O processo de avaliação de qualidade do café ainda é muito manual. Depende da logística de envio de remessas, análises sensoriais e processos de degustação que levam bastante tempo.
Mas, se depender dos planos e da tecnologia desenvolvida por uma startup de Singapura, um virada de chave em todo esse processo pode estar prestes a acontecer.
A ProfilePrint desenvolveu uma máquina portátil que está há três anos no mercado, lembra muito uma máquina dompestica de café espresso e utiliza inteligência artificial para avaliar a qualidade de café, chá, grãos, feijão e cacau.
Basta inserir um punhado de grãos – algo como 10 gramas – em um recepiente que lembra uma cápsula. Depois de repetir esse processos algumas vezes e em poucos minutos, um relatório com toda a análise já está pronto com uma espécie de "impressão digital" da amostra, podendo ser acessado no computador.
Agora, a startup aperfeiçoou essa tecnologia, desenvolvendo um novo equipamento chamada Orca – muito parecido em termos de design com o anterior –, que vai permitir analisar características mais complexas, como aromas, e ampliar a avaliação para além dos grãos de café, abarcando também ingredientes processados e especiarias.
Inédita no mercado, essa nova tecnologia ainda está em fase de desenvolvimento e deve começar a ser comercializada em janeiro do ano que vem, afirmou Alan Lai, fundador e CEO da ProfilePrint, ao AgFeed.
“A ideia é que um comprador e um vendedor não precisem mais enviar amostras, fazer degustações, porque você pode enviar a impressão digital para avaliação diretamente no computador, não importa onde você esteja”, disse ele.
Com clientes em todas as partes do mundo, incluindo empresas americanas, japonesas e europeias, segundo Lai, a startup escolheu o Brasil como um dos países para testar essa tecnologia.
Lai esteve pessoalmente em São Paulo nesta terça-feira, 24 de setembro, para um encontro com jornalistas e para fechar acordos com grandes cooperativas exportadoras do café brasileiro, como Cooxupé e Minasul, além do Instituto CNA, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Os representantes da ProfilePrint não deram mais detalhes sobre os acordos e quantidades de equipamentos a serem utilizados pelas cooperativas.
“Nossa parceria com a ProfilePrint nos permite continuar na vanguarda da inovação, garantindo que continuemos a entregar café de alta qualidade ao mercado global com processos mais eficientes e sustentáveis”, disse Mário Panhotta, superintendente de novos negócios e torrefação de café da Cooxupé, em nota.
“A Minasul está entusiasmada em colaborar com a ProfilePrint no desenvolvimento de soluções que irão transformar a forma como a qualidade do café é avaliada, reforçando nosso compromisso com a inovação e a excelência no setor”, afirmou o diretor de novos negócios da Minasul, Luis Henrique Albinati, também em nota.
Novo deal
Esse é o segundo grande anúncio da startup no País em pouco de mais de ano. Em fevereiro de 2023, a ProfilePrint chegou ao mercado brasileiro com pé na porta, ao fechar contratos com as tradings Sucafina, Olam e Louis Dreyfus Company (LDC).
Hoje, quatro máquinas operam no Brasil e outras duas estão em testes, segundo Nicholas Yamada, gerente de desenvolvimento de negócios, o representante da empresa no Brasil.
O País novamente entrou no radar da empresa para receber a nova tecnologia não apenas por ser o maior exportador de café do mundo, mas também por uma demanda dos produtores nacionais.
“Uma das coisas mais importantes que percebemos em nossos esforços no Brasil é que, para a indústria do café, os defeitos são muito importantes, pois afetam os preços dos grãos de café”, afirmou Lai.
A startup foi criada em 2017 e recebeu investimentos de fundos e do governo de Singapura. Em dezembro do ano passado, a empresa disse ter finalizado uma rodada de investimentos do tipo série B - quando a startup já está mais madura – sem, no entanto, ter revelado o valor.
Hoje, a ProfilePrint afirma ter quase 100 máquinas espalhadas ao redor do mundo, com presença em países da América do Sul, América do Norte, Ásia, África e Europa.
Lai prefere não revelar preços e investimentos no negócio, mas diz que o modelo de negócio da startup é baseado em assinaturas.
“Não vendemos o analisador. Oferecemos serviços para nossos clientes em uma base de assinatura. Quanto mais você usa, mais implantações, mais modelos de IA, mais você paga. Pode ser tão pouco quanto US$ 1 mil por mês”, afirmou o CEO da ProfilePrint.
As máquinas são cedidas aos clientes, que podem fazer suas análises sem terem de se deslocar aos escritórios da startup, localizados em São Paulo, Xangai, Tóquio e Singapura.
“(O equipamento) é super portátil, pode botar na fazenda, no laboratório de prova, no escritório ou na sua casa. Ele foi feita pensando na acessibilidade”, afirmou Nicholas Yamada.
De acordo com o executivo brasileiro da ProfilePrint, a ideia da startup é também ter máquinas trabalhando em rede, com um equipamento principal em um grande centro cafeeiro, por exemplo, e outras máquinas recebendo amostras em paralelo.
Mais do que um cafezinho
Além do café, a startup pretende, com sua nova tecnologia, fazer a avaliação de grãos de café torrados, café solúvel, sucos, flavorizantes, aromatizantes e amidos.
Mas, por suas particularidades, o café sai na frente entre as culturas que podem ser mais beneficiadas no Brasil pelas possibilidades de utilização dessa nova tecnologia.
"Na indústria do café, o maior desafio está no grão, que (às vezes) parece totalmente perfeito por fora, mas tem sabor fenólico [um sabor mais forte que o normal], mordida de inseto, fermentação", disse Alan Lai, o CEO.
"Quando você envia para seu maior cliente e o grão é rejeitado, o custo de uma rejeição é extremamente caro, porque toda a remessa de um contêiner é devolvida e quem vai pagar pelo custo? O vendedor."
A tecnologia desenvolvida pela startup envolve a coleta de “impressões digitais” de amostras de grãos de café, sintetizando dados moleculares complexos dos ingredientes.
Esses dados são processados com tecnologia e indicam, na plataforma da empresa, informações sobre a qualidade e sabor dos grãos e até mesmo defeitos que não são visiveis ao olhar, como mofo, danos ao grão e fermentação leve, um gargalo no processo de inspeção visual.
Tudo isso acontece de forma rápida. Nicholas Yamada, o gerente de desenvolvimento de negócios da empresa, diz que, para se fazer a análise completa de 200g de café, por exemplo, pode-se levar entre dois a três minutos, com a geração de um relatório com todos os dados na sequência.
Yamada prefere não arriscar uma quantidade de máquinas a serem implantadas no Brasil à frente – até pelos projetos de cada cliente serem muito particulares, ainda que utilizem a mesma tecnologia.
“Não vai ser de imediato que vamos ter 50, 100 (máquinas analisadoras). A gente quer expandir esse projeto daqui a um ano e quer que daqui a dois anos seja ainda maior”, disse ele.
Ele atenta também para o fato de que o setor cafeeiro ainda é muito tradicional. “A tecnologia da ProfilePrint, por ser disruptiva, tem um tempo de adaptação”, afirma Yamada.
Inicialmente, a ProfilePrint atuava mais com traders e empresas de torrefação. Agora, tem levado suas tecnologias também aos produtores – e o acordo com a Cooxupé e Minasul, duas grandes exportadoras de café, reforça essa tendência, na avaliação de Alan Lai.
Ele acredita que essa seja uma importante forma de integração de valor de toda a cadeia, diminuindo custos logísticos.
De qualquer forma, o CEO da startup acredita que toda essa transformação vai acontecer de forma paulatina – e a ideia não é substituir, por exemplo, o provador, ator importante na certificação dos produtos.
“Não acreditamos que uma tecnologia como essa possa substituir os humanos, mas tornará os humanos mais produtivos. E a única maneira é gastar tempo educando e trabalhando de perto com eles para que possam maximizar ferramentas como essa.”
“É semelhante ao que aconteceu quando os computadores começaram a substituir as máquinas de escrever”, exemplificou ele.
“Meu pai costumava ficar muito orgulhoso quando recebia um certificado que dizia que ele conseguia digitar 101 palavras por minuto - e também foi um dos últimos que quis usar um computador. Levou 10 anos até ele aprender a usar um computador, e hoje usa tanto quanto eu.”