O ano tem sido ingrato com o investidor americano de agtechs e foodtechs. Depois de uma indigestão com as empresas de proteínas alternativas, que vêm sofrendo para conquistar mercado e entregar resultados, alguns dos mais conhecidos projetos de agricultura tecnológica do país vêm mostrando que, diferente do que propagavam, não são imunes a pragas e, sobretudo, ao aumento de custos.

Assim como na produção convencional, em campo aberto, o cenário global difícil para crédito tem castigado as ações de startups que prometeram transformar a agricultura em um negócio de alta tecnologia e que receberam bilhões de dólares de investidores.

No mercado de capitais, a ação da Local Bounti, empresa de agricultura indoor, acumula uma baixa de 95% desde que abriu capital em 2021. Já o papel da AppHarvest, que também produz alimentos em ambientes fechados e controlados com o auxílio de robôs e sensores, recua mais de 98% desde sua máxima, também em 2021.

Depois de ter sido elevada ao status de unicórnio, com valor de mercado atingindo US$ 3,5 bilhões, a empresa recuou e hoje vale US$ 75 milhões.

A AppHarvest vem sofrendo nos dois últimos anos com um problema que muitos diziam não fazer parte do cenário das fazendas indoor. Infestações de pragas danificaram parte de seus tomates e morangos nas instalações de Kentucky em 2021 e 2022. Já no mês passado, a presença de bactérias a forçou a suspender as operações em uma de suas estufas.

Com a sucessão de problemas, o financiamento para o setor praticamente secou. Segundo números do AgFunder, essa indústria arrecadou um recorde de US$ 895 milhões no primeiro trimestre do ano passado. Até agora, em 2023, o valor é de cerca de US$ 10 milhões.

Em entrevista ao The Wall Street Journal, Paul Sellew, executivo-chefe da Little Leaf Farms, que cultiva alfaces em estufas de alta tecnologia, afirmou que o problema é que boa parte dessas startups “se descrevia como uma empresa de tecnologia”, quando na verdade o modelo de negócios dessas empresas era simplesmente produzir e vender vegetais, da mesma forma que as fazendas tradicionais.

Os negócios desse segmento surgiram com uma proposta de ser uma solução verde para o sistema alimentar norte-americano, que enfrenta desafios de clima extremo, uso pesado de recursos e uma dependência de algumas regiões específicas do país. O prospecto foi bem recebido, e atraiu investimentos até de grandes empresas como a Cargill e o Walmart.

A abertura de capital da AppHarvest e algumas outras empresas do setor foi feita com regras mais flexíveis, no modelo de SPAC - sigla para special-purpose acquisition companies –, que permite a apresentação de projeções de negócios sem o mesmo rigor na apresentação de dados às autoridades regulatórias de mercado.

No caso da AppHarvest, essas projeções indicavam vendas de US$ 60 milhões em 2022, mas o resultado real ficou em um quarto desse valor, frustrando investidores, que agora estariam descobrindo que a tecnologia não tem o poder de blindá-las de obstáculos vistos há centenas de anos no setor: altos custos de suprimentos, custos com energia e funcionários.

No Brasil, o segmento de fazendas indoor também conquistou alguns cheques importantes, embora bem mais modestos do que os assinados nos Estados Unidos. Uma das maiores empresas desse segmento de fazendas tecnológicas é a Pink Farms, empresa especializada na produção de folhas em fazendas urbanas verticais.

Grandes players do agro apostaram no projeto. No caso da Pink Farms, a SLC Agrícola, por meio da SLC Ventures, colocou dinheiro no negócio. Em novembro do ano passado, a empresa liderou uma rodada em que a startup buscava captar R$ 15 milhões.

Antes disso, a Pink Farms já tinha levantado mais de R$ 6,8 milhões, com aportes da Grão VC e de investidores-anjo como Christophe Allain, da Jasmine.