Santa Filomena (PI) - De Balsas, no Maranhão, até a pequena cidade de Santa Filomena, no Piauí, são mais de 230 quilômetros de estrada e até uma travessia, por balsa – do rio Parnaíba.

O caminho, que liga uma das principais cidades do Matopiba à Fazenda Serra do Ovo, uma das propriedades administradas pela Sierentz Agro Brasil, é uma amostra da realidade do Brasil profundo.

Ao final do trajeto está uma fazenda conectada, com torres da TIM e máquinas de primeira linha da Case IH. Para chegar lá, um trecho longo de estrada de terra sem nenhum sinal de celular, até para quem é cliente da operadora.

A transformação digital da região, assim, depende do investimento de um dos maiores grupos agrícolas do País – ao se aproximar dos limites da fazenda, os smartphones com chips da operadora voltam a se conectar com o mundo.

A Sierentz Agro é fruto justamente das conexões globais do agronegócio brasileiro. Fundada oficialmente em 2017 com a compra da Agrinvest – uma arrendadora de terras no Maranhão –, hoje é uma das dez maiores operadoras agrícolas do Brasil.

Atua em cinco “clusters” nos estados do Pará, Maranhão e Piauí, cultiva cerca 100 mil hectares de soja, 40 mil hectares de milho na segunda safra e ainda cerca de 12 mil cabeças de gado, e faturou US$ 160 milhões, algo em torno de R$ 950 milhões pela cotação atual, na última safra.

Seu CEO é Christophe Akli, um argelino com nacionalidade francesa. Ele é o responsável por administrar o negócio que possui raízes profundas e societárias na LDC, uma das maiores tradings do mundo.

Segundo explicou Akli ao AgFeed, durante uma visita à fazenda, para dar conta de tanta área cultivada e se manter na elite agrícola do País, uma trilha tecnológica e de conectividade tem sido o mote do negócio.

A aposta mais ambiciosa do entusiasta em tech Akli é a Inteligência artificial (IA), que, segundo ele, já provou ser mais eficiente do que agrônomos em pelo menos dois anos consecutivos de planejamento agrícola.

“Chegamos num momento em que a IA tem a capacidade de predizer”, afirma. “No início, eu achava que não teria tanta importância, mas na verdade ela concatena uma série de decisões que ajudam nisso. Quando falo que vou colocar 10kg a mais de um produto ou não, ela consegue me dizer quantas sacas a mais isso vai me dar”.

A companhia tem utilizado os hectares produtivos para testar in loco algumas tecnologias. Com o apoio do software da startup americana AgriSapiens, que cruza 11 camadas de dados – desde pluviometria e informações captadas por máquinas à composição do solo – para definir o manejo mais eficiente, a Sierentz tem visto, na prática, o investimento fazer efeito.

Em experimentos realizados em 4 mil dos 100 mil hectares cultivados, tanto com soja quanto no milho, talhões que tiveram recomendações econômicas feitas pela IA, combinada com a ação dos profissionais da empresa, trouxeram, nas últimas duas safras, uma margem maior do que aqueles que tiveram o dedo de especialistas agrônomos humanos.

“Às vezes fazemos metade de um talhão com IA e metade com agrônomos. Nos últimos dois anos, a IA ganhou alguns dólares por hectare”, conta.

Akli explica que é possível configurar o software tanto para otimizar produtividade quanto para buscar maior margem por hectare. De acordo com ele, se a opção for pela primeira via, talvez a companhia até produza mais, mas com custos mais altos, diminuindo a margem.

Os sistemas digitais utilizados pela empresa custam US$ 6 por hectare por ano, o que traz um investimento total por safra de US$ 600 mil para manutenção desses sistemas. “Isso com certeza retorna umas dez vezes”, aponta Akli. “Ninguém com esse tamanho de área conseguiria administrar sem auxílio de tecnologias”.

Para dar mais tração à trilha tecnológica, a companhia reforçou sua estrutura de conectividade há alguns meses com duas torres 4G da TIM, adquiridas dentro de um pacote que negociado em conjunto com máquinas agrícolas da Case IH.

Na parceria entre a montadora e a operadora, a cada R$ 15 milhões investidos em tratores e colheitadeiras, uma torre é instalada na propriedade. Akli conta que as terras geram muitos dados e a meta da Sierentz é “transformar um bando de dados em banco de dados”.

Os mais de 100 mil hectares são compostos de cerca de 500 talhões, numa operação dividida em clusters no Maranhão (70 mil hectares), Pará (10 mil) e Piauí (20 mil).

Todo o plantio é feito com adubação em taxa variável para corrigir deficiências do solo. No Pará, segundo Akli, até as sementes já são plantadas dessa forma. “Controlamos o consumo, velocidade das máquinas e tudo isso dentro de uma agricultura regenerativa com plantio direto”.

Vista aérea de instalações de armazenamento na Fazenda Serra do Ovo

Uma safra mais animadora

Enquanto a reportagem rodava a fazenda dentro da caminhonete de Akli, ele se mostrava empolgado com o clima e as chuvas estáveis que a região entre o Maranhão e o Piauí estavam recebendo.

Por lá, o plantio começou em 21 de outubro e está entrando na fase final. Em termos de comparação, o replantio desta safra atingiu os 3%, segundo o CEO. No ano passado, beirou os 8%.

Além do cultivo de soja, milho, culturas de cobertura e do gado, a companhia tem começado a fazer testes no algodão. Nesta safra, serão 600 hectares dedicados à pluma.

De acordo com o CEO, os primeiros testes indicam uma produtividade de 370 arrobas por hectares, “muito boa para novas áreas”.

A produtividade esperada para essa safra é de 62 sacas de soja por hectare e 120 de milho, um pouco acima do ano passado. No total, serão 600 mil toneladas da oleaginosa e 320 mil toneladas do cereal.

Tudo que é produzido nas terras vai para exportação, seja pelo Porto de Itaqui ou pelo de Barcarena, a depender da fazenda.

A companhia ainda possui quase 500 hectares irrigados, que são utilizados principalmente para a produção de sementes. Hoje, da demanda de 100 mil sacas, a própria Sierentz produz 40 mil, número que deve aumentar para 70 mil no ano que vem, segundo revela Akli.

Além disso, a companhia ainda produz biológicos on-farm. Akli cita que cerca de 15% da cesta de insumos é biológica, sendo a maior parte produzida dentro das fazendas. “Hoje já plantamos inoculando biológicos”, conta.

Apesar de liderar a Sierentz há pouco mais de 7 anos, Akli já mora no Brasil desde os anos 1980. Desembarcou no Brasil sem muito conhecimento do idioma, que hoje é dominado pelo executivo, que em poucos momentos entrega o sotaque, para atuar na Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) em projetos de irrigação.

De lá até chegar a CEO do grupo agrícola, ele atuou no setor de saneamento como diretor da paranaense Sanepar, no Banco Mundial e em empresas do setor avícola e de suco de laranja. Já ocupou assentos no conselho de administração do CTC, Unica e Terra Santa.

Akli foi também CEO da parte de commodities da LDC entre 2008 e 2009 e, nos anos seguintes, liderou a Biosev, companhia do setor sucroenergético que pertenceu à Dreyfus e foi comprada pela Raízen em 2021.

Em 2009, após a morte de Robert Louis-Dreyfus, houve um período de divisão de ativos entre alguns herdeiros, o que acabou colocando o agro brasileiro nesse mapa.

“Eram sete primos e irmãos que se separaram. Uma delas, a Dominique, saiu da LDC e levou algumas terras na Rússia e no Brasil, outros ativos imobiliários e uma trading de petróleo nos EUA. A partir daí nasceu a Sierentz”, conta.

Durante a guerra entre Rússia e Ucrânia, o grupo vendeu as terras russas, concentrando as operações agrícolas no Brasil. Todos os 100 mil hectares são arrendados.

A fazenda que o AgFeed conheceu em Santa Filomena pertence à família De Carli, com origens no interior paulista. A área total plantada da Sierentz ainda deve aumentar nas próximas safras.

Segundo Akli, há conversas em andamento para administrar mais sete mil hectares no Pará na temporada que vem.

*O jornalista viajou a convite da Case IH.