Da produção de pneus, passando por utensílios domésticos e eletrônicos, a borracha movimentou um mercado global de US$ 22,55 bilhões em 2024, de acordo com dados da consultoria Business Research Insights. Segundo a análise, esse mercado tem potencial para chegar a US$ 32,53 bilhões em 2033.
Mas as boas notícias para o mercado dessa commodity – que já foi responsável por um dos maiores ciclos de desenvolvimento da região norte brasileira – terminam por aí.
Um descompasso entre oferta e demanda globais e as perdas produtivas ocasionadas pelas oscilações climáticas têm pressionado os preços do látex para cima. Ao mesmo tempo, a falta de mão de obra para trabalhar nos seringais tem desestimulado investimentos em novas áreas de plantio, fazendo com que não haja perspectivas de regularização nessa oferta.
Assim, a borracha segue, nos últimos meses, um roteiro semelhante ao de café e cacau, outros produtos agrícolas sensíveis às mudanças climáticas cujos estoques vem recuando por quebras de safras e cujas cotações têm batido sucessivos recordes no mercado internacional.
Isso porque a produção global de borracha natural está estimada em 15 milhões de toneladas na safra 2023/2024, enquanto o consumo estimado chegou a 13,6 milhões de toneladas no período, com perspectivas de continuar crescendo nos próximos anos.
O valor médio da borracha em 2024 foi o mais alto desde 2014. O produto foi um dos que mais registrou valorização, assim como o cacau e o café, que bateram recordes nas cotações.
No ano passado, por exemplo, os preços da borracha registraram 44,3% de alta. De acordo com dados da Statista, a cotação média da borracha na bolsa de Singapura saltou de US$ 1,58 o quilo em 2023 para US$ 2,28 o quilo em 2024. No início deste ano, recuaram um pouco, mas ainda se mantém acima dos US$ 2.
Inundações em muitas das regiões produtoras na Ásia, que respondem pela produção de 90% da borracha, causaram perdas consideráveis e influenciaram o mercado.
Só na Tailândia, a estimativa é de que a produção tenha recuado 320 mil toneladas por conta das inundações, o que representa aproximadamente 2% da oferta global do produto.
Na região, Indonésia, Vietnã, Malásia e China também se destacam na produção, além da costa do Marfim, na África. A China é também a maior consumidora, com 5,7 milhões de toneladas consumidas em 2022.
Grande parte dessa demanda é consumida pela indústria automobilística do país, com capacidade para produzir cerca de 40 milhões de veículos por ano, segundo a Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis (CAAM).
No Brasil, a assessora técnica da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Eduarda Lee, explica que essa “alta” é, na verdade, um ajuste dos preços. “Estamos vendo uma adequação dos preços depois de um período em que o setor amargou cotações bastante baixas”.
O diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor), Fabio Carlos Tonus, avalia que a melhora das cotações está diretamente relacionada a outros fatores, como a desvalorização do real frente ao dólar e também ao aumento do frete marítimo.
“Além disso, temos visto uma queda nos estoques globais de borracha, o que acaba pressionando os preços”, avalia.
Planta nativa amazônica
Apesar de ser nativa da região Amazônica, a seringueira foi levada para os países asiáticos no final do século 19 e se adaptou bem ao clima da região. Por aqui, o primeiro ciclo da borracha era majoritariamente extrativista e com baixa produtividade, mas promoveu uma era de prosperidade na região Norte do País na virada do século 19 para o século 20.
Décadas mais tarde, foi no noroeste do estado de São Paulo, nas regiões de São José do Rio Preto e Barretos, que a cultura se desenvolveu e ganhou escala. Atualmente, o estado responde por quase 70% da produção nacional, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parte dessa produção é feita justamente em consórcio com a produção de cacau. Por serem nativas do Brasil, ambas as plantas têm potencial para serem utilizadas na recuperação de áreas degradadas, por meio dos Sistemas Agroflorestais (SAF).
A produção de borracha brasileira também tem sofrido com as variações climáticas. Por aqui, por exemplo, a seca prolongada no interior de São Paulo em 2024 prejudicou o rendimento das seringueiras.
“Muitas áreas de seringais foram perdidas por conta dos incêndios, assim como aconteceu com a cana-de-açúcar”, explica Tonus.
A entidade não tem dados específicos sobre as perdas ocasionadas pela seca, mas a redução da produção acabou por impactar o setor, já que o Brasil, que já chegou a ser o maior exportador mundial da commodity, está longe de ser autossuficiente na produção de borracha.
Dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) apontam que, na safra 2023/2024, houve uma redução de 12,2% na área total cultivada com seringueiras no estado de São Paulo, ficando em 120 mil hectares.
A produção também recuou 13,1% e chegou a 245 mil toneladas de borracha natural. Segundo o relatório, as oscilações climáticas podem ter contribuído para essas reduções, mas não cita diretamente os impactos da seca e das queimadas na região.
Quando se trata da produção nacional, o volume chega a 398 mil toneladas, segundo o censo agropecuário de 2022, feito pelo IBGE. Em área, são mais de 193 mil hectares cultivados.
No entanto, o volume produzido pelo Brasil é insuficiente para atender à demanda doméstica. “O Brasil ainda importa entre 40% e 50% da borracha utilizada no mercado nacional”, pondera Tonus.
Além do estado de São Paulo, a produção de borracha também se desenvolveu em outras regiões não convencionais como Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso e Goiás, mas novos investimentos andam a passos lentos.

Apagão de mão de obra
“É uma cultura de longo prazo, do plantio à primeira colheita são no mínimo sete anos, é um investimento de alto risco”, explica o diretor do Grupo Otávio Lage, Rodrigo Penna. A holding é conhecida pelo cultivo de grãos, atividade pecuária e negócios no setor sucroenergético - este último por meio do grupo Jalles Machado.
A holding, por meio da subsidiária OL Látex, cultiva 3 mil hectares, com 1,5 milhão de árvores, divididos em quatro propriedades, sendo três em Goiás e uma no Tocantins.
Os primeiros plantios começaram em 1987 e surgiram como uma alternativa para realocar os colhedores de cana-de-açúcar das fazendas do grupo quando teve início a mecanização.
Ele conta que os primeiros cultivos foram feitos pelos sócios da holding em Goiás, de forma individual, fora do negócio. “Ninguém sabia se a cultura iria se adaptar na região. E aos poucos, depois de verem os bons resultados, os investimentos do grupo começaram ", relembra Penna.
Atualmente, a produção do grupo é de 11 mil toneladas de coágulos, o látex que escorre diretamente da copa das árvores por meio da sangria. Depois de secos, esses coágulos se transformam na borracha seca, cuja produção do grupo chega a 6,6 mil toneladas.
A produção média por hectare é de 2 toneladas. “Em algumas áreas temos pico de 2,7 toneladas, o dobro da média brasileira”, explica.
A produção do grupo é comercializada diretamente com as grandes fabricantes de pneus que possuem usinas de beneficiamento. É o caso de Pirelli, Michelin e a Braslatex, do grupo Rodobens. Para o atual ano-safra, que se encerra em março, a receita com a comercialização da borracha seca deve ficar na casa dos R$ 50 milhões.
Com a perspectiva de continuidade dos preços sustentados, somados a um dólar valorizado, além do aumento da produtividade previstos para as atuais áreas da OL Látex e entrada de novas plantas em sangria, o executivo explica que o faturamento da empresa deve crescer 50%.
Assim, para a temporada 2025/2026, que vai de abril a março, a expectativa é que a receita chegue a R$ 75 milhões.
Apesar dos preços em patamares melhores, Penna, da OL Látex explica que a companhia não prevê novos investimentos, seja no aumento da área ou no plantio de novas plantas.
Ele atribui a decisão do grupo a dois fatores principais: dificuldade de obter mão de obra qualificada e juros elevados.
“Vivemos uma realidade em que os juros oscilam a todo momento e a seringueira, por ser um negócio de longo prazo, acaba perdendo a atratividade”, pondera Penna.
O “apagão de mão de obra” a que Penna se refere é, segundo Tonus, da Apabor, um problema de todo o setor. Ele estima que entre 20% e 30% do potencial produtivo do estado de São Paulo deixará de ser alcançado por conta do déficit de trabalhadores.
Concorrência importada
Outro aspecto que compromete a expansão da heveicultura no Brasil é a concorrência cada vez mais intensa dos produtos importados, que chegam ao país por valores mais competitivos.
Eduarda Lee, da CNA, explica que essa concorrência acaba por desestimular principalmente os pequenos e médios produtores
“Tem muitos produtores abandonando a atividade. Estimativas indicam que a fila para erradicar as áreas com seringais no estado de São Paulo ultrapassam um ano, porque a conta não fecha”, explica Eduarda.
Apesar da grande competitividade enfrentada pelo produtor brasileiro diante dos produtos importados, dados levantados pela CNA indicam que a produtividade média brasileira em 2022 ficou em 1,37 toneladas por hectare, acima de outros concorrentes como Indonésia, com 845 quilos e a China, com 1 tonelada por hectare.
Diante desse cenário, em agosto de 2023 o setor conseguiu aprovar junto ao governo federal o reajuste da tarifa de importação para a borracha natural, que passou de 3,2% para 10,8%.
“Apesar de ser um percentual abaixo do considerado ideal, ele permite que haja uma recuperação gradual no médio prazo. O Brasil tem potencial para crescer, mas esbarra sempre nesse custo de produção alto frente aos produtos importados”, pondera a especialista.