As chuvas causadas pelo El Niño no ano passado afetaram a rentabilidade e a produtividade das principais culturas de inverno. O resultado é que, neste ano, as áreas destinadas aos cultivos de trigo, cevada, aveia e triticale serão menores ou praticamente iguais. Mas apesar disso, as projeções são de uma safra melhor, tanto em produção quanto em produtividade devido ao impacto de outro fator climático: o La Niña.
“O cenário para a safra de inverno desse ano é extremamente favorável, pois há uma grande tendência de La Niña a partir do segundo semestre”, afirma Marcelo Klein, engenheiro agrônomo da Embrapa Trigo, lembrando que em 2022, ano que teve influência do La Niña, foi o melhor para os cultivos de inverno da série histórica da Conab.
A produção brasileira de trigo em 2022 somou 10,5 milhões de toneladas. Para esse ano, a projeção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de 9,6 milhões de toneladas – aumento de 16% em relação a 2023, mas ainda menor que o recorde histórico.
“No ano passado, houve uma grande frustração dos agricultores com o trigo, devido ao excesso de chuva na região Sul causado pelo El Niño”, explicou Fernando Alves Gomes, analista da commodity no Itaú BBA. O resultado, segundo ele, se reflete na estimativa menor de área para esse ano: 3,2 milhões de hectares, redução de 6% em comparação a 2023.
Para as demais culturas, o cenário é parecido. A estimativa da Conab é que as áreas para cultivo de aveia, triticale e cevada se manterão as mesmas em 2024. Mas, assim como com o trigo, o clima vai ajudar no volume de produção e na produtividade.
É o caso da aveia. A expectativa da Conab é que a área plantada de aveia permaneça em 520 mil hectares, enquanto a produção vai subir 17% em relação ao ano passado, para 1,15 milhão de toneladas, ainda menor que a safra de 2022. A produtividade da aveia deve ser 16% maior.
Já a expectativa para a produção de cevada é de crescimento de 31%, para 514 mil toneladas este ano – atingindo uma produtividade similar, enquanto a produção de triticale vai crescer 22% – podendo chegar a quase 3 milhões toneladas na próxima safra.
Sul com chuva na dose certa
O grande volume de chuva que atingiu os estados do Paraná e Rio Grande do Sul entre setembro e outubro de 2023 como consequência do El Niño foi a razão dos prejuízos na safra passada. Mas para 2024, o Sul do país é a região que mais se beneficiará da incidência do La Niña.
“A característica do La Niña é de chuva no período de semeadura e clima seco na colheita, que é o ideal para o cultivo desses cereais de inverno”, explica o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Giovani Theisen.
João Lucas Davi, da Scot Consultoria, lembra que no caso do trigo, os estados do Rio Grande do Sul e do Paraná são os mais relevantes do país em termos de produção, com áreas de 1,4 milhão e 1,3 milhão de hectares, respectivamente. Isso os torna responsáveis por mais de 80% da produção nacional do cereal – além de fornecedores para o mercado internacional devido ao potencial produtivo.
“O aumento da produtividade previsto para 2024 está relacionado com os baixos rendimentos obtidos na safra passada, além da escassez de sementes no mercado”, explica Davi. “Essa dificuldade em se obter sementes tem relação direta com a redução das áreas de plantio.”
Klein, da Embrapa Trigo, disse que um levantamento feito pela APASSUL, associação dos produtores de sementes do Rio Grande do Sul, indicou que o estado teria hoje cerca de 3 milhões de sacas de sementes disponíveis – o que não é o bastante para todo o mercado. “O produtor costuma guardar sementes para a safra seguinte, mas em 2023 isso não aconteceu por causa do excesso de umidade”, explica.
Segundo ele, cerca de 30% das plantações de trigo do país são realizadas com a “semente salva” ou própria, o que não deve ocorrer esse ano.
O excesso de chuvas do ano passado não prejudicou apenas o armazenamento de sementes. Gomes, do BBA, estima que pelo menos um terço do trigo colhido na safra 2023 foi inviabilizado para consumo humano por causa das condições no período de colheita. Esse trigo precisou ser vendido para uso em ração animal.
“O grande volume das chuvas justamente no período da colheita do ano passado causou prejuízos à qualidade dos grãos, diminuindo o volume destinado à produção de sementes e à indústria de panificação”, explica Davi, da Scot Consultoria.
O resultado foi um aumento das exportações, já que 80% do consumo de trigo no país é para uso na indústria de panificação. Houve ainda queda dos preços – reduzindo ainda mais a rentabilidade do produtor, que chegou a ser de 30 a 40 sacas por hectares – quando a média histórica é de 60 a 70 sacas por hectare.
Autossuficiência
Em abril do ano passado, período de início do plantio, a estimativa da Conab era de uma safra de trigo de 10,5 milhões de toneladas, o que pavimentou estimativas mais otimistas de que o Brasil poderia atingir a autossuficiência na produção de trigo em menos de cinco anos. Mas a quebra da safra frustrou as expectativas.
Hoje, a demanda interna de trigo é de cerca de 13 milhões de toneladas por ano, suprida pelas importações – especialmente do cereal argentino. Mas o Brasil também exporta. Em janeiro deste ano, foram 810 mil toneladas, crescimento de 60% em relação ao mesmo período do ano passado – o que está diretamente relacionado com a qualidade inferior da produção passada – pois esse trigo exportado pelo Brasil tem como destino a produção de ração animal.
Mas atingir a autossuficiência depende da ampliação de áreas de cultivo, o que não irá acontecer esse ano. É preciso ainda investimento em diversificação nas áreas de cultivo. Jorge Lemainski, chefe geral da Embrapa Trigo, disse no ano passado ao AgFeed que o avanço da biotecnologia está permitindo a exploração do Cerrado para o cultivo do grão.
A estimativa da Conab é de que o Centro-Oeste brasileiro produza 411 mil toneladas de trigo este ano, dos quais cerca de 273 mil em Mato Grosso do Sul. “Estamos sempre buscando alternativas de cultivo para a entressafra da soja e, além do trigo, o sorgo, o milheto e o algodão têm se mostrado boas opções”, disse ao AgFeed Rogério Beretta, secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Mato Grosso do Sul.