Em um laboratório da Universidade da Flórida, os computadores “degustam” mirtilos e tomates. E, como “sommelier de frutas”, usam inteligência artificial para determinar o que os fazem mais saborosos.
Para os tomates, as máquinas avaliam dados estimados em 17 mil linhas de excel. Nos mirtilos, 15 mil linhas. A partir deles, o software consegue indicar quais compostos químicos (açúcares e ácidos, por exemplo) produzem os melhores sabores de frutas, com base nas preferências do consumidor.
O estudo, que tem atraído a atenção de empresas de alimentos nos Estados Unidos, tem entre seus líderes o brasileiro Márcio Resende, engenheiro florestal formado na Universidade Federal de Viçosa e doutor em melhoramento genético pela própria Universidade da Flórida.
Como professor assistente desde 2017, ele comanda um programa de pesquisa de melhoramento e desenvolvimento de variedades e cultivares ligado ao milho doce, conhecido como milho verde no Brasil, e com batatas.
O programa com os mirtilos e os tomates é tocado em paralelo por Resende, em conjunto com outros laboratórios da universidade.
O foco final, em ambos os casos, é o mesmo: entender quais vegetais possuem o melhor sabor para o consumidor. Mas, segundo Resende, a experiência com o milho e com a batata são menos complexos que os dos frutos.
“O sabor do milho verde é definido pela quantidade de açúcar e pela espessura do pericarpo”, disse ao AgFeed.
Ele detalhou que o projeto com os mirtilos e os tomates, além das observações físicas e químicas, envolve um processo de teste com 100 pessoas para cada vegetal. Elas provam cerca de 200 diferentes variedades e anotam percepções sobre o amargor e a textura de cada uma delas.
No fim das contas, a avaliação dos chamados painelistas é inserida no algoritmo, que usa a composição para eleger as “melhores frutas”. A partir dali, o laboratório entra em ação para equilibrar gosto e produtividade e, no futuro, vender a tecnologia da “fruta perfeita” para uma empresa da indústria alimentícia.
“Melhoramento é número. O melhorista precisa avaliar um número grande de diferentes variedades para achar uma agulha no palheiro”, afirmou Resende. “A IA ajuda a adiantar todo esse processo”.
O mineiro Márcio Resende tem os pés no agro desde antes de ingressar no curso de engenharia florestal em Viçosa. Natural de Belo Horizonte, ele conta que sua família sempre teve uma “rocinha”, onde seu pai plantava milho para alimentar as vacas e os bois que criava. E onde também mantinha, “por hobbie”, algumas galinhas, porcos e árvores frutíferas.
Quando terminou a graduação, Resende fez seu mestrado em mlehoramento genético também em Viçosa. Na época, seu foco era o eucalipto. “Antes de 2010, o melhoramento genético já era avançado para animais, mas ainda não em plantas. Apresentamos os estudos inclusive para empresas do setor, como Suzano e Aracruz Celulose”, disse.
A ideia, que caracterizava o DNA das árvores, era pioneira na academia e chamou a atenção das empresas, que até financiaram partes da pesquisa. Márcio chegou a estruturar um plano de negócio para criar uma empresa, mas colocou a ideia na geladeira quando a oportunidade de fazer o doutorado na Flórida bateu à porta.
Lá, onde vive desde 2010, ele começou a atuar no laboratório de outro professor brasileiro, Matias Kirst. No doutorado, ele continuou a atuar com os modelos de melhoramento, que já usavam técnicas equivalentes às da inteligência artificial, mesmo que não fossem chamadas assim.
“Já existia um aprendizado da máquina e desenvolvemos um método, no laboratório, de genotipagem do DNA dessas plantas”, comentou.
Durante o doutorado, Resende, Kirst e um terceiro brasileiro que também pesquisava na universidade, Leandro Neves, decidiram criar, em 2013, uma empresa. A Rapid Genomics tinha foco na prestação de serviços e na aceleração do melhoramento de plantas em geral.
Até o ano passado, quando a startup foi comprada pelo Grupo LGC, empresa focada em biopesquisa, a companhia atendeu clientes de todos os continentes, incluindo o Brasil, em pesquisas para a soja, milho, setor florestal e cana-de-açúcar.
Ele conta que a empresa, onde tuou como CEO entre 2014 e 2017, após seu doutorado terminar, recebeu aportes ao longo do tempo de alguns investidores. O valor da aquisição não foi divulgado pelas companhias.
Ele deixou a Rapid Genomics em 2017, quando aceitou o convite para se tornar professor assistente na Universidade da Flórida e retomar seu lado acadêmico no melhoramento genético.
Resende ressalta que esse tipo de melhoramento genético é diferente daquele utilizado na indústria de grãos de exportação, mais ligado à produtividade, e não ao sabor.
“O melhoramento de vegetais para consumo tem uma série de características estéticas como cor, textura e aparência”, completa. A capacidade produtiva de um composto que tem um “sabor melhor” também é levado em consideração, até para a produção prática ser rentável, mas não é o primeiro objetivo.
No seu grupo de pesquisa, estão 20 pessoas da graduação e da pós-graduação, cada uma com seu projeto pessoal dentro do melhoramento genético.
Resende conta que o processo de melhoramento tem rotinas que englobam temporadas no campo, para aferir os resultados e monitorar os cultivos. Esses testes podem ser feitos na fazenda experimental da instituição ou com produtores e empresas parceiras.
“Quando publicamos uma pesquisa, muitas empresas entram em contato interessadas em ouvir mais sobre o modelo. O programa de mirtilo, por exemplo, envolve variedades do mundo todo, mas a origem da licença está associada à Universidade”, diz.
Com isso, se uma empresa se interessa em produzir uma espécie desenvolvida no campus, ela compra esse material genético, cruza com suas variedades e vende. A Universidade ganha royalties por cada venda.
O melhoramento genético leva tempo e Marcio Resende explicou que nenhuma variedade de milho ou batata que ele está desenvolvendo já está no prato do consumidor americano. Por enquanto.