Depois de um 2025 em que o agronegócio brasileiro ajudou a sustentar os indicadores macroeconômicos do País, mas também enfrentou uma série de dificuldades, o setor produtivo deve atravessar 2026 ainda com bons resultados no campo, mas sob diferentes vetores de pressão, com a combinação de um clima menos favorável, incertezas no cenário geopolítico e elevado nível de endividamento dos produtores rurais.

Essa é a avaliação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apresentada em entrevista coletiva virtual realizada pela entidade na manhã desta terça-feira, 9 de dezembro, quando a entidade divulgou suas perspectivas e projeções para o setor produtivo no ano que vem.

Diante desse conjunto de pressões, a CNA estima que o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio deve crescer apenas 1% em 2026, bem abaixo da expansão de 9,6% esperada para 2025. O indicador considera a produção agropecuária e também as receitas geradas dentro e fora da porteira.

Já o PIB da agropecuária, que contempla exclusivamente a produção nas propriedades rurais, deve encerrar 2025 com alta de 8,3%, de acordo com a CNA. Para 2026, a confederação projeta uma desaceleração significativa do indicador, com avanço esperado de 2,3%.

A CNA estima ainda que o Valor Bruto da Produção (VBP) deve alcançar R$ 1,57 trilhão em 2026, crescimento de 5,1% em relação à 2025. O segmento agrícola deve totalizar R$ 1,04 trilhão, com alta de 6,6%, impulsionado pelo aumento da produção de grãos. Já o VBP da pecuária deve crescer 2,2%, chegando a R$ 528 bilhões, com a pecuária de corte apresentando expansão de 4,7%.

Para 2025, a CNA estima que o VBP encerre o ano em R$ 1,49 trilhão, alta de 11,9% em comparação a 2024, sendo R$ 981,3 bilhões correspondente à produção agrícola, com alta de 10,8%, e R$ 516,5 bilhões vindos da pecuária, com alta de 14,2%.

A confederação avalia que o desempenho do agro neste ano contribuiu para o crescimento do PIB, que fechou o ano em 2,25%, e para a desaceleração da inflação de alimentos no domicílio, que passou de 8,23% em 2024 para 2,05% neste ano. “A gente pode dizer categoricamente que graças ao agro a inflação de alimentos esse ano ficou dentro da meta”, disse o diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi.

Apesar dos desafios, o balanço do ano foi positivo, na avaliação do presidente da CNA, João Martins. “Foi um ano normal na nossa avaliação, normal porque conseguimos fazer uma coisa que achavam que era impossível. Com restrição de crédito, problemas climáticos, batemos novo recorde de produção, terminando o ano com uma safra superior a 350 milhões de toneladas”, disse.

O quadro que se avizinha para 2026, no entanto, é mais desafiador, na avaliação da CNA, por combinar alguns problemas dentro do campo, como o clima não ajudando tanto como em 2025, quanto fora, como o alto nível de endividamento dos produtores, dúvidas sobre a situação macroeconômica do país, ano eleitoral e o cenário geopolítico.

Lucchi chamou atenção para o salto da inadimplência da pessoa física, que passou de 3,5% em outubro de 2024 para 11,4% no mesmo mês deste ano, o maior nível da série histórica. “O último pico tinha sido em março de 2017 com 5,9%”, recorda o diretor técnico da CNA.

A situação financeira ruim, segundo Lucchi, é uma combinação de vários fatores, como eventos climáticos recorrentes em regiões produtivas, como Rio Grande do Sul, norte do Paraná e sul do Mato Grosso do Sul, a forte queda de preços nas commodities, o desmonte da política de seguro rural, a maior restritividade dos bancos na concessão de crédito e o fato de a taxa Selic ter atingido 15% neste ano, maior nível em 20 anos.

“A taxa de juros mais elevada dificultou que muitos produtores rolassem essas dívidas mais para frente, como viu acontecendo em anos anteriores, então, o número (de endividamento) realmente aumentou”, disse o diretor técnico da CNA.

A CNA defende a redução do que chama de “penduricalhos” embutidos nas operações de custeio, afirmou Lucchi. “Um produtor do Pronaf, se for pegar R$ 100 mil em custeio, com uma taxa de 6% ou 6,5%, sai no final com 22%, porque é inserido várias coisas, como taxas de cartório, taxas de projeto, Proagro, seguros, venda casada e tudo mais”, estimou.

Lucchi também reforçou que a CNA continua defendendo junto ao governo de que é mais barato subsidiar seguro rural do que bancar programas bilionários de socorro a regiões atingidas por desastres climáticos – como no caso do Rio Grande do Sul, onde o governo fez um aporte de R$ 4 bilhões.

O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) registrou o seu pior desempenho desde 2007, cobrindo apenas 2,2 milhões de hectares, o que representa menos de 5% da área agricultável do país.

“Este ano foi o pior em área segurada. Estamos tendo uma desconstrução na política de seguro rural no Brasil”, disse o diretor técnico da CNA.

No campo, a CNA avalia que 2025 foi um ano de “super safra”, com a produção de quase 352 milhões de toneladas de grãos, forte incremento na produção de soja e bom desempenho nas duas safras de milho.

De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), as projeções para a safra 2025/2026 indicam que a produção total deve superar o volume colhido na safra anterior, com potencial para alcançar 354,8 milhões de toneladas, alta de 0,8%.

A área plantada com soja está projetada em cerca de 49,1 milhões de hectares e a produção em 177,6 milhões de toneladas, aumento de 3,6%.

Já a previsão para o milho é de queda de 2,5% na produção do grão de segunda safra, totalizando 110,5 milhões de toneladas. Considerando as três safras, a produção total será de 138,8 milhões de toneladas, recuo de 1,6%.

Para 2026, o cenário-base da confederação ainda é de safra robusta, em torno de 354 milhões de toneladas, mas com um pacote tecnológico potencialmente mais enxuto, à medida que a pressão de custos e dívidas leva parte dos produtores a reduzir investimentos.

“Tivemos agora um La Niña de baixa intensidade, que atrasou o plantio em boa parte das regiões brasileiras e vai ficar aí até janeiro, mas mesmo assim esperamos ter uma safra bem próxima”, disse Lucchi.

Algumas cadeias aparecem com sinais de alerta mais acentuados, como o arroz. Em 2025, a CNA lembra que a produção do grão cresceu mais de 23%, mas o preço médio ao produtor recuou para a faixa de R$ 54 a saca, enquanto o custo operacional efetivo se aproxima de R$ 63.

As margens deprimidas devem levar a uma queda de 11,5% na produção de arroz ao longo da safra 2025/2026, chegando a 11,3 milhões de toneladas, reforçando, na opinião da confederação, a necessidade de se ampliar mercados externos e estimular o consumo interno.

“É um produto que realmente a gente tem que trabalhar mais abertura de mercado e o incremento do consumo doméstico para que o produtor siga ainda tendo as margens favorecidas”, disse Bruno Lucchi.

Na pecuária de corte, a CNA destacou que o setor teve neste ano abate elevado de fêmeas, o que deve levar a produção de carne bovina a cerca de 12 milhões de toneladas em 2025, 1,7% a mais que no ano passado.

Os abates de bovinos no Brasil cresceram 5,6% até o terceiro trimestre deste ano, enquanto a produção de carne bovina aumentou 3,8% no período, diz a CNA.

O destaque do abate de fêmeas no abate total (49,9%) deve reduzir a oferta de bovinos e animais para reposição de forma mais acentuada em 2026.

Isso abre espaço, segundo a CNA, para preços mais altos – o que, por um lado, ajuda a recompor margens e sustentar investimentos em tecnologia e intensificação dos sistemas, mas por outro, exige atenção aos impactos sobre o consumo doméstico e a inflação.

O cenário externo, ao mesmo tempo, abre oportunidades e adiciona riscos. A coordenadora de relações internacionais da CNA, Sueme Mori, lembrou que o choque tarifário imposto pelos Estados Unidos a produtos brasileiros alterou radicalmente o perfil das exportações ao longo do ano.

Mori disse ainda que, de janeiro a julho deste ano, as vendas para o mercado americano cresceram cerca de 20% em valor, mas de de agosto a novembro, despencaram 38%. A perda, porém, foi parcialmente compensada por demanda de outros destinos, como China, União Europeia e México.

A coordenadora de relações internacionais da CNA lembrou também que a China, por sua vez, está desenhando seu 15º Plano Quinquenal com foco na revitalização rural e no incremento da produção interna de grãos, reafirmando o discurso de reduzir as importações de soja usada na ração animal.

“A gente tem que estar atento a isso, que ainda não se concretizou como a China tem falado, mas é uma sinalização importante para nós, que somos o principal fornecedor de ração animal para o mercado chinês”, salientou Mori.

A executiva mencionou ainda a investigação chinesa sobre a carne bovina importada, que pode resultar em salvaguardas, e as negociações em curso entre Pequim e Washington, que tendem a incluir compromissos de compras adicionais de produtos agrícolas americanos.

Na relação com a União Europeia, as preocupações da CNA se concentram em dois eixos: a regulamentação anti-desmatamento do bloco, a EUDR, que teve recentemente sua entrada em vigor postergada para o fim de 2026, e o desenho das salvaguardas associadas ao acordo entre Mercosul e o bloco europeu.

Resumo

  • Depois de um 2025 puxado por safra recorde, inflação de alimentos sob controle e forte contribuição ao PIB, CNA projeta desaceleração em 2026, com o PIB do agronegócio crescendo apenas 1% e o da agropecuária 2,3%
  • A inadimplência da pessoa física no crédito rural saltou para 11,4%, maior nível da série histórica, refletindo eventos climáticos recorrentes, queda nos preços das commodities, nível alto da taxa Selic, maior restrição bancária e o enfraquecimento do seguro rural
  • A produção de grãos deve se manter elevada em 2026, mas com margens pressionadas em algumas cadeias