Se o empreendedor Durval Carneiro, de 38 anos, tivesse a oportunidade de conversar com sua versão de vinte anos atrás, o papo seria longo.

Ele contaria a história de um jovem que, em meados dos anos 2010, residia em Campo Mourão (PR). E que não tinha ideia, naqueles dias, de que seria uma figura reconhecida por empresários do agro mato-grossense, ganharia um concurso da John Deere e chegaria até a receber investimentos de grandes empresas de sementes do estado e dono de um negócio que possui como parceiros a Bayer e a Amaggi.

Na época, muita coisa era diferente. De família simples, filho de pai motorista de ambulância e mãe dona de casa, trabalhou desde cedo para ajudar a sustentar a casa, que ainda contava com quatro irmãos. “Comecei vendendo sorvetes e doces já pequeno. Em Campo Mourão, trabalhei em 25 empresas”, disse ao AgFeed.

Uma coisa, nunca mudou: a habilidade para atuar em áreas comerciais e criar relacionamentos. Pulando de emprego em emprego, indo para aquele que sempre pagava um “pouquinho a mais”, dizia ao seu pai que “um dia iria acertar”.

“Tem gente trabalhando menos que eu e ganhando muito mais”, repetia.

O Durval atual vive em Rondonópolis (MT) e vive o ápice dessa trajetória empreendedora. Hoje ele atua como CEO do Agro Club Tecnológico, uma companhia que, segundo ele, atua como uma validadora de soluções para o agronegócio. “Um ISO do agro”, brinca.

A empresa tem como objetivo atuar como um filtro que otimiza o tempo dos produtores para acessar soluções que realmente entregam o que prometem, como redução de custos, otimização do tempo e automatização de processos, ele explica.

Criado em 2023, o Agro Club é a terceira empreitada de Carneiro no setor. Antes, ele já havia criado uma corretora de sementes, a Alfa e Ômega, e uma startup de logística no setor, o Trucker do Agro.

Hoje, o Agro Club possui cerca de 30 produtores parceiros no Mato Grosso, que juntos, somam 1,2 milhão de hectares de cultivos de soja, milho e algodão. Ele estima que, nos próximos meses, deve ampliar essa base em cerca de 660 mil hectares, levando em consideração contratos que estão para fechar.

Para manter a operação rodando, o negócio tem como mantenedores empresas gigantes como Bayer, Amaggi, Vivo e também a cooperativa de crédito PrimaCredi.

Em outra camada, existem os “players”, que contam com sementeiras parceiras. Abaixo delas, mas antes dos produtores, existem parceiros que se associam ao Agro Club para atingir o setor, como a Intelbras e a Galo Cinza, que atua com marketing.

Cada uma dessas empresas contribui com uma anuidade para manter o clube de pé. No caso dos produtores rurais, que possuem a menor mensalidade, são R$ 15 mil anuais.

“Quando criamos o clube, vimos que os hubs de inovação faziam mapeamentos, mas não possuem esse crivo em dizer o que realmente funciona, não tem essa parte de validação. Nascemos com essa iniciativa, e fornecemos um ‘selo’ de garantia”, afirmou.

Além de fazer o meio de campo entre empresas, tecnologia e produtores rurais, a empresa ainda estimula parcerias entre os membros.

Ele conta que, há poucas semanas, uma empresa de fertilizantes se associou ao clube. Ao mesmo tempo, outra, de maquinário e implementos, estava com um projeto para exportar esses produtos para países da África, e buscava um parceiro para mandar os produtos já com insumos. "Os dois fecharam negócio por conta do clube”, exemplifica.

O Agro Club Tecnológico oferece ainda cursos de capacitação para os membros. “Não adianta chegar um drone super tecnológico da China e não ter quem vai pilotar”, diz. Até hoje, o clube já formou 24 pilotos, com uma formação subsidiada e sem custos para os membros participantes.

Durval Carneiro diz que uma das grandes dores do mercado agro hoje é a mão de obra; Por isso, tem iniciado um projeto que leva estudantes prestes a se formar em universidades do estado do MT para conhecer oportunidades de atuação em fazendas.

“Ele não tem noção que um operador de máquina ganha de R$ 7 mil a R$ 15 mil. Queremos desmistificar o agro para a juventude, mostrando que há boas oportunidades de trabalho”.

Dentro das fazendas parcerias, o Agro Club tem feito uma série de treinamentos, principalmente relacionados a máquinas e implementos.

“Hoje o produtor tem consultoria para plantio, uso de insumos, sementes, químicos e não para máquinas. Ele começa uma safra, religa a plantadeira parada e percebe uma série de problemas por não ter feito manutenção. Tenho associado que já gastou R$ 1 milhão só de chamado aberto em concessionária”, diz.

Para esse ano, o clube deve ganhar novos escritórios fora de Rondonópolis – um em Sorriso, também no Mato Grosso, e outro em Rio Verde (GO). Carneiro ainda cita que pretende criar um projeto social para acolhimento de profissionais do setor com casos de depressão e ansiedade.

Uma trajetória improvável

Sem origem no setor, como Durval Carneiro chegou até o agro? Ele conta que seu primeiro contato com o setor foi em um de seus “25 empregos” na época de Campo Mourão.

Na ocasião, ele vendia produtos de limpeza, como sabonetes e limpadores de piso, e atendia agroindústrias. Em 2012, pela habilidade em vender e facilidade em construir relacionamentos, uma empresa o convidou a fazer um processo seletivo de vendedor.

“Não sabia nada de agro e olhava, ao meu redor, candidatos que já eram do setor, formados, que trabalhavam em cooperativas. Sou cristão, então falei para Deus que só entrava lá se ele quisesse, pois aos olhos dos humanos, eu era a última opção”, conta.

“Fui contratado sem nem saber o salário que iria receber. Sabia que era bom, pois os carros dos vendedores eram bons e eu, um Fiesta 2001”, acrescenta.

Daí em diante ele conheceu o setor, entendeu as dinâmicas e as vendas passaram de centenas de reais, no caso dos sabonetes, para alguns milhões, nas sementes.

Depois de alguns anos, já enturmado no agro, resolveu abrir uma corretora de sementes, a Alfa e Ômega. O negócio funcionava em uma sala que ficava nos fundos de um supermercado do sogro, na cidade de Farol, próxima a Campo Mourão.

Com uma mesa e um ventilador velhos, pedia aos funcionários do supermercado que, caso fossem atender o telefone, não dissessem “é do Mercado do Edinho”. “Senão, eu perdia a credibilidade”, brinca.

O negócio cresceu, começou a atender cooperativas e ele levou o escritório para sua cidade. “Atendemos hoje todo o Sul do Brasil e praticamente todas as cooperativas, revendas e sementeiras são nossos clientes na região”.

Nesse meio tempo, Durval Carneiro começou sua segunda empresa, a Trucker do Agro.

“Enxerguei que havia uma dor de logística, pois toda vez que negociava semente, o vendedor queria que o comprador fosse buscar o produto e vice-versa. Como ninguém queria assumir a logística, criei a empresa, agilizando o processo de contratação e compliance”, conta.

Carneiro virou “startupeiro”, mesmo sem entender desse universo, e, conhecendo novos empreendedores, lançou a empresa oficialmente durante o Show Rural Coopavel 2020, na primeira edição da feira que contou com startups expositoras.

Durante uma batalha de startups, ele apresentou a ideia para investidores. Ele conta que até aquele momento, todo dinheiro arrecadado com a corretora de sementes era destinado à nova empresa. Carneiro chegou até a vender seu carro para financiar o desenvolvimento do novo negócio.

Na feira, ele chamou a atenção de Guilherme Kudiess, que, por meio da Ventiur Aceleradora, apostou no negócio e aportou R$ 600 mil, aliviando as contas do empreendedor e da startup.

“Assim que ela investiu veio o lockdown da pandemia. Se não fosse pelo recurso, não haveria como sustentar a empresa e o time. Em um momento que não dava para viajar e conversar pessoalmente, era difícil fechar negócios”.

Posteriormente, o investidor fez a ponte entre Carneiro e o então hub piracicabano AgTech Garage, hoje Agtech Innovation e pertencente à PwC. Com esse relacionamento, e num momento melhor da pandemia de Covid-19 em 2022, Carneiro ficou sabendo que a John Deere iria realizar um reality show chamado “Safra de Inovações”.

O programa era uma competição entre agtechs de diversos ramos de atuação dentro do setor e a Trucker do Agro foi a vencedora.

O status de campeão deu a Durval Carneiro visibilidade no mercado. Depois de buscar investimentos com fundos, percebeu que o melhor caminho era ir até players do agro. Foi quando conseguiu captar R$ 1,5 milhão com alguns sementeiros como Polato, Petrovina, Girassol e Máxima, além do Grupo Sulina, de óleos, e com Vinicius Masutti, do grupo agrícola Masutti, de Rondônia.

Então, mudou para Rondonópolis, para estar mais perto do setor agro. Hoje, a startup está em stand-by, com Carneiro remodelando o negócio.
Atuando no Mato Grosso, Carneiro percebeu uma dinâmica: sua empresa só ganhou mais acesso dentre os grandes executivos do setor depois do “crivo” de seus investidores e do reconhecimento da John Deere.

Com isso em mente, ele criou o Agro Club Tecnológico. “Tem muita gente batendo na porta, mandando mensagem pelo Linkedin e outras redes, então o empresário do agro tem que se blindar. Só que, nisso, ele perde oportunidades que vão resolver o problema. Foi aí que criei o Agro Club”.

Junto dele, estão outros três sócios: Victor Griesang, presidente da Coopercotton, Vicente Bissoni, CEO do grupo Botuverá, e Raphael Augusto, ex-gerente de inovação da TMG.