Empreendedor serial, o mineiro Luiz Tangari se preocupa com o problema alheio. E faz negócios com ele. No início ano passado, por exemplo, ele pivotou a sua mais recente empresa, a Tarken, de um marketplace de grãos para uma agfintech voltada para a análise de risco de crédito no meio rural.

Com isso, aproximou-se de revendas de insumos, agroindústrias e sementeiras no momento em que o mercado começou a ficar menos favorável a elas e, assim, avaliar melhor para quem elas davam crédito tornou-se mais crucial.

Tangari e a Tarken levaram soluções tecnológicas que automatizaram o processo de decisão de crédito para essas empresas. E o problema delas mostrou-se um belo mercado.

Segundo Tangari, somente nos três últimos meses de 2023, por exemplo, passaram pelos softwares da Tarken as análises de operações somando R$ 12 bilhões em propostas de créditos. Cerca de 60 mil CPFs foram avaliados e 10 milhões de hectares de propriedades rurais classificados conforme os riscos de seus proprietários.

O empresário – que liderou uma das mais icônicas transações do universo agtech brasileiro ao vender a Strider, empresa que criou ao lado do sócio Carlos Neto, para a Syngenta, em 2018 – continua preocupado.

Ele olha para 2024 como um ano ainda mais complexo para as cadeias do agro, com empresas e produtores com margens ainda mais justas enfrentando um cenário de safras comprometidas por problemas climáticos.

Tangari tem um termômetro do mercado nas mãos, o número de consultas feitas pelos seus 200 clientes – um terço revendas, um terço indústrias e um terço sementeiras – no sistema da Tarken.

“Nossa amostra é mais estressada, eles fazem mais consulta sobre aquele crédito que têm mais medo”, diz. O volume tem aumentado e revelado algumas preocupações específicas, como os arrendatários, objeto de cerca de metade das análises feitas.

Para Tangari, com custo de produção cada vez mais apertado na relação de troca com sacas de grãos, esses produtores que ainda precisam pagar pelo aluguel da terra são os mais vulneráveis nesse momento.

Ou seja, problemas à vista. E, para ele, mais oportunidades de negócios, com potencial, acredita, de triplicar a Tarken de tamanho este ano.

“A gente tem uma indústria, revendas e sementeiras que precisam transformar a forma que dão crédito para agora, para o repique na safra”, diz. “E precisamos fazer isso rápido, trazendo soluções correndo e com implantação curta”.

Em anos de dificuldade, a discussão sobre investir em modelos que melhorem o nível de informação para decisões sobre dar ou não crédito aos produtores fica mais intensa.

“Os volumes são muito grandes. Qualquer ‘revendinha’ faz R$ 50 milhões de crédito. Isso é dinheiro, tem de ter alguma governança”.

Com esse pensamento em mente, nas últimas semanas a Tarken colocou no mercado três novos produtos voltados justamente para esses três segmentos. São soluções que, embora ainda não comunicadas oficialmente, já estão sendo usadas por alguns dos clientes e que, para Tangari, têm potencial para acelerar os negócios da empresa em 2024.

A primeira delas a ser oferecida às empresas da base da Tarken é uma ferramenta que automatiza a emissão de garantias. “O mercado tem de migrar da gestão de duplicatas para garantias mais fortes, como CPRs. Isso não tem mais jeito”, afirma o empreendedor.

Segundo ele, essa migração ainda é complexa, porque exige muito trabalho de empresas e produtores, que precisam gastar tempo e recursos com burocracias para registros em cartório, elaboração de croquis das propriedades, checagem se já não há garantias envolvendo a mesma área, por exemplo.

Tangari afirma que, para a maior parte das revendas, a implementação de uma essa operação com esse fim se torna pesada. “A nossa solução faz barba, cabelo e bigode, tira o problema da mesa”, afirma.

“Estamos integrados com cartórios, com a B3, com players de mercado. Você aperta um botão e a gente faz a CPR pra você. E consegue migrar pra um modelo mais sofisticado sem onerar a operação”.

Diálogo com o bancos

Em outra frente, a Tarken tirou do forno uma solução que se propõe a oferecer a seus clientes uma avaliação completa da sua carteira de recebíveis. “É um produto para o CFO fazer o planejamento antes de ir ao mercado de capitais”, diz Tangari.

Segundo ele, há uma disposição crescentes das empresas dos setores de buscarem novas formas de se financiar, mas eles costumam chegar em desvantagem junto aos bancos e fundos porque não conseguiam enxergar seus próprios dados da mesma forma com que o sistema financeiro era capaz.

“O produto é um espelho da análise dos bancos, de como o banco vê a carteira das empresas”, afirma Tangari. Ele diz que, com a nova solução, a Tarken consegue acessar toda a carteira de recebíveis dos clientes, fazer uma análise comparando com parâmetros de mercado e entregar uma radiografia completa “em que ele vai entender suas fraquezas e fortalezas”.

Nos relatórios, são incluídas análises de benchmark de índices como os de liquidez de liquidez de curto prazo, capital de giro, margem líquida, inadimplência, classificação da carteira de recebíveis conforme rating dos devedores, e até o risco agronômico das áreas dos clientes.

No final, o relatório aponta quanto da carteira pode ser usada em uma operação de financiamento junto ao mercado de capitais e quanto não será aceito pelo banco.

“O dono do negócio, na maioria das vezes, nunca viu essa análise desse jeito. O banco enxergava e ele não. É uma forma de nivelar o diálogo. Ele tem de aprender a lidar com banco e fundo”.

Se os dois produtos anteriores tinham como potencial comprador o responsável pelo setor financeiro das empresas, o terceiro é, de acordo com Tangari, destinado ao head de vendas. Batizada de Radar, trata-se de um software para análise demográfica de produtores rurais e está disponível desde a virada do ano.

A ferramenta, conta Tangari, tem foco no planejamento de campanhas de marketing e vendas integrado com crédito. Através dela, os clientes da Tarken podem visualizar em um mapa o potencial e as informações de crédito de cada propriedade em suas áreas de atuação e, a partir desses dados, entender onde vai concentrar seus esforços de venda.

De acordo com a startup, o sistema da empresa já faz inclusive uma análise prévia de risco dos produtores, integrando as áreas de vendas e crédito já na fase de planejamento e não apenas na hora de decidir se aprova ou não um pedido feito pelo vendedor.

“Assim, a empresa consegue otimizar o esforço de vendas e crescer sem ter de sacrificar a qualidade da carteira. Isso é um problemão hoje. Para compensar as margens menores, elas têm de crescer o volume de negócios, mas em geral isso vem junto com o aumento do risco de inadimplência”, analisa Tangari.

O empresário diz estar entusiasmando com o “potencial enorme” desses produtos. “Tem indústria precisando abrir novos mercados, sementeiras querendo vender direto ao produtor. Elas precisam partir de algum lugar e esse software ajuda”, garante.

Inteligência invisível

A esteira de lançamentos da Tarken reflete esse entusiasmo. Há cerca de seis meses, a empresa colocou no mercado uma assistente virtual alimentada por Inteligência Artificial para auxiliar analistas de crédito de seus clientes na eliminação de dúvidas por chat.

A ferramenta, segundo Tangari, teve um bom volume de consultas, “mas abaixo do que eu esperava”. No entanto, sua capacidade de aprendizado permitiu que ela fosse incorporada em outros processos das soluções da empresa e se tornasse valiosa ao, invés de ser consultada, gerar insights ativos que ajudam na tomada de decisões.

“As soluções de IA tendem a ficar invisíveis, fazendo as coisas funcionar mais fácil”, afirma.
Para os próximos meses, Tangari espera poder trazer outro produto que, nas suas palavras, pode funcionar como um “lubrificante na relação entre o mercado de capitais e as cadeias do agro”.

Segundo ele, essa relação hoje não é mais fluida porque o mercado de capitais “não tem uma visão muito clara do risco do sacado, que o nome técnico para o risco do produtor rural” e, em muitos casos, olha apenas para as empresas com quem está negociando, sem ver o risco daquele que está na ponta, para quem essa empresa emprestou o dinheiro.

“Ali é que está o pepino. Se tiver uma inadimplência muito grande na base de clientes, mesmo que o negócio pareça legal, vai ter dificuldade de pagar”.

Tangari antecipa que a Tarken está trabalhando no desenvolvimento de uma solução que certifique o risco sacado. “Assim, os clientes ficam mais palatáveis. Queria que o mercado premiasse, através de taxas mais competitivas, revendas, indústrias e sementeiras que dão mais transparência para o risco sacado”.

Com a máquina de novos produtos em funcionamento, a Tarken projeta para 2024, em seu terceiro ano de vida, um crescimento exponencial, de 300%. “Como toda startup que se preze, tem que triplicar. É o que se espera de uma empresa no estágio da Tarken”, diz Tangari. “Se não crescer três vezes, não foi porque o mercado limitou. Só depende da gente”.

Da mesma forma, o caixa está lá em volume suficiente, segundo o CEO, para sustentar o crescimento. Fundada em 2021, a empresa recebeu apenas um aporte, em uma rodada seed de US$ 5 milhões que contou com investidores de peso como a firma de venture capital Monashees, a Mandi Ventures, de Antonio Moreira Salles, e a Maya, de Lara Lemman.

Além disso, Tangari espera chegar, em fevereiro, ao equilíbrio entre receita e despesas, o que acontece, segundo ele, se a empresa obtiver um aumento de 10% no faturamento.

Com isso, a abertura de uma nova rodada de captação, no curto prazo, está praticamente descartada. “Vamos esperar para entender o desenho do ano, principalmente na relação com mercado de capitais, que a gente está gostando muito”, afirma.