Depois de quase duas semanas de muitos debates e visões nem sempre convergentes, a COP 28 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) terminou nesta quarta-feira, nos Emirados Árabes, trazendo em seus relatórios finais algumas decisões consideradas históricas: um acordo para o fim do uso de combustíveis fósseis e um plano de ação para a produção global de alimentos que prevê, entre outras medidas, a redução da emissão dos gases do efeito estufa emitidos pela pecuária, além da restrição ao uso de produtos químicos nas lavouras.
O Brasil, por exemplo, desembarcou com o objetivo de apresentar os projetos para avançar na produção de biocombustíveis e de alimentos. Um dos destaques da programação do governo brasileiro foi o lançamento do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas. Mas decepcionou interlocutores ao aceitar o convite para se tornar membro da Opep. “O Brasil precisa tomar posição de que o petróleo tem que acabar”, afirmou o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, para quem o anúncio foi um contrassenso.
Por outro lado, a apresentação do projeto de recuperação de pastagens foi bem recebida e a inclusão dos sistemas alimentares nas metas do Global Stocktake, que é o mecanismo para mensurar os avanços obtidos pelos países desde o Acordo de Paris, foi vista como positiva, à medida que pode ajudar o Brasil a acelerar o cumprimento de suas metas até a COP30, que acontece em 2025, no Pará.
Combustíveis fósseis
O principal texto do encontro, resultado de dias de negociações difíceis, reconhece a necessidade de uma redução rápida e sustentada no uso de petróleo, gás e carvão, e menciona a eliminação total do uso de combustíveis fósseis, apesar de não detalhar como e em quanto tempo isso deve acontecer.
“É a primeira vez que o mundo se une em torno de um texto tão claro sobre a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, Espen Barth Eide, citado pela Reuters.
A Noruega, ao lado dos Estados Unidos e do Canadá, esteve entre os países que defenderam a assinatura de um compromisso para acabar com o consumo de petróleo de forma definitiva – em contraponto aos países produtores de petróleo, que defendiam um acordo para mudança gradual.
John Kerry, o enviado dos Estados Unidos, comentou à BBC que finalmente o bem comum prevaleceu sobre os interesses individuais.
Mas há quem questione a capacidade mundial de implementar o que foi acordado. Anne Rasmussen, negociadora da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, é uma delas. “Fizemos um avanço incremental em relação aos negócios normais, quando o que realmente precisamos é de uma mudança exponencial em nossas ações”, disse ela.
Não há, por exemplo, nada no texto mencionando como os países ricos irão financiar as nações em desenvolvimento para que possam implementar alternativas ao petróleo para impulsionar suas economias. O texto também não cita como deve-se tratar o metano.
Andrew Deutz, Diretor Geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na The Nature Conservancy (TNC), lembra que há dois anos, em Glasgow, os negociadores tiveram dificuldade em chegar a um acordo sobre a eliminação gradual e ininterrupta da energia a carvão e que, há três anos, não diziam nada sobre combustíveis fósseis. Por isso, o texto da COP28 é considerado um passo na direção certa.
“Um chamado para uma transição global que nos afaste de todos os combustíveis fósseis sinaliza que os governos estão finalmente abertos a lidar com o elefante na sala”, diz Deutz, mencionando a arrecadação de US$ 800 milhões para o fundo de Perdas e Danos e o maior reconhecimento da contribuição das florestas, dos oceanos e de outros ecossistemas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas como avanços.
Agricultura e sistemas alimentares
Uma das principais conquistas da COP28, na visão de João Adrien, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira e estrategista de ESG para o Agronegócio do Itaú BBA, foi a entrada da agricultura e dos sistemas alimentares Global Stocktake, que é o mecanismo para mensurar os avanços obtidos pelos países desde o Acordo de Paris.
“O conceito de agricultura sustentável entrou no mecanismo e isso coloca o Brasil numa posição favorável quando se olha para o que tem sido feito nacionalmente”, disse Adrien ao AgFeed. “O Brasil já tem um modelo de agropecuária sustentável e tropical que certamente será reconhecido como parte dos objetivos do acordo”.
Nesse cenário, as metas traçadas em outro texto, apresentado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e, também, considerado histórico, colocam o Brasil em situação de vantagem, pois tratam das medidas que serão necessárias para mitigar o impacto do agronegócio no clima, ao mesmo tempo em que garantem a segurança alimentar do planeta.
O documento lista 120 ações em 10 áreas prioritárias com potencial de reduzir o impacto da agricultura e da cadeia agropecuária no clima. Os países terão três anos para elaborar um plano de ação para mitigar os impactos dos seus sistemas alimentares no clima e apresentar os primeiros resultados na COP30, que acontece no Brasil.
“As discussões em relação aos sistemas alimentares eram esperadas, pois estavam na pauta da atual presidência da COP, a despeito dos debates em torno da transição energética e dos combustíveis fósseis”, afirma Renata Potenza, coordenadora de Projetos da Iniciativa Clima e Cadeiras Agropecuárias do Imaflora, que, no Brasil, atua em parceria com empresas como a General Mills e a Nespresso no desenvolvimento de projetos de agricultura regenerativa e adoção de sistemas agroflorestais.
Um tema bastante controverso no Brasil, a real contribuição da pecuária nas emissões, entrou na meta dos países. O documento da COP considera que a pecuária é responsável por até 26% das emissões do sistema agroalimentar, por isso os países terão de reduzir as emissões com gado em 25% até 2030, na comparação com o que era emitido em 2020. Para atingir esse objetivo, uma das medidas propostas é a redução do consumo de carne pelos países ricos.
“A indústria pecuária deverá adequar as populações dos rebanhos às necessidades nutricionais dos países e responder às “oportunidades e restrições ambientais”, afirma o relatório, que reconhece que produtos de origem animal são uma fonte importante de “proteína de alta qualidade”.
A ampliação de práticas de agricultura regenerativa e do uso de insumos biológicos também foram contempladas na pauta. O objetivo é que os agricultores sejam incentivados a reduzir o uso de químicos, atuando com técnicas de melhoramento do solo para o incremento das lavouras. A meta é que sejam capturadas 10 giga toneladas adicionais de carbono por meio de terras agrícolas e pastagens entre 2025 e 2050.
Em resposta a esse tópico, especificamente, a Aliança das Florestas – com base nos compromissos alinhados na COP26 e COP27 – anunciou na edição da Conferência em Dubai, que 14 dos maiores comercializadores de produtos agrícolas do mundo estão progredindo na adoção de medidas que mitiguem os impactos de suas cadeias de abastecimento.
Nessa lista estão empresas como as gigantes dos grãos ADM (Archer-Daniels-Midland), Bunge e Cargill, além da Kraft Heinz, Syngenta, Lactalis USA e a brasileira JBS. De acordo com a Aliança, o grupo já investiu US$ 2 bilhões em projetos de agricultura regenerativa. Outros US$ 2,2 bilhões estão previstos em investimentos até 2030.
Como parte da agenda sobre agricultura Regenerativa, essas empresas em conjunto com governos de países como Brasil, Noruega, Ruanda e Camboja se comprometeram em promover práticas de agricultura regenerativa em mais 160 milhões de hectares, por meio de projetos de recuperação de solo, conservação de nascentes e da biodiversidade, além de controle e monitoramento de emissão de gases do efeito estufa com o objetivo de fortalecer cadeias produtivas e ecossistemas.
Além disso, 43 países aderiram ao Desafio da Água Doce, no qual se comprometeram a restaurar 30% dos ecossistemas de água degradados – o que equivale a cerca de 300 mil quilômetros de rios e 350 milhões de hectares de zonas úmidas do planeta até 2030. O objetivo é inovar no uso dos recursos hídricos, criando formas de utilização mais eficazes e menos nocivas para o meio ambiente.
A redução do desperdício de alimentos também entrou na conta: a ONU recomendou reduzir o desperdício alimentar per capita em 50% até 2030 e que até 2050, todas as perdas e desperdícios alimentares sejam integrados numa “bioeconomia circular e utilizados para alimentação animal, melhoria do solo ou produção de bioenergia”.
“Finalmente está sendo dada a devida atenção ao papel da agricultura e dos sistemas alimentares”, disse Andrew Deutz, Diretor Geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na TNC.
Apoio financeiro
Na última semana, os Estados Unidos e os Emirados Árabes Unidos anunciaram um esforço conjunto para ampliar para US$ 17 bilhões o financiamento para promover a agricultura favorável ao clima em todo o mundo. Os recursos são da Missão de Inovação Agrícola para o Clima (AIM for Climate), lançada em 2021 na COP26 em Glasgow, com recursos de governos, empresas e organizações não governamentais.
Outro grupo, composto por cerca de 20 empresas líderes do setor de alimentação em conjunto com o governo dos Emirados Árabes Unidos criou a First Movers Coalition for Food, iniciativa que utiliza o poder de compra de grandes marcas como Nestlé, Pepsico e Danone – estimado entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões até 2030 – para pressionar a adoção de práticas mais sustentáveis pelos produtores globais de alimentos.
Além dos compromissos empresariais, a coalisão First Movers anunciou que seus 95 membros assumiram coletivamente compromissos para desenvolver tecnologias de descarbonização até 2030 – e para o qual irão investir US$ 15 bilhões com a meta de reduzir até 29 milhões de toneladas de CO2 em emissões por ano. O compromisso é válido para emissões de escopo 1, 2 e 3, pois contempla monitorar e apoiar na redução de emissões de toda a cadeia, e não apenas próprias.
“Sem financiamento, você não pode pedir dos países em desenvolvimento que eles façam uma transição, porque eles têm todas as agendas acumuladas, agravadas pela mudança do clima”, comentou o embaixador André Corrêa do Lago, secretário para Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e negociador-chefe da delegação do Brasil na COP 28, no início da conferência.
O último levantamento do governo brasileiro calculou em cerca de US$ 57 bilhões o total de recursos anunciados durante a COP28. Entre os destaques estão o Fundo Verde para o Clima, de US$ 3,5 bilhões e um financiamento climático oferecido pelos Emirados Árabes unidos em parceria com o Banco Mundial, no valor de US$ 30 bilhões.
“Somos o que fazemos, não o que dizemos”. A frase é do presidente da COP28, Sultan al-Jaber, e indica o tom das conclusões finais do encontro, que teve alguns marcos históricos, vai depender, em grande medida, da vontade política de governos e empresas e, em alguma medida, da conscientização das pessoas sobre o preço que já estamos pagando pela mudança no clima do planeta.