de oferta e demanda deve ter mais um ano de redução, com a Rússia enfrentando dificuldades no escoamento de grãos e o El Niño impactando a produção asiática.
No caso do café, o Brasil seguirá com uma safra abaixo do potencial devido à má condição das lavouras após a colheita e do longo período de seca que restringiu o pegamento das floradas e, consequentemente, o pleno potencial de produção para a safra 2023/24.
Ainda assim, a safra deverá ser superior à do ano passado e atingir 66,4 milhões de sacas, 6,1% acima do ano anterior.
A safra de arábica é estimada em 44,7 milhões de sacas, ante 39,8 milhões de sacas no ano passado (+12,3%), enquanto para o café conilon, o órgão americano prevê 21,7 milhões de sacas, queda de 4,8%, em função do clima desfavorável no Espírito Santo após as floradas no ano passado.
Do ponto de vista global, o El Niño representa um fator de risco para a produção asiática (Vietnã e Indonésia), importantes países produtores de café robusta.
No Brasil, por outro lado, a expectativa é de clima favorável, com o país representando cerca de 38% da produção mundial em 2023/24.
Visão positiva
O destaque positivo do Visão Agro do Itaú BBA vai para os setores sucroenergético e de suco de laranja. Para o mercado de algodão também há uma expectativa de crescimento do consumo global, que pode favorecer os preços internacionais depois de uma queda de 37% em Nova York no primeiro semestre, devido a uma oferta maior que a demanda.
Com as melhoras das expectativas para o crescimento da economia mundial, estima-se também uma melhora no consumo de algodão.
Já o setor sucroenergético a expectativa é de bons níveis de produtividade, atrelada aos preços recordes do açúcar - na esteira da frustração de safra no Hemisfério Norte e ao fato de Índia e a Tailândia sofreram com excesso de chuvas e pouca luminosidade, que prejudicou o volume final de cana. Com isso, espera-se que os menores custos de produção ajudem a melhorar as margens.
O alerta está no impacto dos baixos preços do etanol para os produtores que utilizam uma participação maior do combustível no mix de produtos, considerando o descolamento da precificação da gasolina na paridade de importação.
Por outro lado, quando o tema é o etanol produzido a partir de milho, a expectativa é de aumento na produção na safra 2023/24, com cotações em patamares mais baixos para o cereal em 2024 beneficiando as margens das usinas.
Nas últimas cinco safras, a produção de etanol de milho no Brasil aumentou 450%, passando de 790 milhões de litros em 2018/19 para 4,39 bilhões de litros na safra 2022/23.
Em relação à laranja, a quebra de produção no México e nos Estados Unidos, onde o furacão Ian destruiu pomares na Flórida, ampliou espaço para os produtores brasileiros da fruta.
Com a quebra de safra nesses dois países, o preço subiu substancialmente e a Califórnia tende a superar a Flórida como principal produtor dos EUA.
Além disso, as poucas chances de recuperação de curto prazo dos pomares da Flórida fazem com que o preço do suco de laranja em NY tenha sido negociado em junho deste ano na média de USD 2,65/lp, 50,1% acima do valor de um ano atrás.
No Brasil, a expectativa é de que haverá recuo, pequeno, na safra 2023/24. A primeira estimativa da Fundecitrus indicou 309,34 milhões de caixas, 1,5% menor em relação ao ano passado, sendo este um ano de safra baixa no ciclo bienal da cultura.
Isso significa que o Brasil não conseguirá suprir neste ano-safra a redução da produção americana, nem tampouco o México, terceiro maior produtor mundial, com perspectiva de safra menor também.
Assim, a estimativa para preços e margens é positiva, pois o preço spot da caixa de laranja subiu 47,7% em junho, melhorando a relação entre custo e produtividade e com um cenário de oportunidade para a negociação de novos contratos em bases melhores do que aqueles firmados anteriormente pelos produtores brasileiros.