Não é de hoje que gigantes da tecnologia, como Apple, Microsoft, IBM, Salesforce, Google e Amazon investem em projetos que visam compensar o consumo de energia de seus projetos – especialmente os de inteligência artificial. E, de quebra, sempre destacam como objetivo o combate às mudanças climáticas.
Nas últimas semanas, esses investimentos se intensificaram. A Microsoft, por exemplo, anunciou que irá destinar US$ 1 bilhão para a compra de 8 milhões de crédito de carbono que serão investidos na estratégia de reflorestamento e restauração do BTG Pactual Timberland Investment Group (TIG), que tem a Conservation International como parceira.
Os recursos serão usados para a geração de créditos de carbono a partir do investimento em projetos de restauração e replantio em propriedades degradadas – e certificadas. Parte dessas áreas estão localizadas no Cerrado brasileiro – considerado um dos biomas mais afetados pelo desmatamento, ao lado da Amazônia.
Já a Apple, por meio do Restore Fund, fundo ambiental criado pela empresa para ajudar a recuperar áreas degradadas na América do Sul, está investindo US$ 80 milhões em projetos de certificação de pastagens deterioradas e recuperação de florestas - com parte dos recursos destinada ao Brasil.
“Os investimentos em projetos de carbono das big techs não são recentes. A diferença é que elas estão migrando de conservação para restauração”, disse ao AgFeed, Yuri Rugai Marinho, sócio-fundador da Eccon Soluções Ambientais e Consultor do Instituto O Direito por um Planeta Verde e do Waterloo Global Science Initiative.
Essa mudança de rota dos investimentos, explica Yuri, tem a ver com o fato de os projetos de conservação não terem ganho a escala esperada. “Estamos saindo da década da conservação para a década da restauração”, diz. “Mas é preciso ter os dois, porque será preciso conservar lá na frente o que está sendo restaurado agora”.
Nos últimos anos, a contribuição dos projetos de conservação de florestas para o mercado de crédito de carbono vem diminuindo devido a casos de fraudes em projetos de certificadoras internacionais.
O Brasil foi um dos países mais impactados pelas denúncias e o resultado tem sido a redução de verbas para os programas de conservação de florestas, incluindo na Amazônia.
Um levantamento realizado pelo Observatório de Bioeconomia da FGV (Fundação Getúlio Vargas), com dados do Berkeley Carbon Trading Project, da Universidade de Berkeley, mostra que os investimentos em projetos de REDD+ (Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal) em 2023 representavam 41% dos investimentos – uma queda de mais de 20 pontos percentuais em relação aos 65% de 2021.
“Muitos dos projetos de restauração estão concentrados na Amazônia, onde a nova fronteira agrícola abriu grandes áreas, mas nas quais a agricultura não é pujante e a rentabilidade do agricultor é baixa”, explica Marinho, lembrando que a recuperação de áreas degradadas nessas regiões exige um capital bastante intensivo.
É na Amazônia que as empresas do bilionário Jeff Bezos - gigante do varejo online Amazon e AWS (Amazon Web Services) - concentram suas ações.
A Amazon tem R$ 90 milhões num contrato de créditos de carbono focado na restauração da floresta amazônica – e que em contrapartida beneficia pequenas áreas agrícolas na região.
Já a AWS (Amazon Web Services), braço do grupo que oferece serviços de tecnologia, investiu R$ 1,8 milhão em subsídios e R$ 500 mil em crédito de armazenagem em nuvem para desenvolver, em parceria com o governo do Pará, um sistema de rastreamento da origem de produtos agrícolas (o Selo Verde Pará).
No lançamento do projeto, Jamey Mulligan, chefe de Neutralização de Carbono da Amazon, disse que o objetivo do Selo Verde é apoiar uma economia agrícola próspera, na qual a sustentabilidade e a conformidade legal são reconhecidas e recompensadas pelo governo e pelo mercado.
Paulo Cunha, diretor-geral para o Setor Público da AWS no Brasil, disse ao AgFeed que projetos como esse são importantes para que a empresa alcance seus objetivos de sustentabilidade.
“Um dos principais ganhos do projeto do Selo Verde é a velocidade para se ter o cruzamento dos dados do CAR”, disse Cunha, explicando que o cadastro e a análise dos dados são essenciais para aprimorar as políticas de controle do desmatamento.
O CAR, ou Cadastro Ambiental Rural, é um registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo a base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, além de combater o desmatamento.
Estratégia preventiva
Para além do apoio a projetos que visam recuperar áreas degradadas e apoiar o desenvolvimento de uma agricultura mais sustentável, as big techs buscam, acima de tudo, conseguir cumprir suas metas de descarbonização.
A Microsoft divulgou ano passado que suas emissões de gases do efeito estufa (GEE) aumentaram 30%, enquanto no Google a alta foi de mais de 50% nos últimos cinco, segundo relatórios de sustentabilidade divulgados pelas companhias.
A Amazon, por exemplo, integra a Coalizão LEAF (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance ou Redução das emissões acelerando o financiamento florestal), uma iniciativa global lançada em 2021 para viabilizar o financiamento público e privado em prol da redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal.
Trata-se de uma estratégia preventiva para compensar o alto consumo de energia no desenvolvimento e uso de inteligência artificial.
A Agência Internacional de Energia estima que o consumo de energia dos centros de processamento de dados globais pode dobrar até 2026.
Além disso, sistemas de IA generativa, como o ChatGPT ou o Gemini do Google, consomem 33 vezes mais energia do que softwares tradicionais. A Inteligência Artificial tende a utilizar 4,5% de toda a energia gerada no mundo até 2030, segundo a consultoria SemiAnalysis.
Pesquisa da Carbon Direct com o apoio da Meta apontou que a restauração ecológica é uma das principais formas das empresas atenderem suas metas e compromissos de redução das emissões.
E Marinho lembra que os sistemas computacionais não são as únicas fontes de consumo de energia. Os ganhos de escala dos carros elétricos colocam ainda mais pressão na produção de energia e na necessidade não apenas de compensar, mas incentivar projetos de geração de energia limpa.
“Europa e Estados Unidos, por exemplo, não têm matriz energética limpa como tem o Brasil”, diz Marinho, lembrando que o processo de eletrificação dos carros é um outro capítulo da busca por compensação ambiental para projetos que consomem muita energia – como já ocorre com as big techs.