A recente conclusão da ferrovia Norte-Sul já começa a fazer a diferença na logística das empresas do agronegócio. Não apenas para levar ao porto o que o Brasil exporta, mas também para entregar os insumos agrícolas, no sentido oposto, subindo do Sudeste ao Centro-Oeste.

O chamado “trecho inaugural” dessa rota no sentido das regiões produtoras foi percorrido no final de setembro por uma composição com 112 contêineres com diferentes tipos de carga, do Porto de Santos até o terminal de transbordo de Anápolis-GO, na ferrovia Norte-Sul, em operação liderada pela Brado Logística para a multinacional de defensivos agrícolas Syngenta, entre outros clientes.

Outros dois trens com o mesmo tipo de carga já fizeram o percurso até Anápolis até agora. "Estamos na fase de homologação da ferrovia por parte da ANTT, em que a velocidade é reduzida, para fazer os ajustes", explicou Vinícius Cordeiro, gerente executivo comercial da Brado, ao AgFeed.

A “virada de chave" que permitirá um fluxo mais intenso, segundo o executivo, vai acontecer em novembro, quando estarão circulando dois trens semanais entre Santos e Anápolis.

"O plano de ampliar o uso da ferrovia está principalmente relacionado às metas de redução nas emissões de carbono, não fomos guiados pelo aspecto financeiro", afirmou Alessandra Gamero, Head de Logística da Syngenta no Brasil, em entrevista ao AgFeed.

A empresa já utilizava o modal ferroviário, em parceria com a Brado, há alguns anos, mas em outra região. Uma das rotas leva produtos acabados que chegam via importação no Porto de Santos e vão até Rondonópolis, em Mato Grosso. Também são transportados pela ferrovia os defensivos que saem da fábrica da Syngenta de Paulínia-SP, a partir de Sumaré-SP, chegando em Rondonópolis.

Mato Grosso é o maior produtor de soja, milho e algodão do Brasil e, segundo a Syngenta, responde por mais de 20% do volume de vendas da empresa.

"Estimamos que um quarto de toda a nossa entrega em Mato Grosso hoje já passe por ferrovia para chegar aos clientes”, afirmou Gamero.

A executiva afirma que a empresa ampliou em 15% o volume transportado por ferrovias em 2023, na comparação com o ano passado, mas não revela o número de contêineres, nem valores financeiros.

"A intenção é repetir ou até superar este crescimento de 15% em 2024", afirma Cordeiro, da Brado. A operadora é uma das empresas do grupo Cosan, que também é dona da Rumo, a concessionária de boa parte da ferrovia Norte-Sul.

Cordeiro conta que a “estreia” da Norte-Sul em Goiás começou com transporte de graneis feito pela própria Rumo, no trecho de Rio Verde, no início do ano.

Já a Brado se denomina uma empresa "com foco no desenvolvimento da multimodalidade” e cuida, na parte ferroviária, da operação por contêineres, considerada mais complexa.

Faz desde a coleta de produtos no cliente, transporte rodoviário, embarque e desembarque na ferrovia e entrega, por exemplo, nos centros de distribuição de empresas como a Syngenta.

Além do fluxo de exportação e importação pela ferrovia, a Brado faz também o que chama de "mercado doméstico", produtos fabricados no Brasil que são levados até os estados consumidores – é caso da Syngenta desde 2020.

Os trens descem com graneis (abastecendo indústrias de ração e cervejarias, por exemplo) para o Sudeste e sobem com defensivos e bens de consumo.

Quando a Brado iniciou as operações para Rondonópolis eram um ou dois trens por semana. “Hoje são oito trens semanais que vêm de Santos, mais quatro de Sumaré, totalizando doze por semana”, relata o gerente da empresa.

Em todos eles há cargas da Syngenta, especialmente no segundo semestre, período de maior concentração da entrega dos insumos.

Na "inauguração" do transporte do trem com os contêineres até Anápolis-GO foram movimentadas cargas como defensivos, peças automotivas e outras cargas agrícolas, totalizando cerca de 3 mil toneladas. A operação ocorreu entre os dias 21 e 25 de setembro.

Norte-Sul vai acelerar ritmo em novembro

"Vamos replicar o modelo de Mato Grosso para o estado de Goiás. Faremos importação e exportação entre Santos e Anápolis e também vamos atender o mercado interno, a partir de 2024, partindo de Sumaré, até o terminal goiano", diz Cordeiro.

Tanto Brado quanto Syngenta visualizam grandes oportunidades de "escalar” os volumes transportados porque, através de Goiás, será possível atender também clientes dos estados vizinhos como Minas Gerais, Bahia e Tocantins. "Além de trazer de lá, no sentido inverso, quem sabe até atender a região Sul", prevê Cordeiro.

A Syngenta acredita que também poderá chegar a um quarto do mercado de Goiás e estados vizinhos com uso de ferrovia, mas prefere não fazer previsões de volumes a serem transportados nos próximos meses "porque ainda estão aprendendo com a ferrovia, desenvolvendo o projeto”, disse Gamero.

Já a Brado garante que, a partir de novembro, terá no mínimo duas frequências semanais, com 112 contêineres em cada trem, portanto, uma capacidade de 224 por semana, número que deve ser repetido em dezembro e na virada do ano.

Vinicius Cordeiro, da Brado, e Alessandra Gamero, da Syngenta

"A capacidade de crescimento vai depender da demanda. O mercado está sendo desenvolvido, tanto partindo de Santos, quanto essa rota que sai de Sumaré, que terá um trem inaugural em 2024", afirmou Vinícius Cordeiro.

Quando isso ocorrer serão colocados mais dois trens para atender o mercado interno, totalizando quatro na semana.

"Sumaré está do lado da nossa fábrica em Paulínia”, acrescenta a Head de Logística da Syngenta. “Ali estará a grande oportunidade de escalar o volume já que, neste teste inaugural, fizemos apenas o transporte de produto importado, mas o grande volume é da fábrica”.

Benefícios econômicos e ambientais

Ambas as empresas destacam entre as vantagens deste maior uso da ferrovia uma maior segurança, com índices “baixíssimos" de roubos e avarias ao longo do trajeto.

De qualquer forma, o grande benefício, segundo a Syngenta, é a contribuição para atingir as metas ESG. A própria Brado oferece uma calculadora que mensura em quanto o multimodal pode reduzir a pegada de carbono.

"Na Syngenta, estimamos que este uso da ferrovia para Mato Grosso reduz em quase 60% as emissões. Sustentabilidade é algo imperativo no mundo de hoje, por isso está no centro da estratégia da empresa", diz Alessandra Gamero.

Ela afirma que é necessário mudar a matriz energética e que a ferrovia "é a alternativa escalável para o mercado em que atua".

"A gente vê caminhões elétricos dentro da cidade de São Paulo, mas estamos falando do Cerrado brasileiro, que não tem infraestrutura", ressalta.

A meta global da Syngenta é reduzir em 50% as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2030.

No que se refere a custos, Gamero diz que “depende de cada momento, já que um dos aspectos é o preço do diesel e uma disputa por caminhões no interior em determinados momentos do ano". Por isso, a ideia é fazer longas distâncias de ferrovia e curta distância de caminhão, "buscando eficiência".

Vinícius Cordeiro, da Brado, diz que está acostumado a ser “provocado pelo mercado, que muitas vezes defende que ferrovia deveria ser até 40% mais barata que a ferrovia".

Na prática, segundo ele, isso só seria possível, especialmente para os contêineres, se houvesse uma linha reta do entre o local que sai o produto e o destino final. A realidade é uma operação multimodal, bem mais complexa.

O executivo afirma que, em média, a multimodalidade tem ficado entre 7% e 10% mais barata na comparação com uma logística totalmente baseada na rodovia.

A Brado movimentou no ano passado 110 mil contêineres e deve manter em 2023 uma média de crescimento vista recentemente, entre 15% e 20%. São 120 produtos diferentes, mas no segundo semestre, os defensivos agrícolas chegam a representar 15% da movimentação de cargas.

Ao longo do ano, em média 43% dos volumes estão relacionados a clientes do agro e 36% são contêineres refrigerados, que transportam proteínas animais congeladas.

Rumo ao Maranhão

Assim que estiver consolidada a operação em Goiás, a Brado diz que o próximo passo é passar a utilizar a ferrovia Norte-Sul no trecho da VLI, que vai de Porto Nacional, no Tocantins, até Imperatriz no Maranhão.

Até hoje a Brado só opera a malha ferroviária da Rumo, sua empresa “irmã”, no grupo Cosan.

"Estamos buscando nosso certificado de operador ferroviário independente para justamente conseguir operar em outras malhas ferroviárias, não dependendo apenas da concessão da Rumo", afirma o gerente da Brado.

O executivo disse ao AgFeed que as negociações já estão ocorrendo com a VLI, mas que dependem também de investimentos em ativos ferroviários.

"De Sumaré até Imperatriz é um trajeto de 3 mil quilômetros de ferrovia. Isso demanda locomotiva e vagão de longa escala e ainda não tem ativo disponível no mercado para fazer este longo trecho", destaca.

A Brado já tem um terminal em Imperatriz e "construiu inclusive todo o desvio ferroviário. A ideia é operar de São Paulo até o Norte do País, atendendo o agro e o setor bens de consumo".

Não há data prevista para esta expansão, mas segundo o executivo, há chances de viabilizar em 2025.

O plano agrada a Syngenta. "Uma vez que eles avancem para o Maranhão, a Brado já sabe disso, temos total interesse porque também temos distribuição lá”, afirma Alessandra Gamero.