A maior volatilidade de preços das commodities e dos insumos, a instabilidade em relação ao clima – leia-se El Niño - e a gestão de custos, incluindo frete, vão aumentar a necessidade de os agricultores brasileiros reforçarem suas estratégias de gestão de risco na safra 2023/24.
“A gestão de risco da lavoura é o grande desafio do agro brasileiro para as próximas safras”, afirmou Zak Battat, trader de commodities da Louis Dreyfus Company, durante evento realizado no Cubo Agro, do Itaú, na semana pasada pelas empresas Strada e Grão Direto com cerca de 200 lideranças do agronegócio nacional. “Da porteira para dentro, podemos até dizer que, em alguma medida, essa gestão de risco já existe. A próxima onda será da porteira para fora”.
Battat lembra que o Brasil produz hoje o dobro do que produzia há 10 anos e que em 2024 deve bater um novo recorde na safra de soja, chegando a 160 milhões de toneladas, segundo estimativas da Conab. “Temos atualmente um ritmo de produção confiável, capaz de competir com grandes players mundiais e de fornecer praticamente o ano inteiro”, reforça.
E é nesse cenário – de recordes contínuos de produção e abertura de novos mercados - que os maiores desafios se desenham. Custos com frete, gargalos na capacidade de escoamento da produção nos portos nacionais e o impacto das condições climáticas na qualidade da colheita estão entre eles.
“Um navio que precisa ficar parado 80 dias no porto de Paranaguá para conseguir embarcar um carregamento de soja é custo logístico”, lembra Battat.
A falta de infraestrutura logística – e os custos que ela impõe ao setor – continua sendo um dos maiores entraves para o avanço ainda mais acelerado do agronegócio nacional. O cenário se agrava ainda mais quando esse gargalo se associa aos impactos das mudanças climáticas – com seca no Norte e enchentes no Sul, como visto nos últimos meses.
“A seca na região Norte, por exemplo, teve impactos significativos nos custos de transporte”, diz Raphael Galo, especialista em commodities da Terra Investimentos. Ele lembra que de 30% a 45% do escoamento de produtos agrícolas da região é feito por hidrovias, que passaram a operar com no máximo 60% da capacidade.
Isso implica em preços maiores para o uso de barcaças, além de ampliar a demanda do transporte por rodovia, mais caro que o hidroviário.
Thiago Péra, pesquisador da Esalq Log, lembra que 70% da produção nacional ainda é transportada pelo modal rodoviário, cujo custo oscila de acordo com a regra da oferta e demanda.
“A supersafras geram maior demanda de transporte para o escoamento da produção, o que significa aumento no preço do frete”, afirma.
O pesquisador lembra que nos períodos de sazonalidade, a pressão sobre os preços tende a diminuir, mas que ainda assim as limitações de oferta sinalizam que o preço do frete seguirá aquecido.
“O Brasil não tem entressafras longas. Isso, associado às limitações de espaços para armazenamento da produção, impõe aos produtores, especialmente os de menor porte, a necessidade de escoar toda a produção, ampliando a demanda”.
A oscilação no preço do frete, aliás, é o que faz um motorista de caminhão aceitar – ou não – uma demanda de transporte. Pesquisa apresentada pela logfintech Strada no evento "Desvendando a Safra 2024", no Cubo, mostra que o preço a ser pago é o principal fator de decisão para 95,15% dos caminhoneiros, seguido pela rota do carregamento (44,96%) e o tempo de carregamento da carga em questão (31,72%).
“A maioria dos motoristas autônomos (47%) acredita que o preço do frete irá se manter em 2024. Esse percentual é de 45% entre os que trabalham no formato CLT”, afirma Rodrigo Koelle, CEO da Strada. Outros 40% dos caminhoneiros apostam em aumento de preço dos combustíveis enquanto 13%, na média, esperam redução.
O estudo ouviu 536 caminhoneiros ao todo, sendo 258 (48,13%) motoristas de caminhão de frota, ou seja, trabalham em contrato CLT para empresas ou transportadoras, e 278 (51,78%) motoristas de caminhão autônomos.
Outros impactos e alternativas
As incertezas climáticas são outra preocupação. “A safra deste ano será similar à de 2015/16 por causa da El Niño e por isso o agricultor terá que ficar atento aos custos”, afirmou Vinicius Moreira, gerente de Inovação e Tecnologia Comercial da Amaggi.
Raphael Galo, especialista em commodities da Terra Investimentos, lembra que alguns agricultores começam a falar em necessidade de replantio e que, nesse caso, é importante ficar atento ao controle de custos, que pode subir.
A alternativa para lidar com desafios do clima continua sendo a tecnologia. Moreira lembra que a capacidade de produção do Brasil hoje é 70% maior por causa da inovação tecnológica.
“Hoje, 90% das startups que nascem são focadas no agronegócio”, afirma, lembrando ser possível calcular o nível de água que uma planta precisa, além de diversos outros recursos. Além disso, o Brasil está se preparando para usar a tecnologia não apenas para gerenciar os cultivos, mas também para gerenciar riscos.
Entre os instrumentos já existentes para apoiar nesse gerenciamento estão instrumentos financeiros disponíveis no mercado futuro da bolsa de valores (B3) e operações como Barter, todos focados em oferecer alternativas de hedge para o produtor.
No caso do barter, o volume de operações está crescendo no Brasil. “O barter funciona muito bem como uma ferramenta de mitigação de risco”, diz Zak Battat, para quem a ampliação no uso dessa e outras ferramentas financeiras mostram o amadurecimento e a profissionalização do mercado brasileiro, especialmente o de commodities.
Fernando Bastiani, pesquisador da Esalq Log, trouxe uma provocação ao grupo ao questionar as razões de ainda não existir um mercado futuro para os contratos de frete, algo que poderia ser negociado no mesmo formato dos contratos futuros da B3 ou até inspirado no modelo do barter – que é focado para a negociação de insumos para a agricultura.
“Se nos Estados Unidos existe até contrato futuro para proteger os parques da Disney do impacto de furacões, porque não ter mais instrumentos que ajudem a dar mais segurança e previsibilidade para o agronegócio”, concluiu Zak.