Exportações mais fortes de café para os europeus de um lado e temores de uma pressão de baixa adicional nos preços da soja brasileira a partir de janeiro de 2025. São alguns dos reflexos da contagem regressiva para que entre em vigor o chamado EUDR, Regulamento da Uniao Europeia pra Produtos Livres de Desmatamento.

A regra estabelece que as grandes importadoras de produtos como soja, café, cacau e couro, ficam proibidas de comprar produtos oriundos de áreas onde houve desmatamento depois de 2020.

“Foi uma ação unilateral e precipitada, e teve uma reação interna (na Europa) muito grande. Agora temos também o apoio dos norte-americanos, eu acredito que eles vão recuar”, disse o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Caio Carvalho, ao conversar com o AgFeed durante congresso realizado pela entidade esta semana.

No evento, lideranças defenderam esforços para um discurso unificado dentro do Brasil e, externamente, que o País busque alianças multilaterais para enfrentar a “pressão protecionista maluquete”, como afirmou o dirigente.

Um dos setores que vem participando ativamente das discussões com os europeus é o café. O Brasil é o maior exportador mundial da commodity e 47,5% dos embarques tem como destino a Uniao Europeia.

O foco da nossa comunicação tem sido para flexibilizar a lei, para que ela comece sem aplicação de multas, para que o mundo todo tenha mais referência”, afirmou Marcos Matos, diretor geral do Cecafé, que representa os exportadores no Brasil.

Em entrevista ao AgFeed, o dirigente disse que “a pressão é forte, de vários governos, como China, Canadá e Estados Unidos”. Como nem mesmo sistemas de TI e aduanas por lá estariam preparadas para cumprir regras tão complexas, Matos conta que um dos reflexos este ano tem sido o aumento dos embarques de Café para a Europa. Empresas estariam se antecipando para evitar maiores riscos a partir de janeiro, quando, a princípio, entra em vigor a lei.

Segundo o Cecafé, houve um aumento de 72% nas exportações para a União Europeia de janeiro a junho deste ano.

“A Alemanha, que acaba de adotar uma lei social mais rígida, aumentou em 70%. No segundo semestre vai ser mais intenso ainda, o Brasil já mostrou que é um país transparente”, argumenta Matos.

O setor diz que está trabalhando para “estar preparado” em janeiro. Porém, a própria UE está atrasando o envio de esclarecimentos aos países que são fundamentais nesse processo.

O diretor do Cecafé conta que estava prometido que os guidances, guias de implentação da EUDR, sairiam em junho. Já um material de perguntas e respostas era esperado para maio.

“Mas até hoje não foram publicados, os prazos viraram agosto e setembro, mas até agora não saiu”, diz.

Essas orientações são importantes para algumas operações “teste” que o setor do café vem fazendo, mas ainda com pouca clareza.

Entre os pontos que preocupam está o mapa de cobertura florestal, que a UE deve usar para verificação. “Estes mapas por inteligência artificial não diferenciam café de florestas plantadas por exemplo, estamos sujeitos a criar falsos positivos”, alertou Matos.

Analistas ainda não sabem se a esperada flexibilização pode ser feito somente por decisão administrativa do bloco, ou se será necessário analisar novamente no parlamento europeu.

O fato é que entre as empresas além da incerteza prevalece a sensação de um alto nível de risco.

“Rastreabilidade e EUDR tem custo, exportamos para 150 países, portanto segurar café por tempo a mais, para determinado mercado, tem custos financeiros”, ressaltou.

Matos disse ao AgFeed que já está sendo praticado um “ágio acima das bolsas” de “alguns centavos de dólar”, em função do risco mais alto e custos adicionais. Ele não revela de quanto seria exatamente em função das limitações logísticas que tem afetado a exportação de café. “Pode ser que no futuro não exista mais, mas no momento tem (ágio)”.

Na soja, produtor teme pressão de baixa nos preços

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) também acompanha com preocupação a proximidade do período em que os europeus poderão aplicar a nova regra.

O presidente da entidade, Mauricio Buffon, afirma que a segregação de grãos de áreas que não foram desmatadas depois de 2020 “não é tão simples assim, em função do sistema logístico deficitário no Brasil”.

Ele reforça que 50% das áreas de preservação no País estão dentro das fazendas e que 47% da matriz energética aqui é renovável, “algo muito mais avançado se comparado à realidade europeia”.

Fabrício Rosa, diretor executivo da Aprosoja, diz na conversa com as tradings a sinalização tem sido de que no farelo de soja é mais fácil segregar e que, para a soja em grão, será necessário concentrar a exportação no Arco Norte.

“Eles dizem que tem risco muito alto de exportar para Europa e ficar fazendo 4 anos de auditoria, se acharem alguma propriedade que teve desmatamento, a multa pode ser superior a 1% do faturamento da empresa, já se tornaria proibitivo”, explicou.

Nesse cenário, com risco alto para as empresas, Rosa acredita que “a soja pode ficar parada aguardando um outro destino, o que vai gerar queda de preço regional, prejudicando esses produtores”.

A Aprosoja alerta que a legislação não envolve somente questões ambientais, mas também trabalhistas e tributárias. “O risco de haver algum problema com a Receita, por exemplo, ao longo de 4 anos, é altíssimo”.

Segundo a entidade, hoje cerca de 10% da soja, entre farelo e grão, tem os países da UE como destino. De qualquer forma, a situação preocupa porque soja vem apresentando quedas históricas na Bolsa de Chicago, com boas colheitas nos EUA e America do Sul, portanto seria mais uma pressão de baixa, um fator para fazer “sobrar soja no mercado brasileiro”.