O agronegócio brasileiro colheu, nas últimas semanas, uma safra de números recordes. IBGE, Conab e até o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgaram dados que mostram a ampliação da produção de várias das nossas principais commodities agropecuárias para níveis inéditos.

A Pesquisa da Pecuária Municipal,do IBGE, por exemplo, revelou que o país nunca teve rebanhos bovinos (234 milhões de cabeças), plante de suínos (44,4 milhões) e um efetivo de galináceos (mais de 1,5 bilhão) tão grande, movimentando negócios que superaram R$ 116 bilhões em valor de produtos pecuários.

Além disso a safra de grãos conseguiu se superar novamente, impulsionada pela demanda internacional, com estimativas de produções históricas.

Mas em que medida esses números são sustentáveis? O agronegócio brasileiro segue com bons índices de rentabilidade e produtividade? Quais são as estimativas para o futuro, considerando que os preços dos principais produtos exportados começam a cair e voltar aos patamares pré-pandemia de Covid-19?

“Se a produção aumenta é porque a rentabilidade existe”, afirma Migueal Faus, presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (ANEA).

No início de setembro, o USDA estimou que as vendas externas brasileiras da fibra atingirão 11,8 milhões de fardos em 2023, 550 mil a mais que no ano anterior, ameaçando a liderança global dos Estados Unidos no mercado global – os norte-americanos devem vender 12,3 milhões de fardos.

A possível ultrapassagem foi destacada no País, mas ela, de fato, só acontecerá se os produtores sentirem-se estimulados a manter e até mesmo ampliar as áreas cultivadas. Por enquanto, os números ainda são positivos, segundo Faus.

No caso do algodão, a rentabilidade média varia entre R$ 5 mil e R$ 6 mil por hectare, com produtividade que chega a 1.900 quilos por hectare – nos EUA, a média é 900 quilos por hectare, segundo a ANEA.

Já a soja, que em maio atingiu a menor cotação em três anos, segue garantindo suas margens com base na produtividade e no grande volume das colheitas, além de uma relevante queda nos custos de produção, com a redução dos preços de insumos e fertilizantes.

“O agro brasileiro cresceu muito em termos de produtividade nas últimas décadas. Estamos muito à frente de outros países e isso se reflete nos números da produção”, afirma Leandro Gilio, pesquisador sênior do Insper Agro Global, para quem os recordes de produção seguem sustentáveis para os próximos anos, considerando o grande potencial de melhoria nas práticas produtivas que vem sendo desenvolvidas no país.

Apesar do recuo nos preços de algumas commodities, as perspectivas ainda são boas para o setor.

A Conab estima que a produção de carnes (bovina, frango e suína) atingirá volume de 29,6 milhões de toneladas neste ano – 3,3% superior ao total de 2022. Já para a safra de grãos 2023/24, espera-se crescimento de 16% em relação ao recorde de 2022/23.

“A acomodação nos preços das commodities é uma realidade do mundo todo. Mas o Brasil tem a vantagem da segunda safra e de possuir tecnologias que o ajudam a ser cada vez mais competitivo”, afirma Gilio, do Insper Agro Global.

O Brasil hoje ocupa a posição de terceiro maior exportador de produtos agropecuários do mundo. Mas tende a ampliar a sua fatia nos próximos anos, segundo análise do Insper, baseada em dados do relatório Perspectivas Agrícolas 2023-3032, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). O relatório analisa as previsões para as commodities agropecuárias nos próximos dez anos.

Segundo o levantamento, o Brasil já representa 8,4% do comércio internacional de produtos do agronegócio, atrás apenas de Estados Unidos (2º) e União Europeia (1º). E poderá superar ambos até 2032, quando assumirá a liderança das exportações de alimentos em termos globais.

“Os Estados Unidos vem perdendo espaço no comércio de commodities em vários produtos, entre eles a soja, a carne e o milho”, afirma Gilio, lembrando que o Brasil tende a se destacar nas exportações de commodities básicas. “Seria saudável o país ampliar também a venda de produtos com maior valor agregado, como óleo, farelo de soja e biocombustíveis.”

A diversificação na pauta das exportações e a busca por acordos bilaterais que permitam ampliar o volume das vendas externas são os dois grandes desafios do Brasil para que o país amplie participação no mercado global de forma sustentável, na visão do pesquisador do Insper.

Outro desafio está em atender demandas externas relacionadas à sustentabilidade ambiental. O relatório da FAO/OCDE traz entre os destaques do potencial produtivo do Brasil, o fato de o país ocupar áreas do Cerrado para ampliar sua produção.

“Esse dado, associado ao arrefecimento da legislação ambiental da União Europeia – um grande mercado para o Brasil – é um fator de preocupação”, alerta a análise do Insper.

Giglio, no entanto, lembra que o Brasil tem como reverter esse contexto. “Temos cerca de 40 milhões de hectares em áreas de pasto degradada que podem ser recuperados e utilizados para a agricultura. Isso é um trunfo que nenhum outro país tem”, afirma.

O argumento de recuperação de áreas antes inutilizadas é um fator que pode ajudar o Brasil a manter e abrir mercados, considerando que está, ao lado de outras nações da América Latina, na lista da FAO de quem terá excedente de alimentos para exportar devido ao tamanho de sua população em comparação com países da Ásia, por exemplo.

Mais bocas para alimentar

A FAO e a OCDE estimam que o consumo global de alimentos deve crescer 1,3% em taxas anuais até 2032, graças à expansão populacional em países de baixa e média renda, localizados especialmente na Ásia e África.

A estimativa de ambas as instituições é de que a população mundial saltará dos 7,9 bilhões de habitantes de hoje para 8,6 bilhões em 2032. Isso representa um crescimento anual de 0,8% - menos que o 1,1% da última década, mas ainda é um aumento no número de pessoas que precisam se alimentar.

O relatório leva em consideração projeções econômicas do Fundo Monetário Internacional (FMI) – que prevê crescimento médio da economia global 2,6% para a próxima década. Também considera a previsão de diminuição da população da China a partir de 2022 e, no curto prazo, o impacto da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Do ponto de vista da oferta, a estimativa é de que as produções agrícola e de carnes crescerão 1,1% e 1,3% ao ano, respectivamente, com a aquicultura projetada para superar a pesca tradicional – o que cria mais uma oportunidade para o Brasil, que tem potencial de expandir sua participação nesse mercado.

A produção de aves representará cerca de metade do crescimento global da oferta de carne, enquanto a produção de carne suína deve retomar o crescimento do período pré-crise em alguns anos – pois ainda se recupera do surto de peste suína africana.

Já o cultivo de soja, milho, farinhas, carne e açúcar devem elevar a posição das exportações da América Latina em 17% até 2032 – com o Brasil liderando as vendas para o mercado global.