A implementação de modelos de rastreabilidade que contenham critérios com alto nível de confiabilidade e compliance está entre os grandes desafios para que a agricultura brasileira mantenha os níveis de exportações para a União Europeia (UE) assim que a nova legislação antidesmatamento entre em vigor de forma efetiva, no final deste ano.

“A rastreabilidade é a parte mais difícil, pois o regramento da lei adota padrões muito robustos do ponto de vista de controle, compliance e checagem de dados para qualificar quais produtos e países atendem às novas exigências”, disse Nikolay Mizulin, sócio do escritório de advocacia especializado em comércio internacional Mayer Brown, em evento em São Paulo essa semana.

A lei antidesmatamento da UE, ou Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês), entrou em vigor em 29 de junho de 2023, mas sua aplicação efetiva começa em dezembro desde ano.

Ela torna obrigatório que empresas sediadas na UE tenham sistemas de monitoramento de suas cadeias de fornecimento para garantir que os produtos importados não tenham sido produzidos em áreas de floresta desmatada a partir de dezembro de 2020.

Para que os produtos possam entrar na UE, será necessária a apresentação de dados e informações confiáveis e auditadas de coordenadas geográficas de áreas de plantio e de rastreabilidade de toda a cadeia, do campo aos terminais de armazenamento.

A medida engloba um número razoável de commodities, entre elas gado, soja, óleo de palma, café, cacau, madeira e borracha – produtos que integram a pauta brasileira de exportações.

“Há cadeias locais organizadas, como a do café, que estão mais preparadas para atender essas exigências”, diz Mizulin.

Ele explica que alguns grandes produtores e associações setoriais já adotam modelos validados de rastreabilidade dos produtos, com auditoria externa feita em muitos casos por ONGs (Organizações Não Governamentais), consideradas fundamentais para a emissão de certificados que garantem a origem dos produtos.

O advogado alerta que, apesar de necessários, os investimentos para implementar modelos robustos de rastreabilidade, com certificações que ajudem na construção das documentações exigidas pela EU, tornam as vendas para a Europa mais caras, além de elevar custos.

“Na ponta, a Europa vai pagar mais caro por exigir mais”, diz Mizulin, lembrando que esse cenário pode criar duas categorias de produtos, que terão mercados distintos.

“O produtor menor de soja, por exemplo, que pode simplesmente deixar de vender para a Europa e concentrar seus esforços na China, que tem critérios mais flexíveis e os grandes produtores e traders e os que já estão preparados e continuarão a vender para os europeus”.

Nessa conta, parece não haver espaço para os pequenos e médios, que tendem a ser os mais prejudicados pelas medidas – o que não se restringe ao Brasil, pois há ainda o caso do cacau africano, que tem recebido altos investimentos de companhias como a Nestlé, que precisa do insumo para produzir seus chocolates.

Impacto no comércio

A União Europeia, apesar de não ser o principal parceiro comercial do Brasil, possui um peso relevante na pauta de exportações do País.

Tanto que, no ano passado, assim que o EUDR foi aprovado na Europa, uma comitiva liderada pela Apex e pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços desembarcou na Europa para negociar os termos da lei.

De acordo com estimativa do governo federal brasileiro e do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), a lei antidesmatamento da UE terá um impacto de 34% nas exportações brasileiras para a Europa e de 15% no total das exportações totais do país.

Em declaração dada em outubro do ano passado após participar de reuniões em Bruxelas, a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, disse que o Brasil quer que seus dados sejam aceitos pela União Europeia: “O País já possui sistemas de rastreamento e monitoramento conceituados e confiáveis, com séries históricas robustas”, afirmou.

A regulação europeia define a quantidade de documentos e comprovações necessários para classificar o grau de risco de desmatamento de cada região exportadora.

Com isso, cabe ao importador tomar a decisão de correr o risco de comprar de um produtor que não tenha a comprovação exigida, sob pena de multa e até proibições de comercializar seus produtos na União Europeia.

Há uma grande discussão sobre em que medida a UE tem – ou não – condições de arbitrar sobre a documentação e os processos de rastreabilidade que já são emitidos e realizados pelo governo brasileiro, lembra Mizulin.

“O Brasil tem alguns modelos já implementados de rastreabilidade do campo que podem servir de referência para esse trabalho”.

Em pesquisa recente, a Climate Police Initiative citou atividades que permitem ao Brasil possuir um arcabouço sofisticado de políticas públicas para a conservação de suas florestas e demais formas de vegetação nativa.

Entre essas iniciativas está o Cadastro Ambiental Rural (CAR) com informações georreferenciadas das áreas com floresta e de uso agropecuário, que podem ser usadas para a geolocalização dos produtos a serem exportados.

Nessa lista estão ainda o Código Florestal, o CAR e a cadeia produtiva, cujo mapeamento mostra - como já ressaltado - o impacto desigual que os agricultores pequenos e de comunidades tradicionais têm em comparação aos produtores médios e grandes.