Água Boa (MT) - Há quase 800 quilômetros distante de Cuiabá, no estado do Mato Grosso, o município de Água Boa é um importante enclave do agronegócio. Ali, propriedades rurais modelo convivem com os desafios básicos da produção agropecuária.
Infraestrutura, acesso e conectividade cobram preços altos dos produtores rurais, que mesmo assim persistem e entregam resultados – que seriam bem melhores em um ambiente mais favorável.
A prova disso foi demonstrada essa semana, in loco, em uma fazenda da região. Ali, durante dois anos, a fabricante de máquinas agrícolas Case IH e a operadora de telecomunicações TIM realizaram uma experiência capaz de comprovar, na prática, o impacto do uso de tecnologia para conectar os equipamentos usados nas operações de produção agrícola.
Na chamada Fazenda Conectada – uma das duas propriedades que o grupo Agropecuária Jerusalém possui no município – instalaram em 2021 uma antena com sinal 4G e, a partir de então, monitoraram cada movimento realizado em duas safras.
Com máquinas conectadas e acompanhadas por sistemas de telemetria e um sistema de gestão integrado, acompanharam a frota, fizeram todo o gerenciamento de dados, inclusive de serviços de projeção meteorológica.
Com dois ciclos produtivos completos e atestados pela Unicamp e pela Agricef, as empresas envolvidas na iniciativa notaram um aumento na produtividade na fazenda.
O resultado da safra de soja 2022/23 foi 3,5% maior quando comparada a outra área do mesmo grupo no município, onde a conectividade ainda não foi instalada.
Na área de 3,2 mil hectares, a Fazenda Conectada colheu 2,3 sacas de soja a mais por hectare plantado, o que trouxe um resultado final de 67,3 sacas de soja por hectare na temporada.
“Antes do projeto, a fazenda já tinha tecnificação de máquinas e manejo. Mas notamos que podíamos colocar mais telemetria, outros tipos de portais, software de gestão e monitoramento de frota”, comentou Rodrigo Alandia, diretor de Marketing de Produto da Case IH para a América Latina.
Na prática, os operadores das máquinas coletavam os dados ao longo do dia e levavam um “pen drive” com as informações para sede ao final do período. Com isso, os gestores viam um retrato do passado, com os dados chegando atrasados para uma eventual medida corretiva.
Na apresentação feita nesta semana, executivos da Case IH e da TIM pontuaram que a produtividade dessa propriedade foi 7,5% maior do que a média da região de Água Boa, 7,6% mais alta que a média do estado e 13,4% melhor que a média brasileira.
Na comparação com a safra anterior, a temporada 2021/22, a mesma fazenda teve um avanço de 18% na produção total de soja. Enquanto a primeira safra com a conectividade teve uma produção de 10,9 mil toneladas de soja, a posterior colheu 12,9 mil toneladas.
A melhoria não ficou só na colheita. Segundo o diretor de Marketing e Comunicação da Case IH para a América Latina, Eduardo Penha, o tempo de motor ocioso das máquinas caiu 5,7%, a janela de colheita foi três dias menor e o tempo de trabalho aumentou 4,2%.
Além disso, houve um consumo 25% menor em diesel pelas máquinas em litros por hectare. Na comparação entre as duas safras da Fazenda Conectada, houve economia de 51,2 mil litros de combustível, o que, em custos, significou uma redução de R$ 307 mil, segundo Penha.
Esse uso menor de combustível ainda reduziu em 10% a pegada de carbono da produção de soja na safra.
“Queríamos mostrar para o produtor rural que não estamos só falando de dentro da fábrica ou testando os produtos numa bancada. Estamos falando de um sistema real, com pessoas reais, máquinas reais e problemas reais”, comentou Eduardo Penha.
A escolha pela cidade de Água Boa, localizada no Vale do Araguaia, foi feita porque a região é de altíssima produtividade, disse Penha. A ideia era mostrar que mesmo numa área já beneficiada pelo clima, a conectividade poderia melhorar ainda mais.
De acordo com Alandia, da Case IH, a cada mil hectares conectados, a economia para a fazenda pode ficar em torno de R$ 100 mil.
“Num cenário que todo o estado do Mato Grosso tivesse essa conectividade, teríamos uma economia de R$ 1,2 bilhão em uma safra de soja”, comentou Alandia.
Sem contar as máquinas, que, segundo os executivos, já vêm com toda a tecnologia de conectividade embarcada, o investimento necessário para a instalação da torre de 4G é de R$ 1,4 milhão.
Esse valor inclui a instalação da antena em si, mais um kit telemetria para 10 máquinas que não possuem conexão de fábrica e um serviço de consultoria por um ano.
Cada torre, segundo a TIM, consegue trazer sinal 4G para uma área de até 35 mil hectares, caso a região seja plana. Em uma região com montanhas, a área pode ficar em 25 mil hectares.
Para o diretor de Desenvolvimento de Mercado IoT e 5G da TIM Brasil, Alexandre Dal Forno, a empresa já tem sido consultada por cooperativas para uma instalação “coletiva”, dividindo os custos entre os produtores que utilizarão do serviço.
Nos seus cálculos, esse investimento tem um retorno rápido, de um até três anos.
Um cenário de uma fazenda de 3,1 mil hectares que observa um aumento de produção de 4 sacas por hectares, por um preço de R$ 135 por saca, o VPL (valor presente líquido) seria de R$ 11,4 milhões.
Esse montante traria uma taxa interna de retorno (TIR) de 141%, o que “pagaria” o investimento de R$ 1,4 milhão em menos de um ano.
“A TIM tem investido fortemente no Brasil, e fomos pioneiros no agro. Estamos em mais de 500 municípios e já conectamos mais de 14 milhões de hectares com 4G”, comentou o diretor.
A instalação da antena não beneficia apenas a fazenda, já que a estrutura chega a uma área bem maior do que a plantada. Com isso, a população e até mesmo outros produtores locais passaram a ter acesso à internet 4G, o que possibilitou melhorar a estrutura das escolas locais e fornecer acesso a telemedicina e cursos à distância para a população da cidade, por exemplo.
“A conectividade de uma cidade de 26 mil habitantes, que está longe dos grandes centros urbanos, muda toda a situação não só para o produtor rural. O impacto não fica só nos indicadores financeiros da fazenda”, disse Penha.
Para além da gestão feita na própria fazenda, a concessionária Agritex, que vende as máquinas da Case e possui um escritório na cidade de Água Boa, onde um time dedicado pode acompanhar, de forma remota, os equipamentos da marca.
No local, a empresa tem acesso, em tempo real, ao desempenho de mais de 100 máquinas na região e recebe alertas e notificações caso alguma delas esteja em mau funcionamento.
Com isso, é possível antecipar a solução de problemas em motores e sistemas, antes que eles causem danos maiores para o funcionamento das máquinas e, por consequência, atrapalhem o dia a dia da fazenda.
A experiência da Fazenda Conectada tornou-se também um novo negócio para a Case IH. A empresa tem sido procurada em concessionárias no Sul e na Bahia para implantar o projeto. Além disso, um projeto na Argentina chamado de Campo Conectado já está sendo colocado em prática.
“Vamos expandir o modelo da Fazenda Conectada para outros locais do Brasil, adaptando para cada região. Mas antes precisávamos desses dois anos de estudo”, comentou Penha.
Segundo ele, mesmo o produtor que já possui máquinas de concorrentes não precisará nem renovar sua frota para máquinas da Case IH, já que elas também podem ser inseridas no sistema.
Os desafios passados e futuros
Segundo os executivos, o principal problema para a implementação completa dos sistemas integrados foi mudar a cultura da fazenda e dos funcionários.
Com a automatização de muitos processos, era importante ainda mostrar a importância do operador no processo. Dentro de uma plantadeira, por exemplo, o piloto automático faz o veículo andar em linhas traçadas num computador em uma velocidade já definida. Com isso, fica a cargo do “piloto” apenas apertar poucos botões no processo de plantio.
“Hoje deixamos o operador livre de certas funções, o que faz esse funcionário manusear uma máquina com automação de forma mais fácil. Isso facilita a vida do produtor que contrata o operador”, comenta Penha.
No começo, ele conta que é comum alguns trabalhadores mais desconfiados desligarem os serviços de automação, algo que só é mudado com esse trabalho constante de implementar a nova cultura.
Gregory Riordan, diretor de Tecnologias Digitais e Inovação da CNH Industrial para a América Latina, acredita que a gestão da fazenda tem de mostrar ao operador sua importância para o trabalho como um todo e seu senso de responsabilidade na produção.
“O jogo muda quando ele vê que se ligar o automation, a quantidade de carbono emitida é menor, algo que é melhor para a vida dele e da família. Além disso, aumenta a lucratividade da fazenda e traz um bônus financeiro melhor no final do ano. O menor uso de combustível ainda melhora a avaliação dele, pois ele passa a ser avaliado pela máquina que opera”, comenta Riordan.
Outro desafio da Fazenda Conectada é se manter atualizada com as novas tecnologias que surgem no mercado agro. Segundo Rodrigo Alandia, a Case IH mantém os olhos bem abertos à agtechs, principalmente pela parceria que a empresa tem com o Cubo Agro, do Itaú.
No próprio sistema da Fazenda Conectada, o software usado é o AFS Connect, que foi melhorado por uma aquisição feita pela Case em 2019, quando a empresa comprou a AgDNA, que era uma startup de gestão de dados.
“Temos muito desenvolvimento interno, mas também aceleramos esse processo por aquisição e parcerias”, diz Penha.
O jornalista viajou a convite da Case IH.