Dizem que uma empresa que quer ser grande no agronegócio global não pode ficar de fora do Brasil.

A agtech europeia xFarm Technologies, que atua com agricultura digital, acredita nisso e acaba de acelerar o cumprimento desse roteiro.

A empresa anuncia nesta quarta-feira, 12 de março, uma união estratégica com a startup brasikleira CheckPlant, desenvolvedora da plataforma FarmBox, para aumentar a participação nos serviços da companhia para o País e para a América Latina.

Esse “M&A da agricultura digital” se dá a partir de uma troca de participações entre as duas companhias: a Checkplant vira sócia da xFarm e vice-versa. Valores envolvidos e as quantidades de ações envolvidas não foram informados, mas não haverá alteração nos controles acionário.

Agora sócias, as duas empresas já possuem operações importantes em seus mercados e buscam, agora juntas, musculatura para ampliar a presença em novas áreas.

A plataforma Farmbox, software carro-chefe da CheckPlant focado também em gestão digital de fazendas, afirma ter clientes que somam mais de 4 milhões de hectares. A empresa calcula que hoje passam pela plataforma 50% da área total do cultivo de algodão e 11% da área de soja no Brasil.

Já a xFarm afirma possuir um portfólio de 500 mil agricultores clientes, que abrangem 8,3 milhões de hectares monitorados em países como Suíça, Itália, Espanha, França, Alemanha, Polônia e Reino Unido.

As duas operações, de acordo com os sócios, são complementares. De um lado, a Checkplant, por meio da FarmBox, atua principalmente com propriedades com áreas acima de mil hectares. Do outro, a xFarm Technologies é focada sobretudo em pequenas e médias propriedades.

“Queremos nos tornar líderes globais no mundo em sistemas de informação para gestão de fazendas. Começamos nossa expansão na Europa há poucos anos e agora estamos ampliando nossa atuação em outros continentes. Escolhemos o Brasil pelo papel de liderança que este grande país desempenha na produção agrícola global”, disse, em nota, Matteo Cunial, CRO (sigla para chief research officer, ou pesquisador chefe) da xFarm Technologies, que tem sedes na Itália e na Suíça.

De acordo com André Cantarelli, CEO da CheckPlant, a fusão se deu, do lado da empresa brasileira, por uma estratégia de crescer no mercado local e também na América Latina.

A CheckPlant foi criada no início dos anos 2000 e, além da FarmBox, é dona do CheckTracing, sistema de gestão para estoques de indústrias de frutas, e do Caderno de Campo, focado em sistemas de rastreabilidade.

“Entendi que o FarmBox precisava ser mais forte no mercado. Aqui a tecnologia no agro evolui rápido, e muitas empresas querem atuar como plataforma de agricultura digital, algo que já fazemos muito bem há anos. Percebi que seria mais difícil crescer sozinho”, afirmou Cantarelli em entrevista ao AgFeed.

A empresa europeia já atua no Brasil há alguns anos. Com 10 funcionários por aqui, a operação, em número de clientes, ainda é tímida, e corresponde a cerca de 18% dos negócios da companhia.

A atuação é fruto principalmente de uma parceria que a xFarm tem com a Bunge, que utiliza o software dentro de seu programa de agricultura regenerativa.

A ideia sempre foi ir além. Com essa “coincidência”, como disse André Cantarelli, as companhias iniciaram há alguns meses as conversas para unir forças.

De acordo com o CEO da CheckPlant, o “pacote” que será oferecido com a junção das empresas e seus softwares para os agricultores brasileiros inclui sensores IoT, com sistemas de irrigação e monitoramento, armadilhas inteligentes para manejo de pragas, além de monitoramento climático e do solo.

Também estarão no cardápio serviços de conectividade para máquinas, insights de sensoriamento remoto, avanços na agricultura de precisão e maior inteligência agronômica.

Para além de conquistar mais hectares, as companhias miram reforçar a atuação em culturas que já atuam no País, como soja, milho e algodão. Além disso, querem crescer em café, cana e citros.

Com forte presença nos estados do Matopiba e Rio Grande do Sul, a Farmbox possui projetos em outras regiões do Cerrado e também no Paraguai e na Colômbia.

Além de atuar como um software de gestão de fazendas, Cantarelli vê uma oportunidade de ajudar o produtor brasileiro a comprovar suas práticas sustentáveis no campo e, com isso, criar novas oportunidades de negócio.

“As empresas estão juntando forças porque entendemos que essas novas oportunidades são necessárias. O produtor está preocupado em cuidar da terra, e na era da informação, vamos nos posicionar como um software parceiro que dá luz a essas práticas”, afirmou o CEO da CheckPlant.

“Quando pensamos nas duas companhias, nós temos conhecimentos que eles não tem e vice-versa, sejam tecnológicos, comerciais, de produtos e mercados”, acrescentou.

Caminhos distintos

Do lado europeu da fusão, a xFarm nasceu em 2017 quando o produtor Matteo Vanotti buscava uma solução tecnológica para gerenciar a fazenda da família.

Percebendo que os softwares dos Estados Unidos não se adequavam à realidade das pequenas propriedades europeias e que os fornecedores locais tinham limitações, ele, engenheiro, junto de alguns conhecidos, criou a empresa.

A ideia avançou e a plataforma começou a ser utilizada por vizinhos e outros produtores amigos. O negócio tomou tração e já soma, desde sua fundação, quase 60 milhões de euros (mais de R$ 380 milhões pela cotação atual) captados com investidores.

A última rodada aconteceu em outubro de 2024, quando captou 36 milhões de euros numa rodada Série C com alguns fundos europeus.

No lado brasileiro, a Checkplant já conta com mais anos de estrada. André Cantarelli conta que não veio do mundo agro, mas junto de um ex-sócio com familiaridade no setor desenvolveu um software para ajudar produtores de sua terra natal, Pelotas (RS), a rastrear sua produção.

Lá em 2003, ainda décadas adiantado aos debates atuais de rastreabilidade no agro, a ideia era juntar os registros no campo até a produção final da compota do fruto.

“Não deu certo em Pelotas, mas abriu mercado para atuarmos no mercado de uva e manga no Vale do São Francisco, em Petrolina (PE)”, disse.

Foi lá que a CheckPlant deu seus primeiros passos ajudando companhias exportadoras, já mais tecnificadas, a comprovar as certificações exigidas por mercados externos.

“Na época, supermercados europeus enviaram ao Brasil auditores para verificar atividades no campo, estoques, aplicações e boas práticas”, citou.

Foi nesse momento que os primeiros softwares, o Caderno de Campo e o CheckTracing, nasceram. Já o FarmBox surgiu em meados de 2010, quando a companhia recebeu a demanda de produtores de algodão em Luís Eduardo Magalhães (BA).

Com os primeiros softwares já consolidados no Vale do São Francisco, a empresa entrou numa jornada diferente com demandas distintas.

No Oeste baiano a rastreabilidade não era o foco dos clientes, mas sim um sistema que ajudasse a monitorar lavouras, principalmente para auxílio no combate a pragas e doenças.

“Tudo era feito manualmente pelos técnicos no campo, então nós desenvolvemos uma plataforma para agilizar o processo. Era feita uma coleta offline e posteriormente uma organização e gestão diária de tomada de decisão. Aí nasceu o FarmBox”, contou o CEO da CheckPlant.

Cantarelli disse que chegou a captar, em 2016, recursos com a CVentures Primus, em co-gestão com a CRP Participações. Mesmo sem um valor elevado, ele cita que foi importante para trazer mais governança para o negócio.