Assim como na agricultura, a Farmers Edge vive de ciclos positivos e negativos. No último deles, iniciado há um ano, a agtech canadense, que já foi uma estrela da agricultura digital, foi comprada pela Fairfax Financial Holdings após fracassar na bolsa de Toronto.
E, para voltar à rota do crescimento, adotou um novo modelo desenvolvido e testado no Brasil e, depois, disseminado para as operações no Canadá, sua sede, e nos Estados Unidos.
O roteiro da companhia foi forjado a partir da sua relação com os usuários finais de suas tecnologias. A empresa percebeu que a agricultura digital ainda é a última opção do produtor e depende de altas margens dos clientes para ser consumida.
Então, passou a usar uma nova abordagem na venda de seus serviços. Trocou a venda direta ao agricultor, no modelo Business to Consumer (B2C), pelo Business to Business to Consumer (B2B2C) e passou a oferecer soluções para que empresas de outros setores, não necessariamente do agro, possam incorporá-las em pacotes oferecidos aos clientes rurais.
“O fato é o seguinte: a gente nos desafiou a ponto de entender que o B2C no Brasil, para a agricultura digital, não é um negócio, realmente, que gera valor para as empresas” resume o vice-presidente Latam da Farmers Edge, Celso Macedo, em entrevista ao AgFeed.
Mesmo sendo um contrassenso abandonar a agricultura digital no momento em que se busca a produtividade capaz de ampliar as margens, é assim que o agricultor pensa, de acordo com Macedo.
“Quando têm dinheiro em caixa, primeiro ele compra semente, fertilizante, defensivo, maquinário, caminhonete e terra. Só depois vem o resto e aí a gente entra nessa fase”, explica o executivo.
Segundo Macedo, agricultores percebem os resultados das soluções tecnológicas no campo somente depois de três ou quatro anos. “Hoje, nessa margem apertada que a gente tem vivido nos últimos dois anos, ele fala: ‘não, isso aqui eu vou deixar de lado’”. E foi nessa linha que a Farmers Edge trocou o B2C pelo B2B2C.
A estratégia tem dado certo. Contratos com empresas de telefonia, seguros e financeiras foram fechados e a companhia entende que o atual ciclo é de alta, após enfrentar turbulências.
Criada por agricultores canadenses há 20 anos, a Farmers Edge nasceu, como qualquer agtech, para atender a necessidade de se ter tecnologia e buscar eficiência operacional no campo.
O negócio evoluiu, acordos comerciais com outras empresas foram feitos, a companhia cresceu e atingiu seis dos principais países agrícolas do mundo. Além do Canadá, operou nos Estados Unidos, Austrália, Rússia, Ucrânia e Brasil.
Com a guerra, Rússia e Ucrânia foram os primeiros negócios encerrados. Difícil de se gerenciar e do outro lado do mundo, a operação da Austrália também sucumbiu e o foco ficou nas Américas.
O ciclo negativo coincidiu com uma oferta pública de ações (IPO) na Bolsa de Toronto, mas a captação de US$ 607 milhões em ações virou pó. No início deste ano, a Farmers Edge foi adquirida pela Fairfax a um preço 98% inferior ao de seu IPO.
No Brasil, a Farmers Edge chegou a fornecer soluções tecnológicas a produtores em uma área de até 2 milhões de hectares. Com a mudança de estratégia, manteve os clientes grandes e cativos e reduziu a área de B2C para 150 mil hectares. Macedo considera essa área como um “showroom” para mostrar suas operações às empresas que buscam os serviços.
Dois exemplos: uma empresa de telefonia quer vender celulares, televisão por assinatura, conectividade rural e internet para clientes rurais. Como agricultor, nas palavras de Macedo, “só pensa no agro”, uma solução de agricultura digital da Farmers Edge entra no pacote.
Empresas de seguro e financeiras podem utilizar os serviços da agtech para minimizar riscos ao monitorar as áreas dos clientes e estes pagam mais barato pelo produto.
A empresa encerrará 2024 com 1 milhão de hectares monitorados e pretende dobrar essa área em 2025 em uma estimativa conservadora. Para 2030, a meta é atingir 8 milhões de hectares, que, se confirmada, estica o ciclo de alta da agtech até a próxima década.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Celso Macedo ao AgFeed.
A companhia passou recentemente por um processo de compra pela Fairfax, depois da oferta pública de ações e da queda nas ações. Após essa mudança, como é que vocês estão se direcionando?
A gente atuava, basicamente, no B2C, o Business to Consumer. Quando eu vim pra cá, há três anos e meio, um dos grandes objetivos era avaliar o nosso modelo de negócio, desafiar e ver se realmente a gente estava no caminho certo.
Olhando o mercado e testando nossas soluções, chegamos a ter 1,5 milhão, 2 milhões de hectares. O fato é o seguinte: a gente nos desafiou a ponto de entender que o B2C no Brasil, para a agricultura digital, não é um negócio, realmente, que gera valor para as empresas. Então, a gente começou a olhar de uma forma diferente, no conceito de trabalhar no B2B2C para, por meio das empresas, chegar ao consumidor final.
E por que o B2C não gera valor no Brasil?
O agricultor entende o valor de ter agricultura digital para a melhoria da performance do seu negócio. Só que quando a commodity estava em um preço bom, que dava 40% de margem, ele até comprava a agricultura digital. Alguns que compram e começam a entender o valor do negócio, não saem mais. Mas hoje a commodity deu uma apertada de preço, a margem deve estar por volta de uns 20%. Quer dizer, os produtores têm que ser eficientes. Então, o que eles pensam? Quando têm dinheiro em caixa, primeiro ele compra semente, fertilizante, defensivo, maquinário, caminhonete e terra. Só depois vem o resto – e aí a gente entra nessa fase.
Mas não é um contrassenso um produtor que teria de ter uma agricultura digital para buscar mais eficiência, cortar a agricultura digital primeiro?
Completamente. Temos clientes antigos que já entenderam isso que você está falando e usa a agricultura digital para fazer as correções necessárias, para poder chegar a um nível alto de produtividade. Só que ele percebe isso depois que utilizou a agricultura digital durante três, quatro anos. Hoje, nessa margem apertada que a gente tem vivido nos últimos dois anos, ele fala: “Não, isso aqui eu vou deixar de lado”.
E aí vocês migraram para o B2B2C?
A gente foi atrás de empresas que têm interesse em ir ao campo e acessar o agricultor. Por diversos motivos. A agricultura digital deu a possibilidade para a Farmers Edge atuar em diferentes segmentos do agronegócio. A gente tem contrato com uma empresa de telecom, com uma empresa de financiamento e seguros agrícolas. Estamos negociando com empresas de fertilizantes, com empresas de sementes. São todas as empresas que veem na agricultura digital um serviço que deve ser agregado ao seu produto para chegar lá na frente e sustentar o seu produto.
Como a empresa vê o atual momento agrícola?
Realmente é desafiador por causa dos preços das commodities, que estão estrangulados. Não significa que o agricultor perde dinheiro. Ele ganha, só que hoje ele está, em função do todo o ambiente de mercado, segurando um pouco e vendo de forma mais cautelosa onde colocar o dinheiro.
Essa decisão de vocês de ter uma nova estratégia foi em todas as operações ou só no Brasil?
Todas as operações. No Canadá, Estados Unidos e Brasil, onde a gente tem operações.
Coincide com o processo da Fairfax entrar na companhia?
Quando a gente saiu de uma startup para abrir no mercado e ter ações na Bolsa de Toronto, a gente atuava basicamente no B2C. Estava iniciando um B2B, mas dentro do nosso pacote tradicional de venda de soluções. Foram duas grandes mudanças. A gente ainda tem hoje 150 mil hectares do B2C, que eu uso como showroom para a empresa, mas saímos desse pacote tradicional de venda para o conceito que a gente chama de managed service, ou serviços gerenciados.
E o que é isso?
Na hora que você começa a trabalhar com o B2B, vê muitas empresas grandes com o conceito “ah, eu tenho meu produto, só que eu quero usar sua tecnologia como se fosse minha”. Então a gente flexibilizou esse conceito e hoje fazemos licenciamento da nossa plataforma.
Pode dar um exemplo prático?
Por exemplo, a Claro quer entrar no agribusiness porque ela vê um mercado importante para vender conectividade, celular, televisão, todos os produtos dela. E muitas vezes falta um produto pra ela pra falar com o agricultor. Porque o agricultor gosta de falar de agro e não adianta você chegar lá querendo vender só o celular que ele não vai comprar. A Claro fala: “ah, eu tenho agricultura digital”. E aí começa a conversa, a oportunidade de vender o produto deles.
Muitas empresas não têm entendimento para contratar ou pra ter uma estrutura de agro definida, selecionada, treinada para fazer o trabalho. Então, a gente faz essa parte, de introdução da plataforma, de treinamento da equipe e de implementação do projeto.
Uma maneira de mitigar a crise é pulverizar operações, como vocês fazem, atuando em vários segmentos. É assim que vocês lidam com essa crise atual do setor?
Dentro do conceito de Farmers Edge, a gente hoje tem uma operação B2C somente no Mato Grosso. Por exemplo, eu vou negociar com uma empresa de fertilizante e nós mostramos esses clientes para eles. Eles entram em contato, veem como é que funciona a nossa tecnologia. Esses clientes que selecionamos estão trabalhando com a gente quase desde o começo e a gente segurou esses porque eles gostam de trabalhar conosco e perceberam o valor de realmente ter a agricultura digital para suportar a eficácia operacional deles.
Nessas áreas que vocês atuam, qual é mais pujante e que envolve essa oportunidade de crescimento?
Hoje são financiamento e seguro agrícola. A gente desenvolveu um produto muito importante, que está suportando um decreto do governo sobre a necessidade do laudo de fiscalização e monitoramento com o sensoriamento remoto para o Proagro. É uma ferramenta para realmente identificar se houve fraude em algum lugar ou não. Então, a gente faz esse relatório, que é um relatório final para enviar para o Banco Central. O cliente não necessita de ter uma equipe de agricultura digital lá dentro, a gente consegue fazer o trabalho que ele precisa 30%, 50%, mais barato.
E na última parte vem o conceito de desenvolver tailor-made solutions. Foi uma necessidade criada por um broker de seguros para a Mapfre. O agricultor vai fazer o seguro agrícola e pergunta quanto é: “É 6% do valor total do prêmio, mas se você permitir a gente monitorar através da agricultura digital, eu te cobro 5%”. A precificação entra aí, o broker diminuiu o risco e o agricultor ganhou porque está pagando menos, está todo mundo feliz.
E para onde vocês imaginam que vai caminhar a agricultura digital que nasceu com o drone, GPS e que evoluiu exponencialmente?
Na visão da Farmers Edge, a gente acredita que a agricultura digital vai estar bastante absorvida, espalhada e com uma maturidade suficiente em um curto espaço de tempo. Os grandes agricultores são atendidos de forma direta. O pequeno e o médio não estavam tendo essa possibilidade até o momento em que as cooperativas, e o maior exemplo disso é a Coopercitrus, entenderam que o viés de sobrevivência é manter esse produtor e oferecer um pacote fechado para eles.
É por isso que vocês mudaram o perfil de vocês, ou foi naturalmente mesmo?
Foi um pouco dos dois, porque a gente identificou que o sistema da cooperativa funciona e que, para ser uma empresa puramente B2C, ao invés de 80 funcionários quando a gente trabalhava só B2C, teríamos de ter 500. Uma empresa como a nossa, para ter 500 funcionários no campo, CLT, com carro, salário, benefícios, não se paga.
Então, a gente preferiu rever o negócio como um todo. Nós temos tecnologia muito boa, achamos uma nova forma de a gente usar essa tecnologia para o agricultor brasileiro e percebeu que as grandes empresas querem utilizar o produto deles com o nosso suporte.
Quando houve essa virada de chave?
Essa virada de chave aconteceu há um ano. A gente já vinha desenvolvendo, desde a minha entrada, há três anos e meio, quando começou a trabalhar um pouco no B2B. Eu trabalhava no Sumitomo Chemical e contratei a Farmers Edge. Eu vim para cá e eles ainda eram meus clientes lá. A nossa empresa começou a perceber que o Brasil gerava relações com grandes empresas. E aí a empresa mudou o conceito. A gente estava focado, basicamente, na plataforma fechada no B2B. Veio o conceito do managed services, mais flexível e o de produtos tailor-made.
Quanto vocês esperam crescer neste e no próximo ano?
A gente tem contratos com empresas sólidas e espera pelo menos ter mais uns cinco até o final do ano que vem. Nós devemos encerrar este ano atendendo por volta de 1 milhão de hectares e a nossa expectativa para o ano que vem está por volta aí de 2 milhões de hectares para ser conservador. E o meu número para 2030 é de 8 milhões de hectares administrados e utilizando a ferramenta Farmers Edge para monitoramento.