Pertencente à terceira geração de uma família historicamente ligada à produção de cana-de-açúcar no interior de São Paulo, Fábio de Rezende Barbosa, CEO do grupo NovAmérica, não é nada tradicional ou dado a convenções ao apresentar suas ideias. Pelo contrário.
Muito franco, fala de forma apaixonada sobre uma grande obsessão sua: a adoção de novas tecnologias no campo.
Durante sua participação no evento Investor Day, promovido pela gestora Rural Ventures, especializada em agtechs, nesta quarta-feira, dia 4 de dezembro, em São Paulo, ele pode reforçar algumas de suas teses. Ele foi um dos convidados no painel sobre tendências para a adoção de tecnologia para o agronegócio, que também contou com a participação de José Américo Basso Amaral, da Jotabasso e Denis William de Oliveira, da Bioenergética Aroeira.
Barbosa fala com a propriedade de quem lidera uma das maiores fornecedoras de cana do Brasil e já obtém bons resultados ao adotar novas tecnologias, sempre de olho em melhorar a performance da empresa.
Entre várias iniciativas, o grupo NovAmérica foi pioneiro em fazer mapeamento de solo no campo e, hoje, todo seu maquinário é conectado e equipado com computadores de bordo e piloto automático.
Com isso, a empresa dos Rezende Barbosa conseguiu atingir uma redução de 30% do consumo de diesel em suas operações em 47 mil hectares na região de Assis (SP).
Além do know-how dentro de casa, Barbosa pode falar também com conhecimento de causa de quem sempre esteve perto de grandes nomes do mundo das agtechs – ajudando no desenvolvimento de produtos da Totvs e também da Solinftec, agtech especializada em automação de operações agrícolas que vem crescendo nos últimos anos, com previsão de faturar R$ 2 bilhões até 2030.
Em paralelo à operação de cana, ele próprio tem uma empresa chamada Lambarin, firma de investimentos em startup que mantém em sociedade com Ricardo Tucunduva Nardon.
Neste ano, Barbosa passou a ser sócio da Rural Ventures e levou seu portfólio de cinco startups investidas para dentro da casa chefiada por Fernando Rodrigues e André Amorim.
A intenção de Barbosa é somar esforços com a casa na busca de novas startups – participando de rodadas de investimento, por exemplo – enquanto vai acompanhando o desenvolvimento de suas investidas.
“A gente agora vai maturar essas cinco startups que a gente tem e provavelmente (novas empresas) vão entrar junto com a Rural, estamos juntos na captação de novas startups. A ideia é fazer investimentos em conjunto com eles”, afirmou ao AgFeed.
Ao público presente, Barbosa dissecou algumas de suas teses.
Ele disse acreditar que a evolução da tecnologia acontece por fases. A primeira delas envolve o lado operacional.
“Muito da tecnologia dentro da agricultura, da operação e das fazendas no Brasil, começa pela parte operacional: sistema, sensor da máquina, mudança de máquina… tecnologia dentro da fazenda”, resumiu.
A segunda envolve o lado agronômico. “É como é que você consegue controlar melhor as taxas variáveis de tratos, de manejo de solo, de manejo de planta.”
A terceira parte envolve pessoas. “Como é que a gente consegue controlar onde as pessoas estão, quem está fazendo o que, quando, como e onde.”
O último aspecto, não menos importante, segundo ele, envolve o lado financeiro da operação. “E a gente tem o dinheiro que financia tudo isso, para poder fazer essas questões.”
Apesar de as agtechs hoje já conseguirem mitigar boa parte de todos esses aspectos, Barbosa disse que ainda há muito desafios a serem superados em todas essas frentes – e que podem ser uma oportunidade de negócios para as startups.
O primeiro deles é o fato de que a agricultura já consegue mapear o que está acontecendo do solo pra cima, mas não para baixo.
“A gente ainda acredita que não está muito bem encaminhado essa questão de todo o sensoriamento de dados agronômicos. A gente ainda não consegue, na agricultura, enxergar debaixo do solo, só enxergamos o que está do solo para cima. Mas uma boa parte da agricultura é o que está abaixo do solo, não o que está acima”, afirmou.
Ele atenta também para o fato de que há muito dado sendo gerado hoje no campo, mas que esse banco nem sempre se transforma em números.
“Senão fica o dado por dado, a informação pela informação, você não tem ação, você não tem resultado, não tem operação, não tem quase nada”, afirmou.
Outro ponto de alerta dado por Barbosa é para a origem dos dados, que muitas vezes vem de sistemas antigos e podem trazer erros que impactam na tomada de decisão por parte de empresas e produtores.
“A gente precisa primeiro fazer uma limpeza e uma arquitetura bem feita desses bancos para a gente poder gerar dados e informações confiáveis e, a partir daí, montar e gerar data lakes para a gente começar a fazer algumas interações e correlações dentro do sistema”, disse.
Ele salientou, no entanto, que um sistema não precisa necessariamente compilar todos os dados de uma empresa de uma vez.
“Com o advento do data lake, a gente pode escolher o que pegar, analisar, tirar e não só com informações internas, mas com informações externas também. A gente está tendo uma evolução muito grande nesse processo”, afirma.
Mensurar tudo o que acontece no campo não é uma tarefa fácil, lembra Barbosa, por diversos fatores, pela complexidade cada vez maior das operações, quantidade de pessoas envolvidas, extensão das faixas de terra ou mesmo pelo volume expressivo de dados – se antes não havia número algum, agora há muita informação dispersa e às vezes nem sempre confiável.
Para exemplificar a dimensão, ele disse que a fazenda funciona como se fosse um “grande shopping center”.
“A gente tem, desde uma área de luxo, tipo uma Louis Vuitton, uma Chanel da vida até o Torra [rede de varejo popular com forte presença no interior de São Paulo]”, afirmou.
A dificuldade é como administrar esse “grande shopping center” com essas áreas heterogêneas entre si. “É a gente administrar o retorno por metro quadrado. Como é que a gente consegue entender o retorno por metro quadrado de uma área comprida?”
Barbosa lembra também que ainda existem problemas básicos de usabilidade a serem resolvido, pelo fato de as tecnologias serem desenvolvidas dentro de escritório, no espaço urbano, muitas vezes não levando em conta as dificuldades práticas de quem está na lavoura.
“Sempre falo que, quando a gente tem uma tecnologia que é usada pela operação, a principal questão é a usabilidade. Não adianta o botão ser pequeno, porque a turma no campo tem o dedo grosso. Não adianta o layout ser clarinho, porque tem sol e não dá pra você enxergar o que vai acontecer.”
Barbosa admitiu que ele próprio já errou ao comprar serviços de uma startup que não tinham aplicabilidade.
“Lembro que, na época, eu fiz uma conta, e a tecnologia custava uma Heineken por alqueire. Era barato. Só que a ponta não usou a tecnologia porque era difícil, tinha muito clique, era difícil de dar o input e acabou sendo abandonado.”
Ele atentou para o fato de que a falta de usabilidade é um grande risco para as próprias startups.
“A primeira sensação de quem tá lá na startup é: “Que legal, eu fiz uma venda.” Você fez uma venda, duas vendas, três vendas, mas você não vai fazer uma revenda. Você não vai conseguir vender aquele produto de novo, quem comprou vai falar mal e aí vai ladeira abaixo. O negócio não sobrevive, a não ser que você se reinvente”, disse.
O CEO da NovAmérica também afirmou que as startups ainda têm oportunidades de se inserir em diferentes mercados dentro do agronegócio.
“Quem trabalha mais com isso são os grandes grupos, que tem gente especializada, que tem capacidade inclusive financeira, para contratar consultorias e profissionais. O médio e o pequeno agricultor no Brasil não tem esse serviço à disposição na cooperativa e nas associações”, disse.
“Eu sempre falo para as startups que eu convivo, darem uma olhada nas cooperativas e nas associações, porque tem um baita banco de clientes lá dentro.”