Cana, milho, palma. Sudeste, Centro Oeste, Norte, Nordeste, Sul. Raízen, Acelen, FS Bionergia, Vibra, BBF. Não importa a cultura, a região, o grupo econômico. Para onde se olha, há investimentos para elevar a produção de biocombustíveis no Brasil.

Mais do que isso, para turbinar essa produção e levá-la para um novo estágio, que deve ser a fronteira de expansão desse mercado nas próximas décadas: os chamados combustíveis avançados.

Um levantamento feito pelo AgFeed mapeou pelo menos R$ 30 bilhões em projetos já anunciados por grandes grupos instalados no País para, até 2030, consolidar o Brasil como um dos líderes na corrida desse novo mercado.

Embalada pela pressão para a substituição de combustíveis fósseis por alternativas produzidas a partir de biomassa e com redução de mais de 50% nas emissões de gases de efeito estufa –, a demanda pelos biocombustíveis deve movimentar esse ano um mercado global de mais de US$ 19,2 bilhões, de acordo com Future Market Insight. Em dez anos, a projeção é que chegue a US$ 43 bilhões.

Na primeira fila na linha de largada estão Estados Unidos e Brasil, países que já lideram a produção e consumo dos biocombustíveis de primeira geração.

De acordo com a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), os dois países são responsáveis por mais de 80% da produção mundial de etanol e por cerca de 37% do biodiesel. E concentram hoje os principais investimentos para a próxima onda.

O conceito de combustíveis avançados é novo e varia conforme a visão. Na definição da Comissão Europeia, podem ser classificados como tal aqueles produzidos a partir de culturas não alimentares, resíduos agrícolas florestais ou com tecnologia com aproveitamento de biomassa de forma integral. Por esse critério, o etanol oriundo da cana-de-açúcar e do milho não é avançado.

Já nos EUA, no Brasil e em países asiáticos como o Japão e a China, por exemplo, são considerados avançados os biocombustíveis consegue reduzir em 50% ou mais as emissões de gases do efeito estufa (GEE) na comparação com o nível de emissão dos combustíveis fósseis.

“O diesel verde e o combustível sustentável de aviação (SAF) - ou bioquerosene de aviação (BioQAV) são os biocombustíveis avançados mais conhecidos”, explica Alexandre Alonso, Chefe Geral da Embrapa Agroenergia.

Para ele, o grande desafio do Brasil será atender, simultaneamente, regulações internacionais e climáticas referentes a descarbonização, mantendo seus custos competitivos.

A diversidade de investimentos no País indica que será possível agradar a gregos e troianos. De acordo com a Embrapa, atualmente existem sete processos homologados para produção de BioQAV/Diesel Verde no país, sendo os principais o Alcohol-to-Jet (ATJ), que parte do etanol para obtenção dos biocombustíveis avançados; Fischer-Tropsch, Hydrotreated Esters and Fatty Acids (HEFA), com processo mais desenvolvido e que utiliza óleos vegetais.

Mercado a jato

Um dos principais focos das empresas brasileiras e internacionais é justamento o mercado  de SAF. Com especificações regulatórias bastante rígidas, o setor prevê misturas entre 10-50% do biocombustível ao produto de origem fóssil.

Estudo da Iata (Associação Internacional de Transportes Aéreos) estima em 5 bilhões de litros a demanda de SAF em 2025, podendo chegar a 20 bilhões em 2030.

Ser o principal fornecedor das companhias aéreas nessa área é o objetivo declarado da Raízen, maior produtora brasileira de etanol de cana.

Parceira global da Shell, uma das líderes do mercado mundial de combustível para aviação, a empresa tem um programa massivo de transformação de suas plantas para a produção de etanol de segunda geração, o E2G, que serve de matéria prima para o SAF.

“Já estamos vendendo para SAF e as discussões que temos com os fabricantes são de grandes contratos”, afirmou o CEO da companhia, Ricardo Mussa, em entrevista recente à Bloomberg. “Temos mais demanda do que conseguimos atender”.

Não por acaso, portanto, a Raízen tem feito sucessivos investimentos na ampliação da capacidade de produção de E2G.

Em novembro passado, por exemplo, comunicou que assinou contrato com a Shell para o fornecimento de 3 bilhões de litros de E2G, o que viabilizou a construção de cinco plantas em cinco anos, num investimento de R$ 6 bilhões. O movimento faz parte de um plano estratégico que prevê 20 plantas até a safra 2030/31, anunciado no IPO realizado em 2021.

Considerando um investimento médio de R$ 1,2 bilhão por planta, seriam cerca de R$ 24 bilhões destinados a esse segmento. “O retorno com o E2G é brutal”, destacou o vice-presidente da Raízen, Francis Queen, ao falar sobre esse mercado durante o Raízen Day, convecção interna do grupo realizada em junho passado.

Isso acontece porque a tecnologia usada pela Raízen para produzir o E2G utiliza o bagaço extraído no processamento da cana-de-açúcar e que tem potencial de elevar em 50% a capacidade de produção de etanol com a mesma área plantada.

“O E2G produz cada vez mais litros de combustível por tonelada e resulta em uma molécula que reduz em torno de 90% as emissões de gases do efeito estufa na comparação com combustíveis fósseis, além de ter 30% menos emissões se comparado com o etanol de 1ª geração”, explica Samuel Pereira, Gerente de Transição Energética da Raízen.

“O etanol de cana de segunda geração produzido no Brasil atende os critérios do mercado americano”, afirma Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro. “Os Estados Unidos continuam sendo o principal mercado desse produto para o Brasil, pois apesar de serem um grande produtor, ainda precisam importar para atender a demanda de seu mercado.”

Os americanos são ao mesmo tempo clientes e os principais competidores nesse mercado. E isso não apenas para o etanol de cana.

Em maio passado, a gigante de tecnologia Honeywell International anunciou parceria com o Summit Agricultural Group, um dos maiores investidores em etanol de milho do mundo, para construir, até 2025, a maior planta de produção de SAF do mundo.

A Summit Next Gen, como foi batizada, será localizada no Golfo do México, uma localização estratégica tanto para receber etanol produzida pela Summit Ag no Meio oeste americano quanto o combustível produzido no Brasil pela FS Bioenergia.

Com usinas no Mato Grosso, entre elas a maior do mundo para produção de etanol de milho, a FS tem o grupo americano entre seus principais acionistas. Assim, o investimento americano se reflete por aqui também. A FS já anunciou mais R$ 5 bilhões em projetos no País nos próximos anos.

Da palma ao hidrogênio

Além dos combustíveis avançados derivados do etanol, a corrida inclui o biodiesel produzido a partir de outras commodities, como a palma ou a soja.

Hoje, os Estados Unidos são o único país do mundo que produz biodiesel considerado avançado. Mas no Brasil há movimentações nesse sentido.

Um exemplo é a parceria entre Vibra Energia e Brasil Biofuels (BBF) para produção e distribuição de biocombustíveis avançados a partir de 2025. A matéria-prima será o óleo de palma produzido na região norte do país.

Ao AgFeed, Milton Steagall, CEO Grupo BBF, disse que a estimativa da parceria, anunciada no ano passado, é produzir cerca de 500 milhões de litros de biocombustíveis anualmente.

“A biorrefinaria contará com investimento de R$ 2,2 bilhões e prevê ainda plantio adicional de 100.000 hectares de palma em Roraima até 2026, acelerando a recuperação de áreas degradadas da floresta e gerando mais de 12.000 empregos diretos”, conclui Steagall.

Outro exemplo é da Acelen, que pretende investir R$ 12 bilhões no biorrefino nas instalações da refinaria de Mataripe, na Bahia. Outro foco da Acelen é a produção de hidrogênio verde, outro combustível avançado que deve ganhar projeção nos próximos anos.

A Raízen também tem um projeto de produção de hidrogênio renovável a partir do etanol em ônibus e carros movidos à célula de combustão, que está sendo testado no campus da Universidade de São Paulo, em parceria com Shell Brasil, Hytron, RCGI, SENAI CETIQT e Toyota.

O vice-presidente do Conselho de Administração da Toyota, Shigeru Hayakawa, se comprometeu em seguir apoiando o Brasil no desenvolvimento de tecnologia para produção etanol como combustível veicular quando esteve com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, durante viagem ao Japão.

“Esse é um mercado muito promissor, com demanda que deve ser o dobro da produção mundial até 2050”, estima Nastari, da Datagro, ressaltando a necessidade de mais projetos de estímulo ao desenvolvimento de tecnologia, como o RenovaBio, lançado em 2016 pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

Entre as metas do programa está a expansão da produção de biocombustíveis, fundamentada na previsibilidade e sustentabilidade ambiental, econômica e social. O produtos-foco são o etanol anidro e hidratado (de primeira e de segunda geração); biodiesel; biometano, bioquerosene de aviação (bioQAV), além de biocombustíveis alternativos. A lista conta ainda com os efuels (que são os combustíveis sintéticos) e o hidrogênio renovável.