O nome da agtech Muda Meu Mundo, criada pela CEO Priscilla Veras, já explica muito do negócio que está sendo feito.

A startup tem como objetivo melhorar a cadeia de distribuição que existe entre os pequenos produtores e os supermercados varejistas. A empresa quer acabar com os chamados atravessadores e também dar mais transparência ao consumidor final sobre todo o caminho do produto, da horta até a gôndola.

Segundo a startup, com o uso do seu sistema o processo de colheita até a chegada do produto ao supermercado é feito em menos de 12 horas, e o desperdício alimentar desse processo cai de 30% para 2%. Uma das redes de supermercados que possuem unidades parceiras da empresa é o Pão De Açúcar.

A empresa foi criada em 2017 no estado do Ceará, especificamente na capital Fortaleza, região na qual a fundadora e CEO, Priscilla Veras, nasceu. De 2021 para 2022, junto com a mudança de Priscilla para São Paulo, veio o plano de expansão da startup para as terras paulistas.

Atualmente, são 800 produtores atendidos tanto do Ceará quanto de São Paulo. A meta é chegar a 3 mil já nos próximos meses com uma parceria que está em andamento. Para 2024, a ideia é escalar para 90 mil produtores.

Para tal, a empresa está fechando uma rodada de captação que deve contar com fundos brasileiros e estrangeiros. Segundo Veras, os fundos estrangeiros estão muito interessados na possibilidade de transparência da cadeia produtiva que o negócio pode proporcionar.

Essa possibilidade de mapear a cadeia e a origem da produção tem atraído, segundo Veras, players da indústria procurando pessoas que não possuem transparência na cadeia.

“Eles nos pedem um diagnóstico, e é algo que estamos começando a desenvolver. Na medida que entrego minha tecnologia para um produtor, conseguimos analisar cadeia e oferecer várias coisas como crédito e recebíveis rápidos, para que a indústria compre dele de forma simples”, comenta a fundadora e CEO.

A primeira captação foi feita logo no início, com amigos de Veras, no momento em que ela começou a pivotar o negócio.

“Eu administrava milhões quando estava no terceiro setor, mas não sabia como gerar isso. Aos poucos fui aprendendo como estruturar uma apresentação de captação, entender os jargões e esse universo”, afirmou Veras.

Uma rodada mais formal ocorreu depois, com dois investidores anjos e um fundo pequeno, ainda nos primeiros passos da empresa. A última rodada, que ficou em R$ 4 milhões, foi feita no ano passado.

“Trouxemos um grupo de pessoas, fundos pequenos de anjo e agora entramos num novo passo, pois notamos que se não tivermos as pessoas certas não podemos dar passos mais longos”.

O foco da captação em andamento, que está num processo de definir os líderes do aporte, é crescer mais no estado de São Paulo e investimentos em tecnologia. Segundo a CEO, 60% da captação irá para desenvolvimento tecnológico. O restante, irá para escalar comercialmente o negócio. “O nosso grande sonho é chegar a 33 milhões de produtores nos próximos 5 anos”.

Diferente do perfil comum de fundadores de agtechs, que geralmente são agrônomos, Priscilla Veras é pedagoga e cientista política. Antes de fundar a startup, a cearense atuava com dados e análises de impacto para ONGS. Em função dessa atividade, acabava visitando produtores rurais de diversos países da América Latina e do interior do Brasil.

Inserida dentro do terceiro setor, Veras acreditava que essa era a única forma de ajudar a sociedade a mudar para melhor. Ao mesmo tempo, percebia, durante essas andanças com produtores que, por mais que eles vendessem, alguns ainda continuavam sem condições financeiras confortáveis.

A chave na cabeça da CEO virou completamente quando ela notou que era possível que empresas privadas que atuassem com negócios de impacto fossem agentes dessa mudança. Foi aí então em 2017 ela pediu para ser demitida no trabalho, juntou todo seu dinheiro e criou a startup.

De lá até 2018, o negócio não foi para a frente. A ideia inicial da empresa, que já queria melhorar a condição dos pequenos produtores, era fazer uma espécie de cesta e entregar na casa das pessoas ou então em feiras para os consumidores finais. “Deu tudo errado”, disse a CEO.

“Eu estava num mercado pequeno e, sozinha, não tinha como desenvolver uma estrutura financeira para escalar. Em 2019 eu era sócia de mim mesma, e foi ali que conheci a minha outra sócia e mudei todo modelo de negócio”, explicou Veras.

A CEO explicou ao podcast Rural Ventures, apresentado por Fernando Rodrigues, CEO da Rural Ventures, e Kieran Gartlan, sócio e responsável pela operação no Brasil da Yield Lab, gestora americana especializada em fundos para investimento em agtechs e foodtechs, que decidiu focar em melhorar a estrutura do produtor.

Ela percebeu que, apesar de a venda ser o principal problema, muitos pequenos produtores não tinham estruturas sequer para emitir notas fiscais, não possuíam veículos para entregar os produtos e não tinham a condição de esperar 60 dias para receber um pagamento. “Se não resolvêssemos toda essa cadeia não tinha como sair do lugar”.

Foi então que a empresa tomou os rumos que leva até hoje. A Muda Meu Mundo atua com um marketplace que, além de conectar o pequeno produtor à redes varejistas de forma a encontrar o melhor preço e logística, tem um braço tecnológico para dar uma certa independência a esse produtor.

Ao mesmo tempo, consegue armazenar informações e dar transparência para essa cadeia. “A ideia do nosso modelo é ser um ecossistema na mão do produtor rural de comida. Ao longo do tempo percebemos que o modelo não é só de comercialização, e que era preciso uma estrutura financeira que faz aceleração de pagamentos, e também hospedar dados do produtor, para facilitar a busca de um crédito, por exemplo”, explicou Priscilla Veras.

Essa tecnologia precisava ser, primordialmente, simples no uso, como por exemplo uma interface via Whatsapp. A questão é que, segundo a CEO, em alguns casos os produtores eram semi-analfabetos, e por isso, utilizavam a ferramenta apenas por mensagens de áudio.

Nos primeiros testes de inteligência artificial e chatbots, quando a interface exigia uma resposta em números, o produtor apertava o botão do áudio, o que não funcionava. “Estamos trazendo IA para ouvir o áudio e captar a informação. Isso acaba fortalecendo o produtor mais simples”.