O Domo de Ferro, escudo virtual que protege Israel do ataque de mísseis inimigos, é uma das mais avançadas tecnologias de defesa disponíveis no mundo.
Seu desenvolvimento envolveu centenas de startups locais, que cresceram e se multiplicaram à sombra dele – e dos incentivos do governo israelense para a formação de um poderoso ecossistema de inovação, que gerou para o mundo ferramentas digitais como o Waze.
Há dezenas de exemplos de agtechs surgidas nesse contexto. Nenhuma delas, até agora, despertou tamanha atenção fora do país quanto a Taranis, criada há 10 anos por um quarteto de jovens nerds que resolveram adaptar à produção agrícola modelos de inteligência computacional que aplicavam a sistemas de segurança.
Desde então, a startup – surgida em um kibutz israelense com a proposta de combinar imagens aéreas e de satélite a informações meteorológicas como base de um modelo preditivo para prevenção de pragas agrícolas – já levantou US$ 100 milhões em quatro rodadas de aportes, com investidores que vão de Microsoft a gigantes do agro como Nutrien e o grupo químico japonês Sumitomo.
Hoje sediada nos Estados Unidos, seu principal mercado, a Taranis reforça posições no Brasil, a segunda maior operação. A startup chegou aqui em 2017 e passou a atuar nos canaviais dos grandes grupos sucroenergéticos.
Agora, os olhos, os satélites e as câmeras da Taranis miram a expansão no Cerrado. Em conversa com o AgFeed, o diretor das operações brasileiras da empresa, Fábio Franco comentou que a empresa vive o período de “abrir as fronteiras para o mercado de grãos”.
Para diversificar essa atuação, a empresa tem realizado provas de conceito junto a grandes produtores. “A Taranis já está preparada para operar hoje em soja, milho, algodão e cana. Acontece que o mercado de grãos ainda passa por uma maturação na aquisição desse tipo de serviço”, afirma Franco.
A empresa já tem clientes nessas culturas, mas pretende ganhar mais escala nos próximos anos, além de continuar a crescer cada vez mais na cana. Na expectativa de Franco, a Taranis no Brasil quer triplicar a quantidade de clientes e o faturamento no setor de cana nos próximos anos.
Além dos grãos, Franco diz, sem citar nomes, que a empresa está com um “grande projeto” no setor de florestas. Segundo o diretor, o cliente quer entender mais sobre a rebrota do eucalipto e também a incidência de plantas daninhas e a quantidade de formigueiros na floresta.
“Se na soja conseguimos ver a mosca branca, nas árvores conseguimos ver olhos de formigueiro”, afirma. Para esse projeto, uma prova de conceito também está sendo colocada em prática.
“Se o mercado de eucalipto nos der escala, temos capacidade total de atender o setor. O princípio básico da tecnologia é o mesmo, o que seria necessário é escalonar para mais drones e aviões”, comentou Fábio Franco.
Nos EUA, onde a Taranis atua primordialmente com soja e milho, existe um projeto com uma das cinco maiores empresas de pecuária local para desenvolver um projeto de identificação de problemas, daninhas e pragas nas pastagens, algo que, segundo ele, “deve ser implementado aqui, pois há demanda”.
A Taranis no Brasil ainda conta com clientes do ramo café. “Um cliente ativo nosso desse segmento faz um trabalho interessante para identificar manchas no cafezal, e assim saber quando usar nematicidas ou não”.
A tecnologia
A Taranis fornece, em sua plataforma própria, uma série de informações baseadas na captura de imagens de altíssima resolução feita pelos satélites e por câmeras instaladas em drones e aviões, capazes de obter detalhes em plantas mesmo com fotos realizadas em alta velocidade.
Com o modelo de Software as a Service (SaaS), o produtor assina o serviço que, a partir da análise das imagens, combinadas com outras informações sobre a área, como meteorológicas, gera uma série de insights para o manejo da lavoura.
“Quanto mais as imagens abastecem o banco, mais fácil fica para a IA identificar doenças e pragas. Na cana, por exemplo, vamos entrar com mais robustez nessa safra com dados sobre deficiência nutricional e doenças”, diz.
Os dados visíveis são variados, podem ser relacionados à quantidade de plantas daninhas, quanto uma planta emergiu, quanto foi semeado, riscos de desenvolvimento como ataques de insetos, doenças e falhas nutricionais. Depois que o avião passa captando as imagens, em até 72h os insights já são fornecidos.
“No momento estamos adicionando um produto em Power BI para manipular os próprios dados. Existe uma carência no mercado grande para esse tipo de ferramenta”, afirma Franco.
O começo pela cana
A Taranis desembarcou no Brasil em 2017 com a ajuda de investidores como Rodrigo Iafelice dos Santos, experiente executivo do setor, e a gestora Mindset Ventures, gestora de venture capital brasileira com foco em empresas de tecnologia americanas e israelenses.
Além do aporte, a Mindset ajudou a empresa a contratar um time local, além de fazer conexão com clientes e parceiros, conforme explicou Daniel Ibri, co-fundador e um dos sócios da gestora, em entrevista recente ao AgFeed.
A Taranis tem uma equipe de mais de 20 pessoas no Brasil e Ibri a considera como a “primeira grande empresa de agricultura de precisão de Israel”.
Franco assumiu o posto de diretor geral do Brasil em 2021 e, desde então, a empresa tomou a decisão de focar no mercado sucroenergético. Ele explica que a característica física do canavial traz uma dificuldade de fazer amostras e é aí que a tecnologia de captura de imagem com alta resolução pode fazer grande diferença.
“O serviço começou a ter interesse de grandes empresas como Raízen, Bunge BP e Biosev e começamos a criar uma robustez e produtos mais customizados”, explicou.
Segundo ele, diferentemente do americano, o agricultor brasileiro ainda não tem o hábito de comprar serviços dos distribuidores, e sim produtos.
Já o setor sucroenergético usa esses serviços de forma mais intensa e essa maturação, segundo ele, foi fundamental para a definição do foco de atuação.
De 2017 pra cá, a Taranis cresceu 300% no Brasil, segundo o executivo. Nos Estados Unidos, onde está o centro de operações, o crescimento foi de 600% no mesmo intervalo.
Com mais de 100 funcionários ao redor do mundo, Franco disse que a empresa globalmente pode fornecer mais de 1,1 milhão de insights por safra com seu monitoramento. Em área, hoje a empresa cobre algo em torno de 2,5 milhões de hectares.
Na safra 2023/24, Franco afirmou que a cobertura brasileira ficará em mais de 500 mil hectares.
Aportes robustos de gente robusta
O interesse dos investidores pela empresa tem crescido junto. Dos US$ 100 milhões captados em rodadas de investimento, 40% aconteceram em uma rodada de Série D, em setembro do ano passado.
Esse aporte mais recente foi liderado pela Inven Capital, um fundo europeu focado em tecnologia climática, com participação de novos investidores como Seraphim Space Investment Trust e Farglory Group.
Na série A, da qual a Mindset Ventures participou, a empresa levantou US$ 7,5 milhões, numa rodada que contou com a Microsoft.
Quando estava em estágio inicial, a Taranis recebeu investimento da Acelera Partners, holding de investimentos em startups também apoiada pela Microsoft. Nessa época, recebeu aportes também da SalesForce.
Na Serie B, recebeu US$ 20 milhões e contou com a Nutrien e a Sumitomo. Já na série C, foram mais US$ 30 milhões, com apoio de grupos como a Vertex Growth – uma afiliada do fundo soberano de Cingapura – e a Hitachi, japonesa global de tecnologia focada em aparelhos de climatização.