Foram quase dois anos de conversas com investidores - e não apenas do Brasil. E a espera rendeu bons frutos.

Nesta sexta-feira, dia 24 de outubro, a agtech Produzindo Certo anuncia oficialmente o fechamento de sua primeira rodada de investimentos, com a captação de R$ 20,7 milhões para acelerar suas operações.

“No fim, a rodada acabou levando mais tempo do que eu achei que tomaria”, disse Aline Locks, CEO da companhia, ao AgFeed. Mas o resultado compensou a espera, aferindo mais que o dobro dos R$ 10 milhões pretendidos quando iniciou o processo com um road show na Europa, em junho de 2023.

O aporte, um dos maiores realizados em agtechs brasileiras este ano, contou com nomes expressivos do agro e do venture capital no País. A liderança é das gestoras Arar Capital e SP Ventures, que foram seguidas por The Yield Lab Latam, SLC Ventures - braço de investimentos da SLC Agrícola -, e Agroven.

“Essa rodada vem muito no sentido de acelerar a Produzindo Certo. A gente não precisava desse recurso para que a empresa existisse, continuasse. O que ela está fazendo, está funcionando. Mas a gente quer ir além e, por isso, fizemos essa rodada”, avalia Charton Locks, diretor de operações da agtech.

Assim, de acordo com a empresa, os recursos serão direcionados para três frentes: reforço da área de tecnologia, fortalecimento dos times comercial e de marketing, e expansão de produtos e operações.

A Produzindo Certo opera na estruturação de cadeias sustentáveis de fornecedores e oferece serviços de consultoria, gestão e verificação de sustentabilidade socioambiental para produtores rurais e empresas.

Esse trabalho é executado com auxílio de uma plataforma própria, que avalia o desempenho ambiental e social das propriedades, combinando visitas técnicas presenciais com análises remotas baseadas em dados e imagens.

Para os produtores, a Produzindo Certo presta serviços de diagnóstico completo, permitindo visualizar de forma estruturada a situação socioambiental das fazendas e identificar pontos de melhoria.

Já para as empresas, a agtech presta serviços de mapeamento e o monitoramento contínuo de suas cadeias de fornecimento, assegurando que os produtos adquiridos venham de propriedades que adotem boas práticas agrícolas e atendam a critérios de sustentabilidade.

Hoje, a agtech possui contratos com 40 empresas, em geral grandes companhias do agro, como Unilever, Nestlé, ADM, LDC e Bunge, além de empresas do setor financeiro, como Brasilseg, companhia de seguros do Banco do Brasil, e cooperativas como a Comigo, de Rio Verde (GO).

Ao todo, a Produzindo Certo acumula 10,7 mil propriedades cadastradas na plataforma e 8,6 milhões de hectares monitorados, contribuindo ainda para a conservação de mais de 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa nas fazendas.

Para Charton Locks, a rodada de investimento representa um amadurecimento da Produzindo Certo.

Depois de anos estruturando uma base sólida de dados sobre sustentabilidade no campo, o desafio agora é transformar essa informação em valor para o produtor.

“O agricultor que reduz emissões, sequestra carbono ou preserva biodiversidade já gera ativos ambientais valiosos, mas eles ainda não são capitalizados”, explica o executivo.

Por isso, a Produzindo Certo recentemente resolveu “empacotar” resultados ambientais e traduzi-los em produtos: o Reg.IA, focado em desenvolver a produção de soja e milho produzidos com técnicas de agricultura regenerativa, e o Bov.IS, voltado à promoção da pecuária sustentável, processo que envolve intensificação da quantidade do gado no campo e recuperação de pastagens.

O Reg.IA é mais antigo e foi lançado em agosto do ano passado, contando com parceiros de peso como Agrivalle, BRF, Bayer, Milhão Ingredients e, mais recentemente, com a BrasilSeg.

O projeto acaba de completar sua primeira safra e na largada apresentou resultados positivos, com a produção de 149,1 mil toneladas de soja regenerativa e 9,2 mil toneladas de milho regenerativo na safrinha, com uma pegada de 66% menor que a média nacional da soja e 83% em comparação com a média do milho.

Já o Bov.IS, voltado à pecuária, recém começou seus trabalhos, com o objetivo de alcançar 45 pecuaristas dos estados de Mato Grosso e Pará, trabalhando com 125 mil hectares de pastagens e com a expectativa de recuperar e intensificar pelo menos 5 mil hectares.

Charton Locks diz que outros projetos poderão vir, ainda que seja econômico nos detalhes. “Agora, com o investimento, é possível que a gente possa fazer para mais soja, milho e carne, e também para outras coisas”, diz Locks. “Acho que a gente vai ter outras conversas logo mais para falar de novos produtos”, despista.

Em relação à tecnologia, ele diz que o próximo passo é integrar a IA dentro da plataforma. “Estamos entendendo como ser mais eficientes para apresentar a informação de sustentabilidade e tornar mais fácil o uso da ferramenta, tanto por produtores quanto pelos clientes da Produzindo Certo”, diz Locks.

“Isso, por consequência, acaba passando pela inteligência artificial, criando modelos para que nossos clientes consigam acessar os dados de uma maneira muito mais fácil e simples, sem necessidade de grandes tutoriais, e também o produtor, como que ele consegue interagir com os dados da sua fazenda de uma maneira mais natural”, complementa ele.

O time da agtech, que hoje soma 90 pessoas, considerando profissionais dentro do escritório e em campo, também pode crescer, ainda que não seja necessariamente a meta da rodada.

A internacionalização da startup, já iniciada, é uma das metas para o futuro. A Produzindo Certo está presente hoje na Argentina, Paraguai, Colômbia e México, e hoje está conversando com empresas com operações na África, ainda que não tenha nenhum negócio fechado até aqui. "Estamos otimistas que, no ano que vem, vai sair", diz Charton Locks.

Sustentabilidade na prática

Foi o espírito prático da Produzindo Certo que chamou a atenção da gestora Arar Capital, criada pela Baraúna Investimentos, family office de famílias tradicionais do agro paulista, como Biagi e Rodas, fazendo com que a casa se interessasse em investir na agtech.

“Na nossa visão, a Produzindo Certo foi a primeira empresa que tem endereçado de uma maneira muito prática a temática da sustentabilidade no agro”, afirma Paulo Ciampolini, sócio da Arar.

“Por ser uma empresa que tem uma liderança que conhece o agro de verdade, eles conseguem entender a dor do produtor, ao mesmo tempo em que conseguem trazer esse conceito de rastreabilidade, certificação, gerando valor de forma muito prática”, complementa o sócio da Arar.

Ciampolini já conhecia a empresa há cerca de três anos e se aproximou da agtech por ter um investidor da gestora que é cliente da Produzindo Certo.

Vendo de perto o trabalho dos diretores da empresa, Ciampolini não teve dúvidas de que o trabalho da agtech era sério.

“O Charton e a Aline Locks são ‘máquinas’, são muito bons. E também muito preocupados com a sustentabilidade do negócio”, afirma.

E também foi percebendo que a linha de atuação da startup também estava em sintonia com as teses da Arar. “Sustentabilidade é algo que não tem mais volta, é vento à favor. Não tem mais como o cara que compra soja ou qualquer commodity desconsiderar a origem, de onde veio, quem produziu, de que jeito produziu. Essa é uma tendência muito forte e a Produzindo Certo está inserida nessa cadeia”, avalia Ciampolini.

Silvio Passos, fundador e presidente do Agroven, também viu um alinhamento das operações da empresa com o clube de investimentos formado por uma rede de empresários e famílias do agronegócio.

“A Produzindo Certo está alinhada com o propósito da nossa rede de líderes em gerar riqueza para os brasileiros e saúde para o planeta", disse.

Para Kieran Gartlan, managing partner do The Yield Lab Latam, a agtech representa o tipo de solução que o fundo pretende escalar na interseção entre tecnologia, sustentabilidade e impacto real no campo.

"A Produzindo Certo transforma dados em confiança, conectando produtores, empresas e investidores que acreditam no futuro regenerativo do agro brasileiro”, afirmou.

“Investir na Produzindo Certo é apostar na vanguarda do agronegócio sustentável brasileiro, conectando produtores rurais a mercados exigentes e garantindo a resiliência e valorização da cadeia produtiva a longo prazo”, complementou Alexandre Stephan, sócio da SP Ventures.

Desafios de primeira viagem

O reconhecimento dos investidores soa como música aos ouvidos dos Locks, que enfrentaram vários desafios justamente durante o roadshow em busca de investidores.

“Desafios de marinheiros de primeira viagem”, brinca Charton Locks, já mais tranquilo após vários percalços.

No primeiro road show na Europa, Locks percebeu que muitos investidores estrangeiros tinham dificuldade em compreender a complexidade do Brasil e a dinâmica do agronegócio brasileiro.

"Foi um aprendizado enorme e acho que isso ajudou a gente a ajustar muita coisa do nosso discurso, do pitch. Voltamos e começamos a conversar com diversos fundos para tentar achar o sócio perto do ideal, que combinasse com nossa visão de propósito e futuro", recorda Aline Locks.

Em alguns casos, ela lembra que foi necessário, por exemplo, firmar posição em relação à metodologia da agtech, que trabalha com visitas em campo para fazer a análise da situação socioambiental das fazendas - um diferencial em um mercado em que têm surgido outras soluções apenas com monitoramento remoto.

"Quando você fala que a metodologia também envolve visita de campo, são pelo menos algumas horas de reuniões para poder justificar o porquê disso", afirma.

Aline Locks ressalta que, embora seja possível identificar remotamente práticas ilegais, como desmatamento ou trabalho escravo, essa análise apenas separa quem comete crimes de quem não comete.

“Para eu falar que é sustentável, regenerativo, tem uma avaliação mais profunda que precisa ser feita. Como vou avaliar a questão social dos trabalhadores, das propriedades, de cima, do satélite? É impossível fazer isso apenas de forma remota.”

A Produzindo Certo foi criada em 2019 e é um “spin-off” da ONG Aliança da Terra, criada em 2004 pelo pecuarista John Carter para ajudar produtores a regularizarem sua situação ambiental. Para criar maior impacto, deixando de depender apenas de doações, um dos programas da entidade foi transformada em empresa, permitindo a elaboração de projetos visando lucro. A ideia, como se vê, tem se mostrado sustentável.

Resumo

  • Produzindo Certo levanta R$ 20,7 milhões em rodada com capital de SP Ventures, Arar Capital, Rhe Yield Lab, Agroven e SLC Ventures
  • Recursos serão usados para fortalecer tecnologia, marketing e produtos voltados à agricultura regenerativa e pecuária sustentável
  • Com 8,6 milhões de hectares monitorados, a agtech conecta mais de 10 mil produtores e empresas em cadeias mais rastreáveis e responsáveis