Larry Ellison é um gigante do Vale do Silício. Bilionário, ganhou fama e fortuna como fundador da Oracle, uma das maiores empresas de software do mundo.

E, como muitos de seus pares no mundo das big techs, acredita ter o toque de Midas e o dom de transformar o mundo a partir da inovação e de quantidades quase ilimitadas de dólares.

Nos últimos anos, entretanto, parece ter sido puxado de volta à Terra e ao mundo dos mortais. Isso, por cota de um projeto faraônico de reinventar a agricultura a partir de investimentos em uma ilha no meio do Oceano Pacífico.

A história começou em 2012, quando Ellison, literalmente, comprou um abacaxi. Ou melhor, uma enorme fazenda deles. Assinou um cheque de US$ 300 milhões de dólares por uma grande propriedade de 362 mil hectares e se tornou dono de 98% das terras da Ilha Lanai, no arquipélago do Havaí.

Foi ali que o “visionário”, hoje com 80 anos e uma fortuna estimada em US$ 200 bilhões, instalou quatro anos depois a empresa que esperava ver como um legado seu para a humanidade: a Sensei Farms.

E, ao longo desse período, investiu outro meio bilhão de dólares nela – obtendo resultados pífios, segundo relatou uma reportagem recente do The Wall Street Journal.

No sonho de Larry Ellison, Lanai seria um paraíso sustentável, onde estufas controladas por inteligência artificial e operadas por robôs seriam usadas na produção de alimentos em escala.

“Temos uma ilha na qual não podemos cultivar coisas e para a qual precisamos de comida. Vamos fazer isso. Mas, ao mesmo tempo, vamos mudar a agricultura”, anunciou ele no início do projeto.

Ellison imaginou que escolher uma ilha vulcânica, de solos e clima inóspitos, o ajudariam a provar a tese de que se é possível plantar ali, seria possível colher em qualquer lugar.

Mas Lanai tornou-se um ambiente em que floresceram pecados corporativos de todas as espécies – no planejamento, no projeto, na execução e na soberba de desconhecer e/ou ignorar alguns princípios básicos da agricultura.

Antes de Ellison chegar, a ilha até foi produtiva no cultivo extensivo de abacaxis – chegou a sair dali 75% da produção mundial da fruta .

Explorada ao limite por muitas décadas pela família Dole, uma das maiores produtoras de frutas do mundo, acabou se tornando um ambiente árido, onde a atividade econômica acabou limitada à operação de alguns resorts em suas praias.

O pecado original de Ellison, entretanto, parece ter sido a percepção de que o dinheiro compra tudo. Na escolha do sócio que iria tocar o negócio, por exemplo, ele optou por David Agus -- um famoso médico que conheceu por intermédio de Steve Jobs, o lendário fundador da Apple, mas com nenhuma familiaridade com o ramo agrícola.

Os dois passaram a pesquisar as melhores tecnologias de produção indoor mundo afora e tentaram aplicá-las no Havaí. Estufas planejadas no clima seco de Israel fracassaram na umidade de Lanai.

Os fortes ventos alíseos que assolam a ilha destruíram os painéis solares – erguidos em parceria com a Tesla, de Ellon Musk –, que deveriam gerar energia.

A conexão via wi-fi era um problema constante – e, com isso, sensores e máquinas autônomas não funcionavam da maneira esperada.

A escolha das culturas e a introdução de variedades, feita de forma caótica, resultou também na importação de pragas, que limitaram o número de opçõoes de cultivo na ilha.

A Sensiei tentou também alternativas longe do Havaí. Adquiriu megainstalações de estufas no Canadá, totalizando um investimento de aproximadamente US$ 200 milhões. Segundo o WSJ, apenas 5% de sua capacidade produtiva é utilizada atualmente.

Assim, a Sensei colheu várias safras de fracassos e o sonho de mais de uma década é hoje um pesadelo permanente.

Estufa para a produção de tomates-cereja em Lanai

Nos últimos anos, Ellison vem tentando corrigir a rota da Sensei. Mudou o comando da companhia, trazendo para a direção do projeto Dave Douglas, um experiente executivo da área de tecnologia sediado em Boston.

Hoje, a produção da Sensei está disponível em alguns poucos mercados e restaurantes locais da ilha.

Segundo o site local Beat of The Hawai, é “a alface mais cara do Havaí”, vendida a cerca de US$ 24 uma porção de uma libra (ou 0,45 quilo).

O WSJ aponta que a Sensei tem um terço do mercado de de alface baby e tomate cereja do Havaí, com quase um terço do mercado.E sua operação em Ontário deu à empresa canais de distribuição para redes de supermercados na Costa Leste dos EUA e Canadá. Muito pouco perto do sonho original.

O foco atual da empresa parece mais voltado ao desenvolvimento de softwares para agricultura indoor do que para a criação de um modelo capaz de refundar a produção agrícola, como Ellison ambicionava no princípio.

A intenção agora é criar um pacote de software e hardware que outras empresas possam licenciar – esse sim um negócio que Ellison conhece.

Ao WSJ, o diretor de marketing da Sensei, Jonathan Lee, disse que a empresa planeja compartilhar detalhes de sua tecnologia publicamente em cerca de 18 meses. O cronograma para entrega de um protótipo foi estendido até meados de 2026.

“A visão era tão grande. E então ela foi lentamente sendo reduzida à medida que enfrentávamos as realidades da implementação em Lanai”, disse En Young , ex-gerente geral da operação na ilha.