Apesar da recuperação nos preços do milho, verificada desde agosto, uma combinação de fatores levanta incertezas quanto à produção do grão.

Desafios climáticos enfrentados no início da safra de verão 2024/2025, somados a cotações pressionadas, podem reduzir a área semeada com o milho segunda safra e impactar negativamente a margem de lucro dos agricultores brasileiros.

Embora a desvalorização do real frente ao dólar tenha impulsionado os preços no mercado interno e estimulado as comercializações no Estado de Mato Grosso, principal produtor da segunda safra, essa melhora não é suficiente para compensar os custos elevados.

Durante a primeira quinzena de setembro de 2024, o preço médio do milho alcançou R$ 47 por saca, aumento de 11% em relação à média de junho de 2024, quando os valores estavam no menor patamar do ano.

Os preços do milho vinham acumulando quedas no mercado local desde o início do ano, mas a partir de agosto começaram a reagir, impulsionados sobretudo pelo câmbio, que tornou o cereal mais competitivo no cenário internacional.

Diante do cenário, a expectativa de analistas é de que a cultura perca espaço na segunda safra, a chamada Safrinha, do ciclo 2024/2025. Em seu lugar, produtores tenderiam a optar por outras que hoje se mostram mais rentáveis.

Uma cultura emergente na safrinha é o gergelim. A produção total do grão mais que dobrou entre as safras 2022/2023 e 2023/2024, passando de 174,2 mil para 361,3 mil toneladas – aumento de 107,4% – de acordo com levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em Mato Grosso, nessa mesma comparação, o crescimento foi de 171,3%, pois a produção saltou de 90,7 mil para 246,1 mil toneladas.

Além da demanda e da rentabilidade, pesam nessa escolha as características agronômicas. “Muitos produtores têm investido no gergelim por ser uma planta mais rústica em relação ao calor, que suporta melhor as altas temperaturas”, disse o analista da Consultoria Agro do Itaú BBA, Francisco Queiroz.

Para o especialista, outras culturas podem entrar nessa mudança de plantio, como o milheto e até mesmo o algodão. “No ano passado, vimos isso acontecer com produtores que trabalham algodão e milho na segunda safra”, afirmou Queiroz, acrescentando que a opção pela troca depende também de outras variáveis.

No Rabobank, a perspectiva é semelhante. O banco trabalha com uma estimativa de queda de 0,5% na área total de milho para a safra 2025, o que resultaria em uma produção de 125 milhões de toneladas, inferior à safra anterior.

“A gente está observando um atraso das chuvas, principalmente na região Centro-Oeste. Com isso, o plantio da soja está sendo postergado. Entendemos que, mediante esse atraso, o risco para a soja é muito pequeno, mas acaba sendo grande para a safrinha”, afirmou Marcela Marini, analista de grãos e oleaginosas do Rabobank Brasil.

Ela destacou que culturas como o algodão, que têm oferecido melhor rentabilidade, podem ganhar espaço sobre o milho, ampliando a tendência de redução da área dedicada ao cereal. Além disso, os produtores têm buscado outras alternativas mais rentáveis e que também podem disputar áreas menores.

Ainda falta chuva

De olho nesses fatores, a consultoria AgRural também está atenta ao quadro futuro da safrinha 2025, no entanto, sem projeções no momento. Para a empresa, é melhor aguardar o desenvolvimento da semeadura da soja e o impacto do clima sobre seu desenvolvimento.

“Se esse clima seco perdurar por todo o mês de outubro e o produtor não conseguir avançar no plantio da soja, haverá preocupação quanto à janela de plantio do milho safrinha do ano que vem”, disse o analista da AgRural, Adriano Gomes.

Conforme levantamento da consultoria, o plantio de soja da safra 2024/25 chegou a 0,9% da área estimada para o Brasil na última semana. Esse índice era de 1,9% no mesmo período da safra passada.

Houve avanço também nos trabalhos de campo do milho primeira safra: com 26% da área estimada semeada, ante 25% do ano anterior.

O alerta em relação ao milho está sendo acompanhado por consultorias, produtores e grandes empresas do setor, a exemplo da Corteva Agriscience, gigante multinacional de sementes.

Conforme noticiado pela Bloomberg, o CEO da companhia, Chuck Magro, expressou apreensão sobre os possíveis impactos do clima na safra brasileira de milho, quando participava de uma conferência agrícola realizada pelo BMO Financial Group nos Estados Unidos, na terça-feira, 24 de setembro.

Apesar de haver um alerta em relação à safra de 2024/2025, que pode enfrentar desafios climáticos semelhantes aos vividos pelos agricultores na Argentina, o executivo afirmou ser muito cedo para falar sobre tais impactos. Segundo ele, só em novembro a companhia apresentará sua perspectiva inicial sobre 2025.

De qualquer forma, a Corteva já afirma que, provavelmente, problemas nas colheitas em partes da América do Sul vão reduzir a estimativa de lucro para 2024, que até então estava entre US$ 3,4 bilhões e US$ 3,6 bilhões.

O cuidado da multinacional com as previsões faz sentido, pois todo mundo que tem interesse nas estatísticas da produção de grãos aguarda a definição das chuvas para ter qualquer certeza. No caso específico do milho, a expectativa é de aumento na produção. O Itaú BBA, por exemplo, estima que a safra 2024/25 renda 125 milhões de toneladas.

No entanto, tudo depende da chegada das chuvas, que estão atrasadas. “Quando começar a chover, devemos ter bons volumes, mas até lá fica uma indefinição”, disse Queiroz. “Em Mato Grosso, quem está plantando soja é porque tem irrigação.”

Nem mesmo o fenômeno climático La Niña, que favorece a incidência de chuvas, tem ajudado. Até o momento não se consolidou, o que pode ocorrer até novembro. E as avaliações sobre sua chegada indicam, de maneira geral, que terá fraca intensidade.

De olho no mercado externo

No que tange às exportações, o cenário é igualmente desafiador. A elevada disponibilidade de milho na Argentina e nos Estados Unidos prejudicou a competitividade do grão brasileiro no mercado internacional.

Segundo Marcela Marini, a expectativa de exportação para o encerramento de 2024 é de cerca de 39 milhões de toneladas — inferior ao volume enviado ao exterior no ano passado, em torno de 55 milhões de toneladas de milho.

“A gente já exportou quase 17 milhões de toneladas, de janeiro a agosto, e espera exportar mais 22 milhões de toneladas nos próximos quatro meses”, explicou a analista.

Para ela, essas exportações serão intensificadas nos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR) e Tubarão (ES), desempenhando papéis importantes no escoamento, em razão das limitações logísticas enfrentadas pelos portos do Arco Norte, afetados pela seca.

A visão é compartilhada pela AgRural, que projeta um total de 38 milhões de toneladas de milho exportadas pelo Brasil em 2024. “Os Estados Unidos tiveram uma safra muito boa este ano. Assim como a Argentina, que teve problemas no passado. Isso deve influenciar o mercado internacional”, explicou Adriano Gomes.

Para Francisco Queiroz, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA, é importante ficar de olho na China, peça fundamental no tabuleiro da comercialização mundial de milho. Segundo maior produtor global do cereal – foram 276 milhões de toneladas na safra 2023/24, de acordo com o USDA –, o gigante asiático é também o principal importador.

“Eles importaram 23 milhões de toneladas na última safra. Se reduzirem as compras nesta, haverá impactos no estoque mundial do grão”, afirmou Queiroz. Se depender das estimativas de aumento de produção, que pode chegar a 280 milhões de toneladas – segundo o USDA e o próprio Itaú BBA –, o caminho deve ser esse mesmo.

Resta saber quais serão as reais dimensões das importações de milho da China para entender o tamanho do impacto. “O USDA fala em 21 milhões de toneladas, os próprios chineses falam entre 13 milhões e 15 milhões e há quem defenda 7 milhões”, disse o consultor do Itaú BBA. “Estamos mais com eles, no meio termo, em torno dos 13 milhões de toneladas.”