As previsões de quebra de safra de trigo na Rússia, o aumento do preço de commodities como café no mercado internacional e o impacto do clima na produção agrícola de países da Ásia e nos Estados Unidos fizeram soar um alerta. Em vários países, a ordem é ampliar estoques de alimentos para reduzir risco de desabastecimentos de suas populações em caso de uma nova crise global.
No seu boletim de junho, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgou que os estoques trimestrais de soja, trigo e milho ficaram acima da expectativa do mercado. Na Noruega, o governo informou semana passada que está construindo estoques de trigo para ter o suficiente para moagem por três meses até 2029.
“O peso da Noruega é pequeno”, diz Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, lembrando que, mesmo assim, o país nórdico pode ser um exemplo do que vem ocorrendo desde 2020, quando, por causa da pandemia de Covid, teve início um movimento de aumento de barreiras comerciais, em especial na Europa, mas não apenas.
“A Índia, um dos maiores produtores mundiais de arroz travou as exportações e fez o preço subir”, diz Jank, citando o exemplo do país asiático, cujo governo em outubro do ano passado proibiu seus produtores de venderem arroz para outros países usando como justificativa a necessidade de garantir segurança alimentar para sua população.
E a Índia nem é o país com maior nível de estoques do planeta – apesar de ser a nação mais populosa do mundo, tendo superado a China em 2023. Ao lado da Rússia, a Índia concentra 3% dos estoques globais, segundo explica Élcio Bento, da consultoria Safras & Mercado. A União Europeia está em terceiro lugar, com 5%, enquanto os Estados Unidos detêm 8% dos estoques. A líder é a China, com 53% do total.
“Juntos, esses cinco países e o bloco detêm 70% dos estoques globais de alimentos”, diz o analista. Hoje, os estoques globais são estimados em 252 milhões de toneladas, o que corresponde a 3,8 meses do consumo anual de 792 milhões de toneladas.
Nessa conta, diz Bento, a distribuição ainda é bastante desigual: a China tem 10 meses de consumo em estoques, enquanto a Índia atenderia apenas 24 dias.
Levantamento realizado pela Bloomberg mostra que a Europa é a região do mundo com os maiores índices de segurança alimentar, com destaque para Finlândia e Irlanda. Os países da África são os menos seguros do ponto de vista da oferta e abastecimento de alimentos.
Alcides Torres, da Scot Consultoria, afirma que a questão da segurança alimentar recrudesceu durante a pandemia e se intensificou com a guerra entre Rússia e Ucrânia. “Nesse período, o Brasil e os Estados Unidos mantiveram o fluxo de mercadoria sem interrupção, atendendo os países e respeitando os contratos, em especial para a China”.
“Após a invasão russa à Ucrânia houve uma corrida para aumentar estoques, temendo-se um desabastecimento. No entanto, no ano seguinte as vendas oriundas dos dois países (somadas) se elevaram e o mercado se acalmou”, diz Bento, da Safras & Mercado.
O analista explica que os chineses, pelo tamanho da população, sempre levaram muito a sério essa questão da segurança alimentar e que o atual contexto geopolítico, com continuidade da guerra na Ucrânia e no Oriente Médio associado ao um cenário nebuloso sobre o futuro das relações entre EUA e China – no caso de uma vitória de Donald Trump nas eleições –, pode colocar mais pressão em países que necessitem elevar estoques como segurança alimentar.
“Carregar estoques tem um custo alto e os grãos não podem ser estocados por períodos muito longos”, diz Bento.
Na visão dele, isso explica o fato de muitos países, inclusive o Brasil, não terem estoques públicos – ou terem estoques abaixo do que o recomendado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), que recomenda a manutenção de estoque para garantir o abastecimento por um mínimo de três meses.
No Brasil, o desafio é distruibuir
Na avaliação de Luiz Fernando Roque, da Safras & Mercado, o movimento verificado na pandemia arrefeceu nos últimos anos, especialmente por parte da China. Ele lembra que manter estoques é caro e que, no caso do Brasil, o nível dos estoques varia muito a depender da produção. “No Brasil, não vejo essa tendência de elevação de estoques”.
Torres, da Scot, também ressalta o custo elevado das reservas, o que na visão dele explica o motivo de o Brasil ter níveis bem abaixo do registrado por outros países. “Esse comportamento de elevação de estoques não existe no Brasil”, afirma, lembrando que por aqui a produção de carne bovina, suína e de grãos segue batendo recordes.
“O Brasil é um grande produtor de alimentos e por isso essas questões ainda não nos afetam”, diz Torres, lembrando que no Brasil o desafio está menos no estoque e mais na distribuição. “Tivemos a crise no Rio Grande do Sul, que é o maior produtor de arroz do país e ainda assim não foi necessário importar.