O tema recuperação e conversão de pastagens voltou à pauta do dia após a recente viagem ao exterior do ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e na esteira de anúncios de parcerias com governos do Japão, Coreia do Sul e Arábia Saudita para apoiar iniciativas no Brasil.
A estimativa do Ministério da Agricultura (Mapa) é dobrar o volume de produção de grãos no Brasil apenas com a conversão de pastagens em lavouras. Com isso, não seria necessário recorrer a abertura de novas áreas agrícolas, adequando o setor para as exigências climáticas mundiais.
O Brasil tem hoje cerca de 150 milhões de hectares de pastagens com baixa produtividade ou em processo de degradação, de acordo com o Mapa.
O processo de conversão, no entanto, exige investimentos relevantes. O Mapa estima em US$ 120 bilhões o investimento necessário para efetivar a conversão de 40 milhões de hectares de pastagens em lavouras na próxima década.
Parte desses recursos virá de bancos estatais, como o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas não só deles.
O governo brasileiro quer angariar apoio internacional para custear projetos que tornem o agronegócio brasileiro mais sustentável.
Com o discurso ambiental alinhado com políticas anti-desmatamento defendidas internacionalmente, a acolhida tem sido boa.
O Eximbank, o banco de exportação e importação da Coreia do Sul, por exemplo, disse que vai, via parceria com o Banco do Brasil, ofertar crédito aos agricultores brasileiros.
Já a Companhia Saudita de Investimento Agrícola e Pecuária (Salic, na sigla em inglês), fundo soberano da Arábia Saudita, e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) vão apoiar projetos de conversão de pastagens.
Ao final do tour asiático, Fávaro lembrou, por exemplo, que a Jica já foi uma importante parceira do Brasil nos anos 1980, quando ajudou a financiar a expansão agrícola no Cerrado.
“E agora se comprometeu a trabalhar junto com o Brasil para estruturarmos a conversão de pastagens em áreas produtivas”, disse o ministro.
Técnicos da Jica desembarcam esse mês no Brasil para alinhar com o BNDES, Banco do Brasil e Embrapa como efetivar essa colaboração, que foi antecipada ao AgFeed, em maio, pelo assessor especial do Mapa, Carlos Augustin.
Na ocasião, ele afirmou que os japoneses estariam dispostos a financiar, com taxas de juros abaixo das do mercado, a conversão de 1 milhão de hectares por ano.
A chamada para apoio internacional para viabilizar projetos sustentáveis ligados à produção agrícola no Brasil tem sido tema frequente no discurso do governo.
Fávaro negociou apoios em visita recente à Alemanha e o próprio presidente Lula tem enfatizado em seus discursos a responsabilidade dos Estados Unidos e de países da Europa em ajudar nações como o Brasil a cumprir suas metas ambientais.
“O interesse internacional em financiar projetos de conversão ou recuperação de pastagens no Brasil não se restringe ao cumprimento de metas ambientais", afirma Louise Emily Bosschart, sócia da área ambiental do escritório Santos Neto Advogados.
“Esses países têm uma grande preocupação em garantir segurança alimentar para suas gerações futuras”.
Reflexos no PIB
A proposta da conversão de pastagens em lavouras ganhou tração agora, mas é inspirada no Plano ABC, lançado em 2016. Com base em estudos na época, já se defendia que, sem projetos de recuperação e conversão de pastagens, a agropecuária brasileira tenderia a perder produtividade nos próximos anos.
“Pastagem degradada significa perda de fertilidade, de produtividade e de capacidade de recuperação natural para sustentar os níveis e a qualidade de produção”, afirma Louise.
Isso, segundo ela, pode gerar reflexos diretos na economia, nas exportações e nas emissões de gases de efeito estufa. O programa de conversão, por sua vez, pode gerar crescimento econômico e novas oportunidades de negócios.
“Tanto a recuperação das pastagens, quanto a sua conversão em áreas de agricultura, com a adoção de práticas sustentáveis, proporciona aumento de produtividade, melhor conservação do solo e da água, aumento de fertilidade do solo, além de sequestro de carbono”, afirma Patrícia Menezes Santos, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste.
Segundo ela, a recuperação de áreas degradadas, com ou sem mudança de atividade, é sempre positiva. E a prática comprova esses resultados.
De acordo com a Embrapa, a partir de dados do Mapbiomas, entre 1985 e 2021, cerca de 15 milhões de hectares de pastagens foram convertidos em agricultura no Brasil.
Só no estado de Mato Grosso do Sul, entre 2010 e 2021, foram 3,6 milhões de hectares, resultado de R$ 12 bilhões em investimentos, segundo o departamento técnico do sistema Famasul.
Já no vizinho estado de Mato Grosso, maior produtor de grãos do País, uma pesquisa realizada pela Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) com o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) mostrou que 30% dos produtores que realizaram processos de conversão de pastagem para agricultura tiveram importantes ganhos de produtividade.
Em um encontro para debater o tema na sede da Acrimat nesta semana, a entidade apresentou outro dado que demonstra o impacto da adoção dessa prática: com a recuperação de 4,4 milhões de pastagens degradadas até 2030, o PIB do Estado teria um acréscimo de 5,5% - e isso apenas com a substituição por pastos de qualidade.
Com a conversão para o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), o crescimento do PIB poderia chegar a 12%.
No Brasil todo, segundo estudo apresentado pela pesquisadora do Grupo de Políticas Públicas (GPP) da Esalq/USP, Marcela Araújo, a recuperação de 30 milhões de hectares até 2030 geraria um impacto positivo de 1,22% no PIB.
Ela estimou que, para os produtores rurais, cada real investido na conversão de pastagens para ILPF tem potencial para trazer um retorno de R$ 14.
A recuperação de 30 milhões de hectares até 2030 poderia gerar um impacto positivo de 1,22% no PIB brasileiro
Junto com eles, toda a cadeia produtiva se beneficia. Não por acaso, empresas e bancos se mobilizam para surfar na nova era das pastagens convertidas.
Também no Japão, Fávaro teve reunião com a gigante química Sumitomo, que demonstrou interesse em participar do programa.
O banco Itaú BBA também já desenvolveu uma linha de crédito específica para a recuperação de pastagens degradadas, em parceria com a companhia de insumos Syngenta.
Para os investidores internacionais, a conversão de pastagens pode ajudar o País também a avançar algumas casas na corrida por créditos de carbono.
Mais relevante ainda, porém, é apoiar o setor que se desenha como um dos mais promissores do planeta. O Brasil já é o maior exportador mundial de proteína animal e ocupa a liderança na venda de diversas commodities agrícolas.
Também é o segundo maior exportador de alimentos industrializados do planeta, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). O mundo sabe que há potencial para mais. Muito mais.