Um dos fenômenos mais comentados por todos os setores do agronegócio brasileiro nos últimos meses foi a mudança de comportamento do produtor rural. Em safras anteriores, ele realizava as compras dos insumos que usaria na safra com antecedência, gerando previsibilidade para varejo, indústrias e também para suas contas.
Na atual safra, uma boa parte dos produtores decidiu segurar as compras, que estão represadas tanto no mercado de fertilizantes quanto no de defensivos. A justificativa era aguardar uma possível queda dos preços para patamares mais favoráveis.
A má notícia é que essa probabilidade é cada vez mais baixa. Um dos principais motivos é a cotação do dólar, jpa que boa parte dos insumos tem seus preços balizados pela variação da moeda americana.
Mas não é só. Gargalos logísticos e questões geopolíticas têm influenciado negativamente os mercados e a tendência atual é a de que a pressão sobre os preços se mantenha nos próximos meses, com consequências diretas sobre os custos de produção da safra 2024/2025.
O frete marítimo, por exemplo, já pesa nas contas do setor. Segundo cálculos do Itaú BBA, os preços do transporte por contêineres subiram 80% desde maio.
Além de gargalos em trechos logísticos globais como o Canal do Panamá e o Canal de Suez, o segmento sofre com uma queda na oferta de contêineres, o que coloca mais pressão nos custos, em especial nos embarques entre Brasil e China.
Jeferson Souza, analista de mercado da Agrinvest, comenta que o Shanghai Containerized Freight Index, considerado um dos principais índices para precificação de fretes de contêineres do mundo, acumula alta de quase 100% em três meses, enquanto os custos do Baltic Exchange Dry Index, que analisam o frete de cargas secas, estão estáveis.
“Isso reforça que há um problema diretamente ligado aos containers”, diz.
Levantamento feito pela Bloomberg, com base em dados da empresa MTM Logix, apontou que desde o início do ano, a taxa de frete marítimo na rota comercial Ásia-Brasil mais do que dobrou – saindo de um teto de quase US$ 3.000 para US$ 6.773 para contêineres de até 40 pés em abril, chegando a cerca de US$ 8.000 em maio.
“O custo do frete de contêineres é um item importante e possui influência direta na precificação dos defensivos agrícolas”, afirma Francisco Queiroz, da consultoria Agro do Itaú BBA.
Ele lembra que essa alta, associada ao dólar mais caro, traz impacto para os preços de insumos agrícolas – entre eles defensivos e fertilizantes.
Cesar de Castro Alves, da consultoria Agro do Itaú BBA, afirma que o que preocupa mais é o impacto para os químicos/defensivos dado que o problema maior está nos fretes de contêineres e não no granel – e fertilizantes não são transportados em contêineres.
Em relatório recente, no qual analisa o cenário do mercado de fretes e fertilizantes, eles lembram que há uma diferença entre o impacto da alta de preços no mercado internacional quando se olha para fertilizantes e defensivos agrícolas.
Nos fertilizantes vendidos no mercado interno isso pode gerar efeito imediato nos preços. Já nos defensivos agrícolas, o processo de alta tende a ser mais lento.
Isso acontece devido ao período de transporte desses produtos da Ásia para o Brasil – que leva de 90 a 120 dias, o que posterga o repasse dos preços ao produtor.
“Os preços de grande parte dos defensivos, nesse momento, se encontram estáveis e em patamares mais baixos que os praticados nessa mesma época do ano passado”, explica Queiroz, do Itaú BBA.
Mas isso não significa que o aumento não vai chegar. A expectativa do Itaú BBA é de que diante da conjuntura de forte alta do frete e do câmbio haverá repasse de preços. E esse cenário pode encarecer os custos de produção dos agricultores brasileiros na safra 2024/2025.
“Para quem já comprou insumos, o dólar alto pode contribuir para melhorar a rentabilidade. Porém quem não comprou está numa situação delicada”, afirma Jefferson, da Agrinvest, em análise na qual resume o cenário da seguinte maneira: “Nessa altura do campeonato para aqueles que ainda não compraram seus insumos, todo cuidado é pouco.”
Efeito China
O Brasil é o maior importador de fertilizantes do mundo e compra no exterior mais da metade dos insumos agrícolas que consome, segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda).
A Rússia ainda é o principal fornecedor de produtos como fertilizantes e defensivos para o Brasil, mas vem perdendo espaço para a China desde o início da guerra contra a Ucrânia em fevereiro de 2022.
Em 2023, os chineses foram responsáveis por 15% das nossas importações, enquanto os russos tiveram participação de quase 30%. O Canadá ficou em terceiro lugar, com 13,18%, seguido por Marrocos (6,49%), Israel (4,79%) e Irã (4,51%).
Por isso, qualquer movimento da China coloca ainda mais pressão nesse contexto. E o país tem se movido.
Com o objetivo de proteger o produtor local da volatilidade global dos preços, reduzir custos e reforçar a segurança na oferta de cereais no mercado interno, o governo chinês passou a restringir as exportações de fertilizantes e defensivos.
As limitações começam a valer no início de junho e se aplicam às vendas de ureia e fosfatos, mas desde o início as vendas externas, sobretudo de ureia, estavam em níveis cerca de 90% inferiores ao do mesmo período no ano passado.
Isso tem frustrado as expectativas do mercado, que, conforme reportagem do AgFeed mostrou em abril passado, eram de que uma possível retomada das exportações da China trouxessem algum alívio ao mercado de insumos agrícolas.
Naquele momento, o cenário já era de oferta menor, com perspectivas de aumento de preços a partir do segundo semestre.
Os analistas do Itaú BBA lembram ainda das expectativas de que a Índia – outro grande consumidor de defensivos e fertilizantes – entre no mercado demandando insumos nas próximas semanas considerando que o país está com baixos estoques de fertilizantes.
“O Brasil é muito dependente de fertilizantes importados e eles são trazidos para o país via transporte marítimo. Os impactos nos preços do modal acabam sendo repassados para os custos dos fertilizantes de uma maneira ou de outra”, explica Rodrigo Scolaro, economista especializado em logística da GEP COSTDRIVERS.
Segundo Scolaro, não há perspectiva de normalização das principais rotas marítimas, o que amplia a pressão para que os preços se mantenham elevados. “As projeções são de aumento anual em 2024 em contêineres entre 60% e 130% em reais a depender da rota”.
O economista lembra que o transporte do granel, apesar do aumento mais contido, tem projeção de alta de cerca de 35% em dólares entre janeiro e dezembro deste ano. “Para 2025, os aumentos devem ser mais contidos, variando entre 6% e 8% em reais, mas ainda existem fatores que podem impactar os preços”, disse, lembrando que os repasses não necessariamente serão feitos de forma integral.