Um operador entra na cabine da colheitadeira e aciona um botão que permite que ele converse com um computador. Ao se identificar, recebe da máquina as orientações para a realização do trabalho naquele dia. Ao longo de sua execução, a voz informa se a rota está correta, se o ritmo da colheita está bom, se há quebra de grãos ou se a peneira está funcionando como o previsto.

No final do dia, antes de deixar o volante da máquina, ainda é informado se a meta foi cumprida, quantas toneladas foram colhidas e em quanto tempo. Todas as informações vão para um banco de dados onde serão organizadas, analisadas e transformadas em orientações para que a colheita seguinte seja executada com ainda mais precisão e menos custos.

A rotina descrita acima é possível de ser implementada graças a amplificação do uso de Inteligência Artificial (IA) no agronegócio. Além de melhorar a precisão e abrangência da colheita, a IA já é usada para refinar previsões meteorológicas, rastrear animais no pasto, mensurar emissão de gases do efeito estufa (GEE), como o metano produzido pelo gado de corte e leite, além de escolher áreas para pulverização de defensivos agrícolas, identificar pragas – e orientar sobre como tratá-las.

Somente em Inteligência Artificial, a expectativa é que sejam investidos cerca de US$ 4 bilhões por ano até 2026, segundo projeções da MarketSands & Markets em estudo encomendado pela gigante da tecnologia Oracle. Em 2021, esse valor foi de US$ 1 bilhão.

Uma boa parte desse investimento vai impactar negócios no campo brasileiro. Um levantamento Embrapa, Sebrae e Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) aponta que 84% dos agricultores brasileiros já utilizam alguma solução tecnológica no campo.

“O Brasil é líder na produção agrícola em diversas frentes. Mas para se manter na liderança é importante continuar evoluindo no uso de tecnologia”, afirmou Daniel Costa, consultor de negócios do Instituto de Pesquisa Eldorado, em debate sobre tendências do uso IA pelo agronegócio realizado no Cubo Agro, em São Paulo, na última semana.

No encontro, a aplicação de ferramentas com IA foi apontada como uma das soluções para constante busca de equilíbrio entre a necessidade de ampliar a produção e ao mesmo tempo reduzir impactos ambientais inerentes do agronegócio.

“A demanda global por alimentos cresce na mesma medida em que a pressão por preservação dos recursos naturais”, afirmou Julia de Lucca, gerente de tecnologia do Itaú BBA, no Cubo.

É o que empresas como a BRF tem feito. Por meio do uso de IA da agtech Agrotools, a companhia monitora por satélite toda a sua produção. Entre uma das ações realizadas está a definição de rotas mais eficientes que resultam em menor emissão e carbono, o que colabora diretamente com os cumprimentos de metas ESG.

O uso de IA ajudou a BRF a reduzir em cerca de 60% o número de acidentes com operações logísticas agropecuárias, entre janeiro e junho deste ano, por exemplo.

Outra agtech, a AgroScout, usa inteligência artificial para mapear risco da atividade agrícola de seus clientes. “Por meio de drones ou imagens de satélite, é possível refinar o controle de pragas e, assim, otimizar o uso de defensivos agrícolas”, afirma Raquel Kibrit, gerente geral da empresa no Brasil.

De origem israelense, a AgroScout, coleta imagens e os dados por satélite ou drones e a ferramenta analisa, por exemplo, as folhas da plantação indicando se há pragas, qual tipo é e onde está localizada. “Assim, o tratamento é feito apenas no local específico, com a substância mais apropriada e não na área toda”, explica Raquel.

Maior produtividade

Além dos benefícios ligados ao cumprimento de metas ESG e otimização de recursos – não apenas ambientais, o ganho de produtividade é o que tem estimulado os investimentos em tecnologia pelo agronegócio brasileiro.

As agtechs – startups focadas no agronegócio – têm papel importante nesse processo, mas não só. A gigante de fertilizantes Yara, por exemplo, desenvolveu o N-Sensor, um sensor óptico que utiliza IA para captura de dados.

Ele fica acoplado em cima da máquina utilizada na aplicação de fertilizantes e é capaz de medir o teor de nitrogênio das culturas por meio de lasers, fornecendo dados atualizados e precisos para uma nutrição adequada das plantas. O resultado é redução de desperdício de insumos e otimização do tempo no manejo da lavoura.

A dsm-firmenich, de nutrição animal, também utiliza ferramentas digitais para coletar informações que são depois tratadas por inteligência artificial. É o caso da Lore, robô com IA da companhia voltada à pecuária de corte e de leite.

Lançada em maio de 2022, a tecnologia 100% nacional, ela aprende com as informações que recebe e se comunica com o gestor por áudio e mensagens de texto.

Trata-se de uma ampla plataforma digital de processamento de dados que monitora, produz diagnósticos, gera insights de soluções de problemas, predições de resultados e acompanha todas as informações da fazenda em tempo real.

Desde que foi lançada, a Lore analisou cerca de 56 milhões de cabeças de gado a pasto e processou dados referentes a mais de 600 mil animais em 72 fazendas de confinamento, o equivalente a 3,8 milhões de arrobas produzidas e cerca de 9% do rebanho confinado do país.

“O rastreamento logístico, a telemetria e os sensores para gerenciamento de campo são algumas das soluções que mais se beneficiam do uso de AI”, afirma Anselmo Del Toro, fundador da Solinftec, a maior agtech brasileira, que teve receita de R$ 320 milhões no ano passado.

Criadora da IA Alice, a agtech apoia a operação de grandes produtores como a Ammagi, Raízen, Tereos, Scheffer, SLC Agrícola, entre outros. Segundo Del Toro, a Alice controla o processo de coleta e gestão dos dados, produzindo insights e relatórios que ajudam as empresas a planejar melhor a produção – da colheita à logística.

Hoje, a ferramenta processa 3,7 trilhões de dados e gerencia 11,5 milhões de hectares, 1.200 estações meteorológicas e 42 mil computadores de bordo, como o utilizado na colheitadeira que orienta o motorista no seu dia trabalho.