Há quase 100 anos, o Brasil começou a experimentar uma revolução na cartografia. Os mapas, que eram feitos antes apenas com o uso de bússola, lápis, régua e memória, passaram a ter uma importante ferramenta a mais: as fotografias.
Em 1928, os primeiros aviões começaram a sobrevoar São Paulo para fazer o registro fotográfico de ruas, avenidas e, ainda, muitas chácaras e fazendas da capital paulista.
Era o começo do que se chama hoje de aerofotogrametria. Com o avanço da tecnologia, chegaram os satélites, que começaram a dividir espaço com os aviões e passaram a fornecer imagens – cuja qualidade foi evoluindo ao longo do tempo.
E, junto dos satélites, começaram a surgir empresas, especialmente nos Estados Unidos, fazendo mapeamento remoto para governos, principalmente órgãos de defesa, e setores privados, cuja operação precisa de acompanhamento constante, caso do agro, mas também energia, logística e mineração.
A canadense EarthDaily Analytics, com sede em Vancouver, é uma dessas companhias.
Criada há apenas três anos, a empresa presta serviços de análise a partir de sensoriamento remoto via satélite, possui clientes de grande porte em sua carteira como Tereos, Bayer, Syngenta, Cargill e Corteva, e agora está prestes a lançar uma constelação de satélites.
Com a parceria de gigantes como Airbus, SpaceX, ABB e Loft Orbital, a EarthDaily promete imagens de melhor qualidade, com mais exatidão e mais recorrência.
Com uma constelação de 10 satélites que vão para a órbita da Terra a bordo de foguetes da SpaceX, de Elon Musk, ao longo de 2025, a ideia da companhia é também alavancar sua unidade de negócio específica para o agronegócio, a EarthDaily Agro, que faz análises agrícolas a partir de dados brutos utilizando algoritmos com inteligência artificial e machine learning.
A ideia, segundo segundo Pedro Ronzani, líder de negócios da divisão na América Latina, agora é que todos os dias os satélites façam uma varredura de imagens pelo planeta.
Hoje, isso não acontece, pois a cobertura é feita a cada quatro ou cinco dias pelos satélites comerciais Landsat e Sentinel.
E, como acontece de forma mais esporádica, a cobertura acaba sendo prejudicada pelas características climáticas do Brasil e, na prática, traz menos acurácia aos dados.
“O Brasil tem muita cobertura de nuvem. Na época da colheita da soja no Mato Grosso, por exemplo, a gente fica virtualmente sem enxergar as imagens em janeiro e fevereiro”, afirma Ronzani. “Agora, se você tiver aquisição de imagens todo dia, a gente vai ter uma alta chance de ter pelo menos cinco imagens boas neste período”.
O executivo destaca também que, além de maior frequência, a nova constelação de satélite também vai trazer imagens com melhor resolução e com mais detalhes em relação ao que é utilizado hoje.
Isso acontece porque os satélites terão melhor resolução das imagens, com 5 metros por pixel e 22 bandas espectrais, que são as quantidade de faixas distintas do espectro eletromagnético que são captadas pelo sensor.
Na prática, quanto mais bandas do espectro um sensor consegue captar, ficam mais evidentes detalhes de culturas agrícolas, vegetação e até mesmo de mineração, como a identificação precisa de minerais em regiões específicas.
Além disso, com uma maior quantidade de bandas é possível recolher desde informações visíveis como poeira, fumaça e cor do oceano até a caracterização de elementos que não são facilmente perceptíveis como a presença de gás metano, por exemplo.
"Para se ter uma ideia, o Sentinel, que é o satélite “padrão-ouro” de qualidade, trabalha com 11 bandas. Então, vamos conseguir ver muito mais coisa acontecendo com as lavouras”, afirma Ronzani.
Como a empresa trabalha com dados, que podem se transformar em tudo o que o cliente quiser, a gama de serviços prestados pela empresa é variada e vai desde o fornecimento de números prontos até análises mais especializadas, atendendo a demandas específicas.
São 120 algoritmos diferentes com informações sobre a cultura, da data de colheita à saúde do solo. “Tudo isso me ajuda a pintar um quadro do que está acontecendo na lavoura”, afirma.
Dados de satélite também são importantes para a avaliação de riscos financeiros, mercado importante para a companhia no Brasil.
Por aqui, a companhia atende fintechs, seguradoras, atendendo grandes nomes do mercado de seguros como Mapfre, Tokio Marine e Brasilseg, do Banco do Brasil, e instituições financeiras como o Sicoob.
O sensoriamento remoto é uma ferramenta importante para as seguradoras, que hoje precisam fazer boa parte da avaliação dos dados ainda em campo para avaliar a cobertura.
Ronzani pondera, no entanto, que o sensoriamento remoto não substitui totalmente o trabalho in loco.
“A vantagem do satélite é que ele é escalável. Eu consigo olhar desde uma gleba no oeste da Bahia até uma fazenda no Mato Grosso do Sul, consigo entender o que está acontecendo no nível mais macro. Agora, se você quer saber em detalhes, você vai precisar de alguém lá no campo.”
Uma característica histórica do setor aeroespacial é fechar contratos com entes públicos, seja para uso civil ou militar. Esse também é o caso da EarthDaily.
No passado, a empresa prestou serviços para bancos de desenvolvimento regional e ideia agora é formalizar acordo com órgãos do governo federal, firmando contratos com o Ministério da Agricultura e Pecuária e instituições financeiras públicas como o Banco do Nordeste.
“É o perfil de cliente que consegue extrair o máximo de valor desse tipo de dado, essa é uma tendência comum fora do Brasil e por aqui também”, afirma.
No lado da iniciativa privada, a intenção é desenvolver parcerias com empresas que desenvolvem ferramentas digitais.
“Pode ser uma startup, por exemplo, desenvolvendo um sistema de monitoramento e desmatamento na Amazônia. Eles poderiam utilizar a nossa tecnologia de detecção de desmatamento ou usar os nossos dados dentro de uma tecnologia deles para desenvolver uma aplicação”, explica.
A própria EarthDaily Analytics é fruto de uma startup que se chamava UrtheCast, criada em 2010 originalmente com a ideia de transmitir imagens ao vivo da Terra do espaço via streaming.
Com o tempo, a UrtheCast foi ampliando suas operações, com a aquisição de outras empresas, e por consequência, a capacidade de monitoramento de áreas ao redor do planeta.
Em 2018, por exemplo, a companhia adquiriu uma empresa de análise de dados agrícolas norte-americana chamada Geosys, que estava no mercado desde 1987, e fazia monitoramento de safras e previsão de números de produção a partir de imagens de satélite.
A pandemia do coronavírus, contudo, trouxe dificuldades financeiras à UrtheCast, que emm 2021 acionou o Capítulo 11 da Lei de Falências norte-americana, instrumento equivalente ao recurso da concordata na legislação brasileira.
Em 2021, a firma de private equity Antarctica Capital comprou os ativos da startup – que incluiam a Geosys – e criou a EarthDaily Analytics.