No próximo dia 24 de setembro, em Londres, um “robô” brasileiro, dotado de inteligência artificial, concorre a um prêmio internacional. Batizado de RIC - Robô Inteligente em Compras –, a ferramenta desenvolvida pela BRF é finalista no Global Procurement & Supply Chain Awards, vista como uma das mais importantes premiações do setor de compras e cadeia de suprimentos global.

“Foram milhares de inscritos na premiação e apenas três finalistas”, contou ao AgFeed o diretor de Suprimentos da BRF, Daniel Bucheb. “Nós ficamos entre esses três e acho que vamos ser escolhidos como campeões”.

O entusiasmo do executivo se explica mais pelos resultados obtidos com a inovação do que com a possibilidade do prêmio em si. Na conversa com o AgFeed, Bucheb disse que o RIC começou a ser desenvolvida no final do ano passado e está em operação há cerca de cinco meses, após passar por um período de testes.

Foram mais de 24 mil interações realizadas pelo robô, com um ganho de eficiência estimado em 3% nos processos de compras.

Definido como “mais que um chatbot ou assistente virtual”, o robô opera quase de forma autônoma no processo de compras. Realiza cotações, compara preços e até interage com fornecedores.

"Ele procura os preços médios na região, já faz uma análise e manda para os fornecedores pré-cadastrados e homologados na BRF para tirar dúvidas e, às vezes, até para fornecedores que não estão homologados”, conta Daniel.

“Faz a consolidação, a equalização de preços e, em alguns casos, tem uma autorização de tomada de decisão. Em outros, ele manda para a validação do negociador”, completa.

Segundo Bucheb, a ideia do RIC surgiu da percepção de que, no setor de compras, 90% do volume de transações envolvia itens pequenos e táticos, como um mouse ou um carregador. No entanto, essas aquisições consumiam um tempo precioso da equipe, que poderia ser melhor aproveitado em negociações estratégicas e de maior valor.

Essa necessidade ficou ainda mais evidente em 2022, depois que a Marfrig se tornou controladora da BRF. Por consequência, houve um aumento de demanda da área de suprimentos.

“Uma das coisas que fizemos, para não aumentar o quadro de pessoas, foi usar o robô para poder atender a Marfrig de uma forma melhor, olhando as partes mais estratégicas”, comenta o diretor de Suprimentos da companhia detentora de marcas como Sadia, Perdigão e Qualy.

Desde a implementação do RIC, em maio deste ano, houve um impacto positivo nas operações. Segundo o diretor de Suprimentos da BRF, o RIC é capaz de processar até quatro vezes mais solicitações do que um comprador manualmente, mantendo uma qualidade de atendimento e precisão nas compras.

A automação, de acordo com os executivos, permitiu uma otimização das operações, liberando os profissionais para se concentrarem em atividades mais estratégicas.

Por trás dessa inovação, há também um cuidado em manter o lado humano das relações comerciais. Segundo Bucheb, o robô não substitui o relacionamento com os fornecedores, pois em determinadas situações, o RIC sugere que o negociador ligue para um fornecedor.

Já o diretor de tecnologia e transformação digital, Antônio Cesco, explica que o desenvolvimento do algoritmo inteligente faz parte da jornada de transformação digital da companhia.

“O RIC se soma a outros projetos como, por exemplo, o modelo preditivo do preço de commodities, o recrutamento inteligente e a assertividade de peso médio de frangos”, comenta.

Cesco detalha que essa jornada teve início em 2018, quando a empresa uniu todas as áreas e vice-presidências para, por meio de workshops, definir a estratégia, os desafios e os problemas a serem resolvidos. Na ocasião, foram identificadas as tecnologias e soluções capazes de ajudar a superar os desafios mapeados, resultando no que eles chamaram de “jornada de transformação digital V zero.”

“De lá para cá, todo ano, a gente faz uma revisão e temos implementado cerca de 50 iniciativas anualmente que permeiam toda a nossa cadeia, desde a aquisição de grãos até o consumidor”, detalha Antônio.

Além do RIC, o uso da inteligência artificial se faz presente em outros projetos dentro do grupo alimentício. Um exemplo é a utilização desta tecnologia na hora de comprar o milho para ração animal. Atualmente, a empresa é responsável pela aquisição de cerca de 9% de todo o milho disponível no Brasil (utilizado para a nutrição animal).

Com o uso de tecnologia, esse processo envolve mapeamento por satélite de potenciais fornecedores e o cruzamento de dados com órgãos ambientais. Isso garante à companhia dados de rastreabilidade de 100% dos seus fornecedores diretos.

Outro exemplo destacado por Cesco é o uso de sensores em mais de 100 granjas integradas, que coletam dados como o consumo de ração, água e peso dos frangos. “Através do modelo preditivo podemos determinar qual é a melhor data que eu retiro aquele frango do campo para atender melhor a minha demanda de mercado”, afirma o diretor de tecnologia e transformação digital da BRF.

A gigante do setor de alimentos não destina um orçamento fixo para o desenvolvimento de novas tecnologias. Esse financiamento é centrado na avaliação do mérito e potencial de retorno dos projetos, que são avaliados individualmente.

“A gente desenvolve experimentos e caso seja identificado que tem valor, que têm business case, levamos para aprovação do comitê de investimentos”, diz Cesco. “O que eu digo é que se o business case for um retorno adequado de acordo com as regras da companhia de taxa de retorno a possibilidade de aprovação do projeto é grande”, complementa.

E a companhia tem mais projetos em desenvolvimento, desta vez, explorando a IA generativa. Um exemplo dessa inovação é o uso de IA generativa para auxiliar os extensionistas, como os veterinários, que visitam os produtores integrados da BRF.

A área de tecnologia e transformação digital está desenvolvendo um chatbot, que centraliza todo o conteúdo necessário para a orientação técnica. Nele estarão disponíveis informações sobre manejo, orientações específicas e diretrizes para lidar com resíduos e recursos hídricos. Com um piloto do assistente virtual já sendo testado por extensinistas, a companhia vê as iniciativas de IA como uma alavanca para seu crescimento.