O Valentine 's Day, comemorado neste 14 de fevereiro pelos norte-americanos, teve sabor salgado para o consumidor e a indústria de chocolates nos Estados Unidos. A data, que movimenta o mercado de lá em níveis que lembram a páscoa no Brasil, foi marcada pelos preços 17% mais caros nas gôndolas, acabando com o otimismo da Confederação Nacional dos Confeiteiros dos Estados Unidos (CNA), que não espera aumento das vendas neste ano.

O fenômeno da elevação dos preços tem origem nas lavouras de cacau e tem tido efeito duradouro. De acordo com a CNA, já em dezembro passado o consumo de chocolate havia recuado 5%, apesar de outra data que costuma aquecer as vendas, o Natal.

A Mondelez, que fabrica marcas como BIS, Toblerone e Diamante Negro, informou na apresentação dos resultados financeiros de 2023 que o volume de vendas está desacelerando. Já a americana Hershey, uma das maiores fabricantes de chocolates do mundo, teve queda de 6,6% nas vendas no quarto trimestre e se viu obrigada a anunciar, na semana passada, um corte de custos de US$ 300 milhões, que inclui demissões.

“Os preços do cacau estão atingindo fortemente os fabricantes de chocolates. E a tendência é que essa alta não irá recuar tão cedo”, afirma Billy Roberts, economista que acompanha o mercado de alimentos e bebidas do CoBank, em relatório sobre o mercado de cacau.

O relatório do CoBank, instituição ligada ao sistema de crédito agrícola dos Estados Unidos, aponta que o chocolate mais caro é resultado direto de um movimento global nos preços do cacau, que estão quase 65% acima da média praticada há um ano.

Em Nova York, a tonelada da commoditie chegou a ser comercializada a US$ 6.001 no dia 13 de fevereiro, um recorde histórico. Movimento similar tem sido registrado na bolsa de Londres, onde os contratos futuros negociados na ICE London atingiram recorde de 4.916 libras por tonelada na última sexta-feira.

O ciclo de alta dos preços do cacau – e consequentemente do chocolate - tem a ver com uma regra básica da economia – potencializada em padrões globais: oferta e procura. De acordo com um relatório do Itaú BBA, a oferta global de cacau está menor que a demanda desde 2021.

Uma pesquisa realizada pela Reuters previu um déficit global de 375 mil toneladas no ciclo 2023/24, marcando o terceiro déficit consecutivo do mercado – ou seja, com demanda por chocolate maior que a oferta de cacau para sua produção. A última vez em que o mercado de cacau teve 3 déficits globais seguidos foi em 1969.

“O mercado tem enfrentado uma persistente escassez na oferta de cacau, resultando em um déficit na safra global por temporadas consecutivas”, afirma Cesar de Castro Alves, da Consultoria Agro do Itaú BBA. A estimativa é que esse cenário se repita no ciclo do cacau de 2023/2024, com demanda superior à oferta – e continuidade da alta da cotação no mercado internacional.

Segundo o Itaú BBA, em 2023, o cacau apresentou valorização de 63% na bolsa de Nova Iorque. No Brasil, na praça de Ilhéus, os preços subiram 56% no ano passado. Nos primeiros meses de 2024 as cotações do cacau seguem em trajetória de alta. Do início do ano até agora, em Nova Iorque e Ilhéus, o preço já subiu 29% e 22%, respectivamente.

“A curva de preços futuros segue mostrando patamares bastante elevados para as cotações durante todo o ano de 2024. O consumo forte e a demora para a regularização da oferta devem seguir sustentando os preços do cacau no mercado internacional. Entretanto, um ajuste adicional poderia vir diante de uma possível destruição da demanda, como reflexo desses preços altos”, diz o Itaú BBA em relatório.

Clima e baixo investimento

O descompasso entre oferta e demanda é influenciado pela produção de cacau na África Ocidental, que responde por cerca de 70% de toda a oferta mundial. A produtividade no continente tem sido instável nos últimos anos, afetando a consistência na oferta das amêndoas utilizadas para a fabricação do chocolate.

Entre os problemas estão a instabilidade climática, envelhecimento das árvores, práticas agrícolas inadequadas e o baixo volume de investimentos para renovação e melhoria do cultivo.

Na questão climática, a movimentação dos ventos Harmattan (ou Harmatão) - secos e frios e que invadem a costa ocidental africana durante os meses de dezembro a março. Eles estão com intensidade mais forte nessa temporada, impactando a produção.

Na Costa do Marfim, que concentra quase 60% de toda a oferta mundial, o clima mais seco que sucedeu um período com excesso de chuvas em 2023 ocasionou a proliferação de doenças nos cacaueiros. O resultado foi um recuo de 36% no volume de produção – que foi de 2,28 milhões de toneladas na safra 2022/2023.

Cenário semelhante é enfrentado por Gana, segundo maior produtor mundial – 680 mil toneladas no ciclo passado. O país teve no verão passado a pior colheita dos últimos 13 anos, com queda de 50% na produção. Há estimativa até de que os produtores locais não conseguirão cumprir contratos para entrega de cacau firmados com traders e processadores de cacau da Europa e Ásia neste ano.

De acordo com a International Cocoa Organization (ICCO), a produção mundial de cacau atingiu 4,95 milhões de toneladas no ciclo 2022/23, menor que a produção do ciclo anterior, que foi de mais de 5 milhões de toneladas.

Dessa produção, mais de 70% estão no continente africano, seguido pelas Américas, com 21% da produção global, e por Ásia & Oceania, com 5%. Os países que lideram a produção de cacau no mundo são Costa do Marfim, Gana, Equador, Camarões e Nigéria. O Brasil é, hoje, o sexto maior produtor global de cacau, com 220 mil toneladas por ano.

Cacau brasileiro

O País liderou a produção mundial de cacau nos anos 1980, mas atualmente precisa importar a matéria-prima para conseguir atender a demanda do mercado interno. Nesse período, a produção chegou ao recorde de 458,7 mil toneladas, com mais de 655 mil hectares de área colhida, no ano de 1986.

Hoje, o Brasil não produz nem metade do que chegou a colher nesse período. Entre as razões para o declínio na produção estão estiagens, queda nos preços internacionais e o avanço da doença “vassoura-de-bruxa” sobre as lavouras da Bahia, até então o maior produtor do país. O ataque da praga devastou a cacauicultura baiana, que ainda não voltou aos seus tempos de auge.

O estado do Pará é o atual maior produtor nacional, seguido pela Bahia. Juntos são responsáveis por aproximadamente 96% da oferta nacional. Uma pequena parcela é produzida por estados como o Espírito Santo, Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, além de outros estados, como Roraima, Amapá, Ceará, Minas Gerais e São Paulo, cuja produção está em fase inicial.

Mas o declínio na produção se deu de forma inversa ao crescimento da indústria nacional de processamento da amêndoa e produção de chocolates. Segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), a capacidade instalada no país permite atualmente a moagem de 275 mil toneladas de amêndoas – para uma oferta nacional que foi de 220 mil toneladas em 2023.

Apesar de o país ainda ter a necessidade de importar, o equilíbrio entre oferta local e o cacau importado tem diminuído. O uso de amêndoas nacionais cresceu 7% no ano passado. “Nos últimos anos tivemos um crescimento constante da produção de amêndoas de cacau no Brasil, reflexo dos diversos investimentos que estão sendo realizados com foco na melhoria da produtividade e nas novas áreas produtivas”, explicou a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi.

Já a industrialização de cacau no País, em 2023, teve um crescimento de 12%, frente aos números de 2022, o melhor resultado dos últimos cinco anos, alcançando o volume de mais de 253 mil toneladas de amêndoas de cacau.

Anna Paula afirma que “esses números comprovam o fortalecimento da cadeia produtiva, temos um maior volume de amêndoas sendo produzidas pelo País e, consequentemente, a indústria consegue ampliar sua produção”.

Essa maior produção, no entanto, não se refletiu em preços melhores na Páscoa do ano passado, quando os ovos custaram quase 24% mais que no ano anterior, segundo a Fipe. Ou seja, nesse pós-Carnaval, com os coelhinhos começando a surgir nas gôndolas dos supermercados, o que se espera é uma Páscoa no Brasil parecida com o Dia dos Namorados norte-americano: mais cara e com risco de impacto no volume das vendas.