A Índia é o país mais populoso do mundo com 1,4 bilhão de habitantes desde o ano passado, quando superou a China, mas também possui a maior concentração de cidades poluídas do planeta, o que torna cada vez mais urgente a busca por soluções sustentáveis em sua matriz energética, principalmente com biocombustíveis.

O Relatório Anual de Qualidade do Ar no Mundo, da IQAir, indicou para a Índia um índice de poluição 10 vezes superior ao limite fixado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como prejudicial para as pessoas.

E é justamente o impacto da poluição na qualidade de vida da sua população que tem feito o governo indiano acelerar suas metas de descarbonização. Além de implementar projetos que visam reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados e promover uma economia mais sustentável, a Índia tem adotado por lá uma diretriz que já vem sendo praticada no Brasil: ampliar a mistura de etanol na bomba de gasolina.

A meta do governo indiano era ampliar a mistura de etanol na gasolina para 20% até 2030. Mas a medida vem sendo antecipada e, atualmente, 15 cidades já utilizam a taxa de 20%, com expectativa de que o restante do país também antecipe a medida entre o final deste ano e o início do ano que vem.

“Podemos ter emoções com a política de etanol indiana”, diz Pedro Fernandes, diretor de Agronegócios do Itaú BBA, ao analisar as perspectivas para o mercado nacional – e global – da commodity, a partir das políticas que vêm sendo adotadas pelo país asiático. A Índia é uma das maiores produtoras e consumidoras do mundo de cana-de-açúcar, com grande influência no mercado global.

Além de ter a meta de se tornar net zero até 2070, a Índia tem desenvolvido políticas para reduzir sua dependência de óleo e gás. O país produz etanol usando cana-de-açúcar e grãos, o que desperta preocupações no governo, que teme que o maior uso desses insumos na produção de combustível impacte os preços dos alimentos, colocando mais pressão no já delicado cenário de segurança alimentar indiano.

Como resposta, o governo restringiu a produção de etanol baseada em produtos alimentícios, como arroz e cana-de-açúcar. “Em termos práticos, primeiro o governo deixou os preços de venda dessas fontes menos atrativos, depois restringiu diretamente essa produção”, explica o Itaú BBA em relatório sobre o tema.

Em artigo recente, o líder de mercados emergentes da Hedgepoint Global Markets, Vipul Bhandari, lembrou que as eleições indianas de 2024 – que mantiveram Narendra Modi como Primeiro-Ministro – reforçam a perspectiva de aumento da produção de biocombustíveis para reduzir a dependência do país no petróleo, ao mesmo tempo que aumentam a capacidade de exportação, afetando preços e previsibilidade no setor.

A estimativa é de que 5,1 milhões de toneladas de cana-de-açúcar sejam redirecionados para a produção de etanol este ano na Índia, o que reduziria em cerca de 1,5 milhão de toneladas a oferta indiana de açúcar – prevista em 34,5 milhões para a safra 2024/25, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Essa redução na oferta global do açúcar indiano, pode impactar preços globais – em especial quando se analisam as perspectivas de produção menor no Brasil. Segundo estimativas do USDA, a produção do Brasil na safra 2024/25 deve ser de 44 milhões de toneladas, 1,54 milhão de toneladas menor do que a safra anterior.

“Havia uma margem confortável para os preços do etanol, mas tem a questão do ‘mix’ no Brasil, que está abaixo do esperado, além de uma incerteza em relação à produtividade da safra por conta do clima”, diz Pedro, do Itaú BBA.

Por aqui, tanto as metas de adição de etanol na gasolina, quanto a destinação da colheita para produção de açúcar X etanol impactam a formação de preços. No caso do etanol produzido a partir do milho – considerando tanto a safra brasileira, quanto a americana – as projeções do Itaú BBA são positivas.

Esse contexto se dá num cenário de previsão de aumento do consumo global. As estimativas do Serviço Agrícola Estrangeiro do USDA são de que a produção global de açúcar em 2024/25 deve totalizar 186 milhões de toneladas, aumento de 1,38% ante a estimativa para 2023/24, de 183,5 milhões de toneladas.

Há ainda expectativa de maior consumo, puxado justamente pela Índia. O USDA projeta um aumento de 43% no consumo de etanol no país asiático – dos 6,75 bilhões de litros da safra 2023/24 para 9,67 bilhões em 2024/25, o que colocará ainda mais pressão nos preços. Esse cenário pode beneficiar tanto o Brasil, quanto os Estados Unidos, atualmente os maiores produtores de etanol do mundo.